Atenção: essa é uma história real e foi publicada de forma fiel ao relato da vítima. As palavras utilizadas podem ser fortes e abordar atos sexuais e de violência.
Não lembro ao certo minha idade. Éramos quatro em casa: eu, meus dois irmãos e minha mãe. A pobreza nos assombrava e minha mãe era mulher da vida. Eu não entendia o que acontecia, mas sempre a via receber homens diferentes, além de também nos levar a lugares com muita bebida e homens. Hoje sei que eram cabarés. Na época não tinha nem ideia.
Eu também dormia na mesma cama com ela e eles. Lembro que eu chorava demais porque não entendia por que ela gemia tanto e às vezes sumia por baixo das cobertas. Ela também brincava, me mostrava o pau dos homens, e eles davam muitas risadas porque eu tinha medo daquilo. No outro dia eu acordava apanhando por ter chorado muito durante a noite. Os homens não gostavam e batiam nela.
Não sei bem ao certo minha idade quando ela finalmente trouxe um homem para nossa casa. Ficamos todos felizes, finalmente alguém mataria nossa fome e acabaria a miséria. Mas foi aí então que começou minha verdadeira miséria.
Certo dia minha mãe saiu para trabalhar e meu padrasto me chamou no quarto. Começou a me abraçar e me beijar e eu não entendi bem o que acontecia. Ele disse: “você quer ganhar muitas roupas novas?”, e começou a baixar minhas calças e a passar a mão em minhas partes íntimas. Dizia que me amava e que seria muito bom o que aconteceria.
A partir daí foram frequentes as vezes em que ele me tocava. Eu tinha nojo e ao mesmo tempo muito medo. Ele era violento e bebia, na verdade até se drogava, mas eu era muito criança e sequer entendia o que era. Ele dizia: “não fale pra ninguém, se não vou matar sua mãe e seus irmãos”.
Um dia minha mãe chegou mais cedo do trabalho e achou estranho que eu e ele estávamos sozinhos em casa enquanto meus irmãos estavam na chuva. Ela esperou ele sair e me chamou para perto do fogão à lenha. Perguntou: “você está bem?”. Eu respondi que sim, e ela disse: “ele faz o que com você?”. Eu tive medo e comecei a chorar. Ela me abraçou e disse: “pode me contar e confiar em mim”. Eu contei: “mãe, ele me dá beijos, me abraça e me põe no colo dele, baixa minha calcinha e me dá carinho”. Ela começou a chorar e disse que tudo ia ficar bem. Pouco depois ele chegou e eles começaram a brigar. Lembro dele indo embora no mesmo dia.
Nossa, como eu estava feliz. Finalmente tinha acabado. Ele nunca mais me tocaria.
Então ele começou a ir visitar minha mãe novamente durante alguns dias. Certa vez ela me chamou e disse: “ele quer voltar e está pedindo perdão, mas ele só vai voltar se você deixar”. Achei engraçado ela pedir isso. Eu era uma criança e era vítima. Então eu vi que ela estava infeliz e disse: “ele pode voltar”.
Acho que até demorou um pouco para ele começar a ir até minha cama de novo e tudo voltar a ser como antes. A diferença agora é que ela fingia que nada acontecia.
Um dia achei tudo tão legal. Eles me deixaram beber caipirinha com eles. Fiquei tão feliz. Tudo estava rodando. Ele saiu e ela disse: “minha filha, quer deitar com a mãe?”. Fiquei muito feliz e fui. Bem tontinha, mas superfeliz. Logo adormeci e acordei meio sonolenta durante a noite com alguém me chupando. Me assustei porque era minha mãe. Fazendo sexo oral em mim!
Fiquei com medo e nem me mexi para ela não perceber que eu havia acordado. Então meu padrasto bateu na porta e ela me acordou para eu ir para minha cama. No outro dia acordei e achei que tinha sonhado, mas eu estava sem minha calcinha.
Minha vida estava cada vez mais difícil. Ele sempre abusando de mim, e ela cada vez pior comigo. Me tratavam mal, brigavam muito por minha causa. Ela dizia que me odiava, que queria que eu morresse e ele cada vez pior. Um dia ela disse que queria que eu não estivesse na noite de Natal, porque eles estavam bem e ela não queria estragar a noite.
Tenho muito mais para contar, mas vai ficar um texto muito grande. Só sei que o abuso sexual pode mudar para sempre a vida de alguém e deixar feridas que nunca mais vão cicatrizar. Hoje sou frustrada pessoal e profissionalmente. Culpo sim minha infância infeliz, mas culpo ainda mais quem era pra ter me protegido: minha mãe.
Assinatura de quem nunca foi feliz. EU.
Por que publicar esse relato?
Abrimos espaço para nossas leitoras contarem suas histórias de abuso sexual após nos darmos conta de quanto essas histórias são comuns, e como a maioria dos casos fica escondido por anos. Nós também sofremos abuso e percebemos que, ao relatar nossos casos, se tornou mais fácil lidar com essas memórias doloridas. Desde então, publicamos algumas matérias especiais sobre o tema, buscando ajudar as vítimas, mas também procurando conscientizar sobre um problema que está muito mais presente do que podemos imaginar, além de orientar sobre formas de se proteger e denunciar.
Acreditamos que, ao publicarmos relatos como esse, com o consentimento das vítimas e sem identificá-las, levantamos o debate de um tema que não pode ser ignorado. Por mais difícil que seja ler palavras tão fortes, é preciso aceitar que casos assim acontecem com frequência, para que possamos, de alguma forma, colaborar para mudar essa realidade.
Abuso sexual por familiares
Pessoas próximas são as principais agressoras e o mais comum é que homens sejam os praticantes de abusos sexuais. Contudo, essa não é uma regra e, por isso, é preciso toda a família ficar alerta a qualquer mudança de comportamento da criança que possa indicar que ela esteja sendo vítima de abuso. No relato acima, a mãe era uma das responsáveis pelas cenas de violência contra a filha, o que parece dificultar ainda mais a denúncia, uma vez que a mãe acaba sendo a primeira – se não única – pessoa em que a criança busca apoio para revelar agressões.
Ainda assim, é possível ajudar. Se você desconfiar de qualquer agressão sexual contra uma criança, pode denunciar. Uma das formas é ligando para o Disque Direitos Humanos, no número 100. Após o fato ser informado de forma anônima, a Secretaria de Direitos Humanos encaminha o assunto a órgãos competentes em até 24 horas, para que seja investigado. Outras opções são ir a uma delegacia comum, alguma especializada ou mesmo a um conselho tutelar.
E você? Já foi vítima de abuso?
Falar sobre as experiências pelas quais passamos é um processo importante para aceitar o que aconteceu e também para superar. Além disso, é muito importante para ajudar outras pessoas a enfrentarem essa situação e conscientizar a população sobre o problema. Foi isso que pensamos ao decidir criar espaço no site para essas histórias.
Se você sofreu violência, ligue para a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. O número é 180. Anônimo e gratuito esse serviço cobre todo o Brasil, 24 horas por dia, 7 dias por semana, incluindo finais de semanas e feriados.
Você também pode recorrer a qualquer delegacia para registro de um boletim de ocorrência, ou, caso haja no seu município, a uma Delegacia de Defesa da Mulher. É possível, ainda, ligar para a polícia (190). Caso não se sinta segura para ficar em casa, solicite abrigo na delegacia ou Centro de Referência de Atendimento às Mulheres.
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