Segundo Aristóteles “o desejo é infinito por natureza e os homens passam a vida tentando saciá-lo”. É preciso pensar os desejos e, sobretudo, no destino que é dado aos que foram impossíveis de realizar. Qual o pai ou mãe que não sonhou em ver o filho realizando algo que gostaria de ter feito, mas não pôde? Não há nada de mau nisso, desde que não faça do próprio sonho o pesadelo do outro.
Não é fácil perceber, mas muitos pais passam a vida tentando dar ao filho o que ele mesmo gostaria de ter recebido e, dessa forma, acabam por sufocar e inibir o filho e junto os próprios desejos dele. Os pais tendem a projetar nos filhos seus desejos e seus ideais. Esperam que realizem sonhos antigos (da infância e adolescência) e, por isso, é muito comum que ofereçam a eles certas possibilidades, ainda que com certa dose de sacrifício como, por exemplo: viagens, cursos, presenteá-los com objetos, entre outras coisas que fazem parte dos seus próprios sonhos. Tudo isso, na maioria das vezes, de forma inconsciente.
Crianças que são forçadas a fazer algum esporte, a tocar algum instrumento, a dançar, pintar, a estudar numa determinada escola, com muita freqüência, desenvolvem algum tipo de “doença”
Não é incomum escutar de crianças e adolescentes, angustiados e deprimidos, o quanto é insuportável ter que “dar conta” de algo que não sentem como parte deles. Ainda é possível perceber uma grande culpa em não poder realizar algo que para os pais seria muito importante.
Também não é fácil para os pais, pois, talvez, a dor de perceber que não conseguem ver no seu filho o seu desejo realizado seja ainda mais forte (é uma reedição da sua própria dor). Percebe-se a intensidade dessa dor quando se escuta dos pais dessas crianças e adolescentes o pesar que acompanha a sua fala: “Faço tudo por ele, dou tudo o que posso e ele não reconhece”. O que está implícito nas queixas trazidas por eles é um vazio que o remete ao seu próprio fracasso e, assim, é invadido por um grande sentimento de frustração.
Nesse sentido, penso que seria importante sempre questionar-se quando na utilização de determinadas expressões, tais como: “Quero o melhor para os meus filhos”, “Pelos meus filhos eu faço tudo”, “Dou a eles tudo o que não pude ter”. Será que, quando abrimos todas as possibilidades para os nossos filhos e insistimos em dizer que fazemos o melhor por eles, é de fato para ele que estamos querendo o melhor?
A criança sempre ocupará um lugar no desejo dos pais e é preciso que seja assim. Para se constituir como sujeito desejante, ela precisa ser desejada pelo pai e pela mãe, precisa ser inscrita num determinado lugar no desejo deles de pai e de mãe. O que é muito diferente de nascer e crescer com o objetivo de realizar o que eles não conseguiram. Pais e mães precisam cuidar para que a criança cresça destituída desta responsabilidade.
É muito difícil para a criança que é colocada neste lugar de atender a demanda dos pais escapar dele. Nos anos que se seguem à idéia de ter que “dar conta” dessas demandas, ou ainda a forma encontrada para escapar delas não será uma tarefa fácil.
Os filhos idealizados podem buscar saídas das mais diversas possíveis para suportar ou romper com as demandas de sua família. Alguns aceitam de prontidão e colocam-se a realizar o que foi idealizado para eles; outros até tentam, mas em alguns momentos acabam deixando escapar os seus próprios desejos e aspirações, e passam a transformar a história que havia sido escrita para eles, o que normalmente acontece com uma carga de sofrimento e dor psíquica.
Em alguns casos, é preciso adoecer como possibilidade de desvincular-se desse ideal que é do outro (no caso da mãe ou do pai). Crianças que são forçadas a fazer algum esporte, a tocar algum instrumento, a dançar, pintar, a estudar numa determinada escola, com muita freqüência, desenvolvem algum tipo de “doença”, que possa expressar o quanto é sufocante para elas ocupar um lugar que não reconhecem como delas. Nesse caso, a doença é apenas expressa para marcar algo que não pode ser falado de outra forma. Falo aqui de um corpo que dói para falar de outras dores.
Como exemplo poderia pensar a hiperatividade e a desatenção como movimentos reativos que podem representar na criança algo como se negar a saber a verdade sobre o outro (sobre os pais), e a bulimia que, entre outras possibilidades, pode ser a representação de forma reativa, de colocar pra fora algo que não reconhece como dela.
Nem sempre é fácil diagnosticar, pois, na maioria das vezes, o que acontece é que se encontra resposta para a doença em si e tenta-se aplacá-la. No entanto, “acaba-se” com uma doença que é o sintoma de outra – neste caso de caráter emocional.
Pais e médicos mais atentos podem escutar com mais cuidado o sentido maior destas doenças, principalmente, quando são reincidentes. Crianças que podem sinalizar, ainda que por um movimento como este, são mais saudáveis do que aquelas que se calam e passam a vida tendo como missão atender os desejos dos pais. Estas crianças que adoecem o corpo estão à procura da cura para a alma. Isto é, tentam, a partir das suas dores, desviarem o caminho em busca dos próprios desejos.
Mônica Donetto Guedes é psicanalista do Espaço Apprendere