Dúvidas infantis

Se existe algo que não é possível prever e, tampouco, se preparar antecipadamente, são as perguntas das crianças. Com freqüência, pais, parentes e professores se vêem num beco sem saída e com muita dificuldade em saber como responder às curiosidades que rodeiam o mundo infantil.

Algumas perguntas podem ser respondidas facilmente por uns e se tornar angustiantes para outros. No entanto, independentemente da dificuldade ou facilidade em lidar com o tema contido na pergunta, o que sempre aparece é a dúvida dos adultos quanto à possibilidade de responder às perguntas, e, caso respondam, até onde ir com as respostas.

Por que os pequenos perguntam tanto e por que os pais precisam entender este processo?

É preciso agir com muito tato e ter a percepção do que a criança já tem de conhecimento e o que ela quer saber sobre o tema. É bom sempre lembrar da diferença que há entre a pergunta por interesse e a pergunta por curiosidade

A criança pergunta ou porque tem interesse no assunto, isto é, conhece o objeto e quer explorá-lo, ou por curiosidade. Nas perguntas em que a curiosidade está presente, pode-se perceber que parte do seu conteúdo não é conhecido e vem investida de muita ansiedade. Por interesse, as perguntas são feitas com o objetivo de explorar o objeto a ser investigado e podem ser enquadradas no campo intelectual. Já por curiosidade, as crianças pequenas usam as perguntas como possibilidade de elaborar questões de ordem emocional. A princípio, uma pergunta que seria vista como ingênua ou “boba” pelos pais e professores pode ter na sua origem angústia, medo ou ansiedade.

Entendendo, então, que as perguntas não funcionam apenas como um recurso pedagógico, mas que também estão a serviço da possibilidade de re-significar assuntos de ordem pessoais, nem sempre as respostas serão compreendidas pelas crianças. Em muitos casos, a criança não entenderá facilmente as explicações dadas, devido à ansiedade contida no ato da pergunta. Desta forma, o fato de a criança perguntar diversas vezes a mesma coisa não significa que tem dificuldade de aprendizagem, mas ela vai precisar repeti-las até que algo faça sentido no campo das emoções.

Sendo assim, aqueles que acompanham as crianças precisam ter paciência e não desestimular este processo para que elas não se paralisem. Muitas vezes, as respostas parecem claras, e realmente são, do ponto de vista intelectual (isso, certamente, para o adulto que está respondendo), mas há algo por trás daquela pergunta que ainda não foi compreendido e por isso elas insistirão até que possam sentir-se seguras.

O fato de insistirem nas perguntas e continuarem o processo de investigação é extremamente saudável, já que a falta de pergunta aponta para a inibição do pensamento.

Por exemplo, uma criança que pergunta se o passarinho que passou voando um dia vai voltar… Independentemente de o pai responder sim ou não, o que ela pode estar perguntando é se os pais ao sair sempre retornarão. Portanto, um sim ou um não será ainda muito pouco para que possa elaborar a angústia ou medo que sente com a ausência dos pais.

É claro que não cabe aos adultos envolvidos na educação de crianças buscarem o que há por trás das perguntas feitas, mas é importante saber que precisam acompanhar as crianças neste processo de elaboração das suas dúvidas, dos seus medos e das fantasias nelas inseridas.

Por outro lado, os adultos devem perceber quando o ato de perguntar tem como objetivo a manipulação e o jogo de poder. É comum assistir a crianças que fazem perguntas para interromper conversas entre adultos (principalmente entre os pais), quando não estão incluídas na conversa ou quando não estão sendo o centro das atenções. Muitas crianças usam do poder de sedução para desviar a atenção de um dos pais, por exemplo, falando sobre algo que eles gostariam de escutar: “pai, comi tudinho, não é?”, “mamãe, posso te dar um beijinho?”. Certamente não há nada de inocente nestas intervenções.

Os pais precisam estar atentos, pois quando cedem aos encantamentos contidos nas perguntas estarão ensinando que a criança pode usar a sedução como instrumento de manipulação.

Uma outra questão importante de ser compreendida é a dificuldade de muitos adultos em responder às crianças. Muitas vezes as perguntas incomodam tanto que se tornam insuportáveis. Não se pode esquecer que as respostas ou não-respostas que as crianças receberão virão com uma carga de emoção que pode afetar o seu processo pessoal.

Deste modo, as perguntas precisam ser respondidas com certa tranqüilidade, com clareza e com responsabilidade. Não se deve responder de qualquer forma para fugir da interrogação ou se ver livre da criança questionadora. Se não tiver condições emocionais ou se não souber muito bem como esclarecer a questão, o melhor a ser feito é pedir à criança que aguarde até que de fato tenha condições.

Não se está o tempo todo pronto a responder a todas as perguntas. Algumas delas mexem com dificuldades do próprio adulto. Muitas vezes por questões pessoais, pais e professores não se sentem confortáveis para responder a certos temas, como os referentes à sexualidade, por exemplo. Portanto, antes de falar sobre o assunto, é preciso se livrar dos tabus e dos medos pessoais que ele lhes incita.

Até onde se deve responder aos questionamentos infantis? Esta é uma dúvida muito freqüente, mas como cada criança é uma criança, com experiências diferentes, não há uma resposta padrão para cada idade ou fase.

É preciso agir com muito tato e ter a percepção do que a criança já tem de conhecimento e o que ela quer saber sobre o tema. É bom sempre lembrar da diferença que há entre a pergunta por interesse e a pergunta por curiosidade, já descrita neste artigo.

Assim, os adultos estarão cuidando para nem deixar de responder, nem antecipar respostas. Deve-se permitir que, seja por interesse ou por curiosidade, a criança continue o seu processo de investigação: se satisfeita com a resposta ela irá parar de perguntar; se ainda quiser aprofundar, continuará com a pesquisa.

Mas não subestime a capacidade dos pequenos, pois eles são capazes de perceber, assim como um cientista nas suas investigações, o que na resposta aparece como incoerente às suas associações. Se perceberem que algo não está bem, certamente buscarão “novos campos de pesquisa”, e lá, novos “candidatos” a lhes dar respostas.

Mônica Donetto Guedes é psicanalista, psicopedagoga e pedagoga do Apprendere Espaço Psicopedagógico.