À francesa

Todo ano, tinha almoço no dia 25 de dezembro na casa da minha tia. Entre as crianças, eu (a mais velha), minha irmã, três primas de um lado e três primas do outro, com idades variando entre três e treze anos. Todas meninas.

Por mais educadíssimas que fôssemos, uma certa algazarra era inevitável. Principalmente por causa das mais novas. Outra coisa que também produzia algum ruído era o chilique anual da minha prima linda, que odiava tirar fotos. E Natal, como todo mundo sabe, é dia de muuuuitas fotos.

Aí, havia essa mulher do irmão da mulher do irmão do meu tio. Um daqueles parentescos complexos, que só fazendo um diagrama ou sendo da família para entender. O fato era que a moça era francesa, elegantíssima, bronzeada, macérrima e muito, muito criativa

Como o almoço costumava sair tarde, lá pelas tantas a maioria dos adultos já estava meio… digamos, cansada dos ruídos das crianças.

Aí, havia essa mulher do irmão da mulher do irmão do meu tio. Um daqueles parentescos complexos, que só fazendo um diagrama ou sendo da família para entender. O fato era que a moça era francesa, elegantíssima, bronzeada, macérrima e muito, muito criativa.

Enquanto as mães (a minha, inclusive) distribuíam uma repreensão leve ou outra aqui e acolá, numa tentativa pouco eficaz de controlar os decibéis em nível ascendente, ela resolveu tomar as rédeas da situação. Foi até a cozinha e pediu uma tigela com cerejas (sempre havia cerejas entre as sobremesas do Natal. Aliás, há até hoje). Então, enfileirou oito ou nove meninas (acho que a filha dela também participou) e selecionou da tigela oito ou nove cerejas, com cabo.

A brincadeira era muito simples: devíamos comer a cereja, cuspir o caroço e colocar o cabinho na boca. Então, sem usar as mãos, devíamos dar um nó no cabinho da cereja, usando apenas a língua. Ganharia quem conseguisse dar o nó mais depressa, com direito a segunda e terceira colocações. Não valia desistir. Para nos impressionar, a francesa levou um cabinho à boca e, em menos de dez segundos, tirou-o com nó e tudo. Fácil, pensamos. Mas não era…

Sem querer levantar suspeitas de qualquer natureza, essa francesa devia ser muito hábil com a língua. Levamos vinte ou trinta minutos fazendo as melhores caretas, contorcendo a boca em todos os sentidos até ficar com a língua doendo para conseguir dar o tal nozinho. A segunda colocada teve uma defasagem de vários minutos e a terceira, nem me lembro quem foi. Quando fomos à sala mostrar os resultados, exultantes, a francesa nem se abalou. Pegou novamente a vasilha e disse: “Très bien, meninas. Segunda baterrria”. E enquanto isso durou, reinou um silêncio sepulcral das crianças, para o delírio dos adultos.

É… esses franceses são mesmo muito criativos.