Crianças hiperativas

Certamente você conhece alguma criança que foi diagnosticada como desatenta e hiperativa. Algumas famílias percebem em casa este modo de funcionamento da criança, ou recebem da escola a informação de que algo não vai bem com ela,  no que diz respeito a aprendizagem. Muitos pais se assustam e saem em busca de um diagnóstico com o objetivo de promover a “cura” – com o desejo de que os sintomas logo desapareçam.

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Penso, no entanto, que é preciso perceber e refletir que a criança tem um corpo que fala. Essas dificuldades escolares que se apresentam, sobre a forma de desatenção e hiperatividade, precisam ser escutadas pelos professores e pela família como algo que só está podendo ser falado através do corpo.

Lembre-se: dependência não é sinônimo de amor. O amor na relação entre pais e filhos não estará ameaçado simplesmente pelo fato de a criança estar crescendo e se tornando independente

Portanto, não se deve reprimir ou calar a criança quando o único recurso que ela tem para falar de algo que a incomoda é o seu sintoma. Ao contrário, é preciso reconhecer os sinais e escutá-los, a fim de que se possa traduzir o que, a princípio, se apresenta intraduzível na relação da criança com a aprendizagem.

Não é uma tarefa fácil e nem simples! Mas é preciso uma dose de compreensão, para que, diante da situação que ora aparece como preocupante e muitas vezes desestruturante, possa promover um espaço de saúde. Não podemos esquecer que o sintoma não é de todo mal, pois é só a partir dele que podemos investigar e buscar ajuda.

Desse modo, penso que calar a criança que apresenta desatenção e hiperatividade, dando a ela algo que a tire do sintoma, como o medicamento, é não deixar que a causa do problema apareça. É como a febre, por exemplo: por si só não é uma doença, mas quando aparece nos sinaliza que algo pode estar acontecendo naquele corpo febril. A doença só poderá ser tratada no momento em que o sintoma surge e nos permite investigar. Se oferecemos o remédio para a febre a criança fica bem, animada, mas a causa ainda estará lá. Não se pode trabalhar o sintoma como se ele próprio fosse a “doença”.

Podemos pensar que o corpo que fala através da desatenção e hiperatividade está sinalizando algo reprimido, mas que, ainda assim, precisa sair de alguma forma. É como uma panela de pressão que, para não explodir o conteúdo, libera fumaça, avisando que há uma verdadeira ebulição interna – que, embora não seja vista, é percebida.

Diversas podem ser as causas que sugerem esses sintomas. Essa impossibilidade de aprender pode estar denunciando os modelos que a criança tem de educação, seja em relação à instituição-família ou ainda em relação à instituição-escola. É preciso entender que essas situações acontecem de forma inconsciente e que, portanto, a criança não tem controle sobre elas. Deve-se evitar os castigos, as críticas e, no lugar disso, escutar, abrir espaço para que fale sobre o que acontece com ela e com a escola. Não tente fazer uma investigação com muitas perguntas, crie situações que promovam diálogos espontâneos. Lembre-se que diálogo não é colocar a criança sentada para escutar um sermão, esperando ainda que as palavras ditas por você transformem-se em ações para ela, como num passe de mágica. Diálogo requer tanto a capacidade de falar quanto de ouvir. Nesse caso, considero a segunda ainda mais importante.

Gostaria de destacar neste texto uma das questões que diversas vezes aparecem implícitas nesses sintomas: o desejo de não crescer. A criança que se mostra desatenta e hiperativa pode estar falando da dificuldade de crescer. Não podemos esquecer que aprender é o caminho do desenvolvimento, quanto mais se aprende, mais se evolui e, dessa forma, mais distanciada da condição de criança e de dependente.

Nessa situação, ela pode estar tentando atender não apenas o seu desejo, mas também atender o desejo dos pais. É preciso refletir: estou permitindo de fato que o meu filho cresça? Para aonde vai o meu desejo em relação ao meu filho? Qual o sentido dele na família?

Quando ingresso na escola irá aprender uma série de conteúdos: Português, Matemática, História, Ciências… Essa aprendizagem é visível, tem um registro, uma avaliação. Mas para além desta aprendizagem formal a criança aprenderá a ver o mundo por uma lente ampliada, que revela muito mais e oferece muito mais condições e oportunidades do que a primeira lente que se tem contato: a lente oferecida pela família . Dessa forma, está a caminho da autonomia e aqui cabe mais uma pergunta reflexiva: as mães sabem exatamente o sentido da palavra autonomia no que diz respeito à autonomia dos filhos?

Autonomia é o antônimo da palavra dependência e, quando se pensa em autonomia do filho, as mães não estão excluídas, pois quanto mais a criança cresce, quanto mais consegue resolver problemas, quanto mais aumenta o seu número de relações, a dependência inicial que existe entre mãe e filho vai perdendo sentido e passa-se a ocupar um outro lugar na vida da criança. Lembre-se: dependência não é sinônimo de amor. O amor na relação entre pais e filhos não estará ameaçado simplesmente pelo fato de a criança estar crescendo e se tornando independente.

Um outro aspecto importante é que a criança só olhará o mundo e será capaz de vislumbrá-lo, observando você fazer o mesmo. Quando a mãe desvia o seu olhar até então direcionado para o bebê, permitindo-se olhar para o que está a sua volta, convidará inconscientemente o seu bebê a fazer o mesmo. Portanto, proponho um desafio: olhe para você, para a sua vida e procure anotar o que mais faz sentido além do seu filho. Quais são seus projetos de vida?

Penso que muito dos casos das crianças que se apresentam desatentas e hiperativas em suas salas de aulas estão impedidas de ampliar o seu mundo, de saber algumas das verdades que este mundo oferece e, dessa forma, não podem crescer.

Mônica Donetto Guedes é psicanalista, psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.