Brigadeiro

Minha avó, a mesma que fazia os bolos para o fim de semana, tinha uma peculiaridade: a panela de brigadeiro.

Como disse uma amiga com muita propriedade, somos de um tempo em que as panelas duravam a vida inteira. Assim, as que minha mãe ganhou quando se casou, nos acompanharam por várias décadas. Demorou muito tempo para meu pai decidir comprar moderníssimas panelas com fundo de cobre e muito mais tempo ainda para a família se acostumar com elas. Lembro de ter ouvido a minha mãe se queixar várias vezes que aquelas panelas “esquentavam demais”, que “queimavam o arroz” e outras coisas assim. Parecia que as panelas eram dotadas de vontade própria e que “queimavam o arroz” só por desfeita.

Quando era mais nova, vovó apoiava um dos pés na parte interna do joelho da outra perna e ficava ali, formando aquele “quatro” engraçado. De costas, parecia um passarinho.

Mas voltemos ao brigadeiro. Havia em casa uma panela comum, de alumínio, fundo largo e laterais pouco mais altas que as de uma frigideira, que era reservada para dois propósitos muito especiais: a preparação de pipoca e de brigadeiro. Minha avó se recusava a fazer brigadeiro em qualquer outra panela. Dizia que não havia como dar certo, que o fundo das outras era estreito demais, ou quente demais… Uma vez, chegou até a confidenciar que o brigadeiro da festa do meu primo não tinha dado muito certo porque lá não tinha a “sua” panela.

A preparação do brigadeiro (que geralmente antecedia alguma comemoração) era uma festa à parte. Quando precisava de certa paz, minha mãe decretava que tudo fosse feito e enrolado pela manhã, enquanto estávamos na escola. Era bom encontrá-los prontos, mas era muito melhor participar da preparação.

A preparação

Vovó media tudo direitinho (uma lata de leite condensado, meia lata de leite de vaca, três colheres de sopa de chocolate em pó e duas colheres de sopa de MANTEIGA) e colocava na panela. Às vezes acendia o fogo imediatamente. Às vezes, deixava a panela “descansando” no forno. Era uma doce tortura, mas que durava pouco porque minha irmã e eu sistematicamente invadíamos a cozinha e roubávamos colheradas de leite condensado com Nescau. Como éramos jovens e pouco astutas, deixávamos uma trilha de leite condensado derramado entre o forno e a boca que, fatalmente, nos delatava.

A hora de cozinhar os brigadeiros era um show. Ficávamos em volta da minha avó, ao lado da panela (mais ou menos como o meu filho fica hoje em dia), assistindo, esperando, sentindo o cheiro delicioso que subia com o vapor. Ela ia mexendo a massa delicadamente com uma colher de pau, sempre para o mesmo lado, “para não desandar”. O tempo ia passando e a ansiedade, crescendo.

– Vovó, será que já deu o ponto?
– Hmmm, não sei, não, minha filha. Tem que esperar desprender do fundo da panela.
– Mas já não desprendeu?
– Ah, não. Ainda não.

Ficávamos ali, debruçadas, assistindo a cada movimento daquele balé. Quando era mais nova, vovó apoiava um dos pés na parte interna do joelho da outra perna e ficava ali, formando aquele “quatro” engraçado. De costas, parecia um passarinho.

O momento do “ponto” nunca era uma coisa tranqüila. Sempre havia uma certa dúvida pairando no ar. Será que deu? Será que vai ficar bom para enrolar? Que não vai ficar muito duro? Muito mole? O intervalo de tempo entre o decreto “do ponto” e o momento de enrolar era uma diversão à parte. Vovó vertia a massa em um pirex de fundo largo para esfriar mais rápido e, enquanto esperávamos, colocávamos granulado em dois potinhos e abríamos as forminhas, com o cuidado de contar cada montinho para ver “se tinha dez mesmo” (hoje, são só cinco por montinho. Podem reparar). Concluído o processo, chegava a hora de enrolar.

Enrolando

A honra de enrolar os docinhos cabia única e exclusivamente a minha avó (da mesma forma que hoje cabe a mim). Ela untava as mãos com manteiga e ia pegando pequenas porções de massa com uma colher. A regra era colocar um no potinho de granulado da minha irmã e um no meu, alternadamente, sem falhar de jeito nenhum. Se uma das duas recebesse dois brigadeiros consecutivos, era morte na certa (da mesma forma que acontece com os meus filhos, hoje em dia). Íamos passando os doces no chocolate granulado e colocando nas forminhas.

A arrumação

Terminávamos de passar os brigadeiros no granulado, colocávamos nas forminhas e arrumávamos tudo bem direitinho, nas bandejas determinadas pela minha mãe. Algumas vezes, havia beijinhos de coco também. Nesses casos, a ordem era alternar um de cada na bandeja ou, ainda mais sofisticado: em bandejas redondas, arrumávamos os docinhos em raios. Na época, achávamos muito chique. Hoje, suspeito que fosse porque dificultava o roubo precoce de brigadeiros e beijinhos antes da festa.

A hora H

Na hora da festa, tínhamos o maior orgulho de levar os doces para a mesa, principalmente quando a minha avó falava que nós – minha irmã e eu – havíamos feito tudo, “praticamente sozinhas”. Os convidados se serviam e nós ficávamos de olho, discretamente, em quem tentava contrabandear quantidades exageradas para casa.

A parte boa era que sempre sobrava e aí, o consumo e os assaltos eram liberados. Exatamente como os meus filhos fazem hoje em dia.

Tudo isso só para provar, mais uma vez, que eu não só acredito, como alimento (nesse caso, literalmente), boas tradições familiares.