Frango da nobreza

Frango é uma daquelas coisas controvertidas da cozinha. Já conheci gente que não podia nem ouvir falar na palavra sem sentir os cabelos da nuca se arrepiando de repulsa. Outros, só sucumbiam à carne do frango em caso de morte iminente. Mais ou menos o que acontece comigo em relação ao coentro e ao funcho. Há também os naturalistas mais entusiasmados que gritam palavras de ordem e agitam bandeiras contra o excesso de hormônios colocado na carne dos frangos para que saiam do ovo, cresçam e estejam em ponto de abate em cada vez menos tempo. Esse último grupo brada sobre os riscos de câncer e degenerescências genéticas que nós, humanos, corremos ao consumir a carne desses animaizinhos mutantes. Mas o fato é que existem pessoas que gostam de frango. Trata-se de um grupo muito especial de gente – minha mãe e meu namorado entre eles – capaz de sentir “vontade” de comer frango. Gente que, entre dezenas de opções de um cardápio de restaurante, escolhe um prato de frango para a minha perplexidade.

– Frango? Ma você vai pedir “frango”?

– Vou, ué! Qual é o problema?

– Mas com tanta opção no cardápio?

– Ué, Ana. Deixa de ser implicante. Frango é uma opção tão boa quanto qualquer outra.

– Mas eu não me conformo… que tal um linguado, uma picanha, um ravióli recheado de ovas de alguma coisa…?

– Se você não se conforma, por que não escolhe o “seu” prato e deixa que eu escolha o meu, hein, hein?

Faz sentido. Nessas horas, eu me calo e deixo que eles peçam o penoso. Mas ao contrário do que possa parecer, eu não detesto frango. Só acho que há coisas melhores para se fazer na vida. Ainda assim, lembro com saudade e água na boca do frango assado que minha avó fazia aos domingos, com pele crocante, batatas coradas, assadas no molho do próprio frango e, para acompanhar, cenoura, ervilha e salsinha com molho branco. Também suspiro de saudade do pato recheado com pão, maçã e uvas-passa que essa mesma avó fazia. Mas, nesse caso, frango é frango e pato é pato e quem pensar diferente, que venha brigar comigo.

Se a chave da felicidade morasse em uma coisa que não corre, não nada e nem tampouco voa direito, eu aprenderia todas as receitas do mundo e prepararia uma após a outra, só para fazê-lo feliz.

Enfim, para agradar as pessoas que eu gosto, às vezes eu vou para a cozinha fazer frango. Foi o que aconteceu neste último fim de semana, quando o paciente e obstinado ser humano que persiste em ser meu namorado ficou de olhos brilhando ao saber que, depois de todos os excessos do Natal e Ano Novo, eu faria uma receita de frango especialmente para ele. Ah, às vezes a felicidade está em detalhes tão simples… Se a chave da felicidade morasse em uma coisa que não corre, não nada e nem tampouco voa direito, eu aprenderia todas as receitas do mundo e prepararia uma após a outra, só para fazê-lo feliz.

Mas vamos lá. Para um homem tão nobre, uma receita idem (você pode usar isso como argumento promocional quando for fazer o seu próximo frango). Como dizem na minha profissão, “propaganda é a alma do negócio”!

Frango à Marquesa de Rouen (talvez seja Condessa, ou Viscondessa, ou Baronesa. Não me lembro ao certo. Lembro-me apenas que trata-se de um frango à moda de uma dama nobre e bacana, habitante de uma charmosa cidade francesa, muuuitos anos atrás. E vamos a ela:)

Não que eu acredite em tudo o que naturalistas mais entusiasmados alardeiam, mas só por precaução, quando eu compro frango, invisto em uma marca japonesa que traz escrito em letras grandes na embalagem que “aquela ave não recebeu corantes, conservantes ou hormônios de crescimento de qualquer tipo”. Para esta receita, comprei uma bandeja de um quilo de sobrecoxas sem pele.

Pois bem. Em uma panela de bordas altas, coloque cerca de 30g de manteiga, ligue o fogo e espere-a derreter. Se você tem o hábito de ler esta coluna, já sabe que quando eu digo manteiga, é man-tei-ga e não margarina. Desobedeça e eu não serei responsável pelos resultados. Quando a manteiga começar a espumar, espete suas sobrecoxas (suas, no caso, como sendo as do frango, naturalmente) com um garfo grande e frite-as.

Atenção: você fritará o frango sem qualquer tempero. Nem sal, nem nada. Confie em mim.

Frite o frango até deixá-lo dourado. Deve levar uns dez minutos ou mais. Lá pela metade do tempo, vire os pedaços e frite do outro lado. Se precisar, coloque-os de lado para que fiquem uniformemente dourados, como uma garota de Ipanema em meados de fevereiro.

Enquanto o frango frita, corte um monte de cebola. Por um monte, eu digo algo como um quilo ou mais. Corte como quiser, como mais gostar. As minhas, eu cortei ao meio, esfreguei as metades embaixo d’água para não chorar e borrar o rímel e cortei cada metade em três e novamente ao meio. Pedaços médios. Nada de picar a cebola, certo?

Quando seu frango estiver dourado, tire-o da panela e separe. Na mesmíssima panela, jogue a cebola e doure-a. Dourar cebola é uma coisa simples, mas que demanda uma certa dose de obstinação. Demora, mas vale a pena. Você verá que a cebola servirá para desgrudar tudo o que o frango eventualmente tiver deixado na panela. Vá mexendo pacientemente. Depois de transparente, sua cebola começará a dourar. Quanto mais dourada a cebola, mais bonito ficará o seu prato. Se precisar, coloque muito pouca água (1/3 de xícara ou menos) para a cebola não grudar. Se você estiver morta de preguiça de esperar que a cebola doure, vou ensinar um truquezinho sórdido (mas que fique só entre nós, ok?): quando a cebola estiver transparente, ponha uma ou duas colheres de molho de soja na panela. Pronto! Douradas como em uma sessão de bronzeamento a jato!

Devolva o frango frito para a panela e tempere com vinho branco (entre meio e um copo), pimenta do reino moída na hora e uns dois cubinhos de caldo de galinha. Como a cebola é adocicada e o último ingrediente também, talvez você precise pôr um pouco de sal.

Cozinhe isso tudo com pouca água, entre 20 e 30 minutos, misturando de vez em quando, até sentir que o frango esteja macio quando espetado com um garfo. Ao final do processo, coloque cerca de 200 ml de creme de leite fresco (pode ser de caixinha longa vida, mas pelamor, não use creme de leite em lata porque ele tem um gosto tão forte, que vai matar o sabor delicadamente sofisticado do seu prato!!!), misture e deixe cozinhar mais uns 5 ou 10 minutos, para o creme de leite engrossar.

Sirva fumegante com arroz branco, escorrido (já dei a receita aqui) e as verduras ou legumes da sua preferência. Apesar de simples, o prato fica muito bonito, com a vantagem de sujar apenas uma panela! Para quem gosta, é o paraíso.