Um bife é umas das coisas mais básicas da cozinha. Depois do arroz branco e do ovo frito, eu ousaria dizer trata-se do terceiro componente do tripé de subsistência básica do ser humano adulto.
Embora tão básico e tão essencial, muita gente desconhece os mistérios de um bom bife.
A carne, por exemplo, tem que ser de boa qualidade. Não há entidade sobre a Terra, por mais bem dotada na cozinha que seja, que consiga fazer um bife tenro e suculento partindo de um naco de coxão duro. Embora o rei da maciez seja o filet mignon, cortes de picanha, maminha, alcatra ou fraldinha rendem excelentes bifes, desde que seguidas algumas regras básicas.
A frigideira: a campeã isolada é a de ferro. O problema é que pesa uma tonelada, enferruja – a menos que você tenha a pachorra de mantê-la untada em óleo e embalada em papel & plástico – tem que lavar toda vez antes de usar, demora a vida inteira para esquentar e você ainda corre o risco de queimar a mão no cabo. Assim, para começar, vamos por caminhos menos ambiciosos. Uma frigideira antiaderente, disponível nas boas casas do ramo por um precinho camarada, será o seu passaporte para a felicidade no quesito bife.
O começo: limpe cirurgicamente e enxugue seu bife. Não. Eu não estou louca. Antes de começar, seque delicadamente o seu bife em papel absorvente. Se estiver muito úmido, os sucos vão espirrar quando você colocar o bife na frigideira, você vai se queimar e voltará aqui, para pôr a culpa em mim. Tô fora!
Se for uma picanha, conserve aquela gordura lateral. A gordura ajuda a deixar a carne macia. Mantê-la ou tirá-na na hora de comer, vai do seu gosto pessoal.
O mito da sua mãe: ao contrário do que sua mãe, sua avó ou a empregada delas fazia, não há a menor necessidade de moer seu bife de pancada. Principalmente se estivermos falando de uma carne de responsa (e estamos, não?). Martelar o pobre do bife só servirá para romper todas as suas fibras, destituí-lo de todos os seus sucos e de tudo de bom o que ele acumulou no pasto, enquanto ainda era um boi gordo e feliz. Pra facilitar a compreensão, imagine um desafeto seu depois de uma luta de 12 rounds com o Campeão Mundial dos Pesos Pesados. Que tal a aparência dele? Pois é. Com o bife é a mesma coisa.
O tempero: não é preciso quase nada para se fazer um bom bife. Sal e pimenta-do-reino moída na hora costumam ser mais que suficientes. Se não gostar de pimenta, vá no sal, sem medo de ser feliz. Se for parente meu, substitua o sal por Fondor, um tempero da Nestlé sem o qual eu não sei nem fritar ovo.
Pois bem. Polvilhe o seu bife com sal (ou Fondor) de um lado e com sal (ou Fondor) e pimenta-do-reino do outro.
A preparação: coloque a frigideira sobre o fogo, ligue a chama e deixe esquentando uns minutos. Então ponha o equivalente a uma colher de chá de manteiga dentro e deixe derreter. Manteiga, hein? Nem OUSE usar margarina. E, não, não precisa ser mais que isso. Uma colher de chá e mais do que suficiente. Óleo, nem pensar. Afinal, trata-se do seu bife inaugural. Trate-o com o devido respeito.
Quando a manteiga estiver derretida e espumando, espete seu bife com um garfo de cabo comprido e deite-o suavemente sobre a frigideira. Faça como você faria caso o bife fosse seu filho pequeno e a frigideira, a cama dele.
A hora da verdade (outro mito): resista de qualquer jeito à tentação de ficar cutucando o bife enquanto frita. Você gosta de ser cutucado? Pois é. O bife também não. Deixe-o quieto, fritando em paz, totalmente zen na frigideira. Na hora da preparação, você só espetará o seu bife em dois momentos: na hora de virá-lo e quando for tirá-lo da frigideira.
A hora da virada: o ponto da carne é como partido político ou time de futebol. Cada um tem o seu e não adianta alguém tentar convencê-lo do contrário. É evidente que carnes malpassadas são infinitamente mais macias e saborosas do que solas de sapato, digo, carnes bem passadas. Mas, mais uma vez, eu respeito.
Se quiser o seu bife lindamente rosado por dentro e incrivelmente suculento, basta esperar que o sangue comece a brotar na superfície da carne. ESTA é a hora da virada. Se tencionar torrá-lo e deixá-lo esturricado, deixe o coitadinho se esvaindo em sangue e espete, espete muito, até fazê-lo perder todo amor pela vida. Pois bem. Vire seu bife e, mais uma vez, deixe-o repousando placidamente na frigideira, até o sangue começar a brotar no lado que estava inicialmente para baixo. Não tem erro, além de ser fascinante de observar. Assim que o sangue começar a brotar pela segunda vez, tire seu bife da frigideira e coloque-o no prato.
A hora do molho, que hora tão feliz: a felicidade mora muito mais perto do que você imagina. Quer ver? Pense na frigideira. Agora, pense na manteiga, nos sucos da carne, nos vestígios de sal e de pimenta que ficaram nela e pense em você, na pia, com ódio da vida por ter que lavá-la.
Seus problemas acabaram! Depois de tirar o bife e sem desligar o fogo, verta cerca de um terço de copo de vinho tinto na frigideira. Vai sair fumaça, eu sei. É normal. Então, com uma espátula plástica ou colher de pau, passeie pela frigideira como se fosse um patinador artístico, descolando com o vinho tudo o que ficou grudado nela. Agora, é só jogar esse caldo espetacular sobre o seu bife e ser delirantemente feliz. Agora, se você é do tipo que não usa vinho para cozinhar, ok; ninguém é perfeito. O que sobra na frigideira é tão rico que, se em vez do vinho, você usar um terço de copo de água, também fica bom. Não ótimo, mas bom.
E não é só isso! Além do molho divino, você ainda ganha uma frigideira praticamente limpa, que não vai dar o menor trabalho para lavar!