Um estudo norte-americano sugere que a ingestão de ácido fólico em excesso por mulheres grávidas ou que querem engravidar pode duplicar as chances de o bebê nascer com autismo, transtorno de desenvolvimento que compromete a interação social e a comunicação da criança, entre outros reflexos decorrentes do distúrbio neurológico.
A pesquisa é da escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, de Baltimore (EUA), e ainda não foi publicada oficialmente. Apesar disso, a instituição divulgou em seu site um texto com o título “Muito folato em grávidas aumenta o risco de autismo”, que gerou enorme repercussão na mídia nacional e internacional e também entre a comunidade médica.
O ácido fólico, de maneira geral, é amplamente indicado às mulheres que estão prestes a engravidar ou já estão grávidas justamente para ajudar na formação do feto. Por conta disso, a comunidade científica pediu cautela em relação aos resultados do estudo.
O Bolsa de Mulher também pediu opinião do obstetra Domingos Mantelli, que explicou a importância do consumo de ácido fólico neste período e garantiu que, em quantidades recomendadas por um profissional de saúde, não há riscos de comprometer a saúde do bebê e da mulher. Entenda melhor os achados do estudo a seguir e a polêmica que se deu em torno dele.
Consumo de ácido fólico antes de engravidar e na gestação
O que diz o estudo?
A pesquisa da escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg indica que se uma mãe tem nível alto de folato (presente naturalmente em frutas e legumes) em seu organismo no pós-parto, o risco de a criança desenvolver autismo seria duas vezes maior.
A vitamina B12 em concentração elevada também seria “potencialmente perigosa”, de acordo com o estudo, e triplicaria o risco de a criança desenvolver autismo.
Essa chance aumentaria exponencialmente se houvesse as duas substâncias em excesso. “Se ambos os níveis forem elevados, o risco de a criança desenvolver o distúrbio aumenta 17,6 vezes”, afirmam os pesquisadores no material divulgado.
Para chegar a esses resultados, foram analisadas 1.391 mulheres, atendidas no Boston Birth Cohort e que tiveram filhos nascidos de 1998 a 2013.
Por que o risco aumentaria?
Os cientistas encontraram que uma em cada 10 mulheres apresentavam concentração quatro vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde de ácido fólico no sangue. Elas teriam ingerido suplementos e alimentos em grande quantidade com essa substância durante os primeiros três meses de gestação.
A ingestão de ácido fólico é recomendada a mulheres que estão tentando engravidar ou estão no início da gestação justamente como um fator de proteção ao bebê. Uma das funções da substância seria, inclusive, prevenir o desenvolvimento de autismo na criança.
O que o estudo descobriu, no entanto, é que o consumo em excesso acaba produzindo um efeito contrário e dificultando a absorção de ácido fólico pelo organismo. Consequentemente, a mãe perderia grande parte deste fator de proteção.
Comunidade científica questiona estudo
O estudo polêmico foi questionado por vários cientistas e médicos, conforme reportou a agência de notícias AFP em texto publicado no site UOL.
“Com base nos seus dados, que não foram revisados por colegas, os autores estão provocando riscos”, disse Max Davie, do Royal College of Paediatrics and Child Health à agência de notícias. “(Os pesquisadores) estão sendo bastante irresponsáveis em solapar o trabalho de saúde pública que tem sido feito há décadas para aumentar o número de mulheres que tomam folato antes e durante a gravidez, a fim de prevenir doenças neurológicas potencialmente devastadoras”.
“Essa pesquisa não sugere nenhum efeito prejudicial dos suplementos de folato tomados no início da gravidez”, afirmou outro médico, Andrew Shennan, professor de obstetrícia na King’s College London. “As mulheres deveriam continuar a ingeri-los”, acrescentou.
Ácido fólico e sua atuação no desenvolvimento do feto
O ácido fólico, que é uma vitamina do complexo B, é recomendado antes e durante as primeiras semanas de gestação para evitar o fechamento precoce do tubo neural do feto e algumas doenças do sistema nervoso. Ele é uma versão sintética do folato, muito usada para enriquecer pães e cereais e em suplementos vitamínicos. A vitamina B12, chamada de metilcobalamina, também tem papel protetor da formação do bebê.
Por isso, a deficiência de ácido fólico pode causar má-formação no desenvolvimento fetal, sendo as principais anencefalia e espinha bífida.
“Temos conhecimento de que a deficiência de folato em mulheres grávidas é prejudicial para o desenvolvimento do seu filho. Mas, o que isso nos diz é que quantidades excessivas também podem causar danos. Devemos apontar para níveis ideais deste importante nutriente”, declarou um dos autores, M. Daniele Failin, diretor do Centro Klag Wendy da Escola Bloomberg de Autismo e de Desenvolvimento de Distúrbios.
Dificuldade de absorção
A pesquisa sinaliza que a deficiência do ácido fólico está associada, portanto, a um excesso de oferta ao organismo que não é absorvida propriamente. Entretanto, levanta quatro hipóteses para essa situação, ainda sem dados conclusivos.
“Pode ser pelo consumo excessivo de alimentos fontes de ácido fólico e suplementos; algumas mulheres podem ser predispostas geneticamente a absorver grandes quantidades ou ainda a metabolizar a substância mais lentamente, levando ao excesso”, escreveram os pesquisadores.
É indicado continuar tomando?
Apesar de o estudo trazer dados que relacionam a ingestão excessiva de ácido fólico à incidência de autismo nas crianças, o ginecologista e obstetra Domingos Mantelli afirma que não há motivos para se preocupar.
“Como tudo no corpo, se for em excesso ou falta, vai fazer mal. Porém, as grávidas e tentantes não precisam se desesperar. O estudo fala em quantidades excessivas. Se a gestante fizer um acompanhamento adequado de pré-natal e não se automedicar, com certeza fará uma suplementação adequada, indicada pelo seu médico”, avalia.
Dosar a quantidade de ingestão, seja na forma de folato ou de ácido fólico, é extremamente importante, destaca o especialista.
“Sabendo que a grávida já tem níveis elevados destas substâncias no organismo, o médico deve administrar a quantidade correta. De maneira geral, se a grávida não tem nenhum exame que mostra a quantidade de ácido fólico e metilcobalamina (vitamina B12) que ela tem no corpo, o ideal é que ela tome somente nos três meses que precedem a gestação e nas primeiras semanas da gravidez e depois parar”.
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