Aprendi que pernil, para ficar macio de verdade, deve ser preparado com osso. Dizem os entendidos, que o osso absorve o calor e ajuda a cozinhar a carne de maneira mais uniforme. Compre um pernil honesto, com um peso que satisfaça às suas necessidades. Só para situar, um pernil de cinco quilos dá para cerca de doze pessoas (desde que eu não esteja entre elas. Se estiver, calcule cinco quilos para dez pessoas. Sei que parece uma barbaridade de carne, mas lembre-se que há o peso do osso a ser levado em conta.)
Pois bem, adquira o seu pernil não sem antes certificar-se de que ele não é temperado. Siiiiim, torcida brasileira. Porque a exemplo dos perus, os pernis hoje em dia também nascem temperados.
Imagine você, num ofurô de luxo, imersa em água cálida pontilhada de pétalas de rosas. Divino, não? Pois é exatamente assim que o seu pernil vai se sentir na vinha d’alhos
A véspera
Diferentemente do peru, 90% do trabalho da sua interação com o pernil vai acontecer na véspera do consumo. Assim, um dia antes da estréia triunfal, besunte seu pernil com sal. Não se iniba. Pode encher a mão de sal umas duas ou três vezes e esfregar à vontade no bicho. Primeiro, porque ele já está morto mesmo e não vai sentir nada. Depois, porque trata-se de um pedaço considerável de carne. Portanto, esqueça seus antigos conceitos de uma pitada ou uma colherinha de café e mande bala. Na sequência do sal, moa pimenta do reino na hora sobre a carne. A quantidade, aqui, vai muito do seu gosto. Se gosta muito, use muito e vice versa. Agora é hora de besuntar seu pernil com mostarda. Lembre-se de que é uma peça grande. Você vai usar quase um tubo de mostarda. Besunte mesmo, até a carne ficar amarela. Eu faço isso tudo com a mão (mas juro que lavo antes). Se você tem nojo ou não acha higiênico, use um pincel. Finalmente, espete a peça com um garfo e enfie 3 ou 4 cravos da índia de cada lado (ajuda muito se, nessa hora, você mentalizar algum desafeto que anda merecendo umas espetadelas).
A vinha d’alhos
Você quer servir uma carne maravilhosa no Natal, com um tempero só seu, para o êxtase dos seus convidados, certo? Então vá à luta, menina! A vinha d’alhos, apesar de ter esse nome de “coisa de avó”, é uma coisa muito mais simples do que parece. Imagine você, num ofurô de luxo, imersa em água cálida pontilhada de pétalas de rosas. Divino, não? Pois é exatamente assim que o seu pernil vai se sentir na vinha d’alhos. Em uma assadeira grande, ponha umas seis cebolas picadas, um ou dois dentes de alho espremidos, suco de três ou quatro limões, uma folha de louro amassada com a mão e cerca de meio litro de vinho branco (vinho honesto, tá? Nada que você não beberia, combinado?). Ponha o seu pernil dentro desse banho de beleza e regue de vez em quando.
Em casa, eu faço um pacto com os moradores: quem passar pela cozinha e não regar o pernil, não come. Se for preciso, instale câmeras de segurança para monitorar. Por causa do calor, pode ser sensato cobrir o pernil com papel alumínio e deixá-lo na geladeira, sem esquecer de regar. Eu fiz isso um ano. Desisti porque, por causa dos temperos, meu tiramisú e minha salada de frutas preparados para a sobremesa ficaram com tanto gosto de tempero de pernil, que eu tive que comprar um bolo de sorvete às pressas em uma doceira próxima. Enfim…
O grande dia
Trata-se de uma peça grande de carne, lembra? Provavelmente, a maior que você já preparou. Para assá-la, calcule uma hora de forno por quilo de peso. Isso mesmo. E nem pense em fazer “malpassado”. Para sua própria segurança, o conceito de malpassado não existe com carne de porco.
Pois bem. Se você tenciona servir o pernil no almoço do dia 25 e vai assar uma peça de sete quilos, isso significa que terá que acordar lá pelas sete da manhã para estar em condições de ter algo à mesa às 13h30. Talvez seja uma boa idéia deixar o pernil para a noite do dia 24.
Antes de levar seu pernil ao forno, acrescente o suco de 5 ou 6 laranjas à vinha d’alhos que já está na assadeira e dê uma regada caprichada nele. Então, coloque-o na assadeira com a parte da gordura voltada para cima (quando assar, a gordura vai derreter para dentro da peça, deixando a carne ainda mais macia.), cubra a assadeira com papel alumínio e feche hermeticamente para não ressecar.
Sua única missão daqui para a frente será abrir o forno de hora em hora e… adivinha só: regar o pernil. É. De novo. Tantas vezes quantas você abrir o forno. Depois de cada regada, não esqueça de fechar de novo bem direitinho o papel alumínio. À medida em que o pernil for assando, você verá que algumas partes ficarão mais morenas que as outras. Proteja essas partes com uma camada extra de papel alumínio para não queimar. É mais ou menos o que você faz na praia quanto troca de biquíni e não quer torrar a pele mais sensível.
O papel alumínio só sai na ultima hora de forno para dar um bronze final no pernil. Quando terminar o tempo de forno, sua casa estará inteiramente perfumada e seus convidados, babando de vontade. Sirva sua obra-prima em uma travessa bonita e enfeite como quiser. Em casa, eu sirvo com abacaxi caramelizado e ameixas.
Ah, e não esqueça de voltar aqui depois e me contar como foi.
Feliz Natal!