Cresci ouvindo dizer que os homens traem muito mais do que as mulheres e isso parece ser um consenso geral. Sempre fiquei intrigada com essa quase “competição” que, a meu ver, não há vencedores. Também sempre me pareceu muito claro a permissividade, e até estímulo à traição masculina, assim como a grande repressão à traição feminina. Logo, avaliarmos quem trai mais, além de totalmente inútil é, por todas essas condições, impossível de ser feita.
É inegável que a mulher traída geralmente é vista como vítima de algum safado mulherengo. Digna da solidariedade das pessoas, não se vê necessariamente atingida em quesitos pessoais como respeitabilidade social. Historicamente, houve momentos (e creio que em muitos lugares e cabeças ainda há) em que ser traída é esperado e considerado absolutamente normal. Isso vem do tempo em que sexo com esposas teria que ser “respeitoso” e, portanto, cheio de restrições. Se esse era o comportamento respeitoso, logo o sexo sem restrições com outras mulheres não oferecia nenhuma ameaça.
É preciso muita maturidade para ultrapassar essa sensação de monotonia dentro da própria relação
Independentemente do gênero, a traição provoca dor em homens e mulheres, mas não tenho dúvida de que para eles é mais devastador. Além da “dor de amor”, o homem traído é visto, principalmente pelos outros homens, de uma forma muito humilhante, como se ficasse destituído de sua virilidade, masculinidade e respeitabilidade. O “corno” é motivo de chacota e ridicularização. Fica muito mais difícil se recuperar e superar o evento com tanta pressão cultural acumulada ao longo do tempo. A mentalidade coletiva está mudando, é fato, mas isso acontece de forma muito lenta e diluída.
A mulher quando trai normalmente não divide a experiência com ninguém e costuma ser bastante cuidadosa com as possibilidades de ser descoberta. Quando isso acontece, as conseqüências são sempre graves e dificulta muito o processo de resolução da questão. Muitas vezes fica implícito que ela nada merece e que perdeu toda e qualquer razão que pudesse ter para justificar o envolvimento com outra pessoa.
Muito além do prazer
A traição feminina clássica é aquela que se caracteriza por um encantamento, apaixonamento da mulher por outra pessoa ou, pelo menos, pela situação de estar se sentindo valorizada e desejada por alguém. Geralmente, é um comportamento que vem acompanhado de muitos conflitos porque o envolvimento afetivo gera fantasias românticas e, por conseqüência, leva ao sofrimento. Mesmo quando não querem de forma alguma a separação, tendem a ter uma expectativa de reciprocidade amorosa.
Essas mulheres reclamam da falta de atenção de seus maridos/companheiros. Sentem falta de comportamentos românticos e de se sentirem surpreendidas como nos velhos tempos. Reclamam que até sexualmente se sentem pouco compreendidas e contempladas. A vida virou familiar demais e acabam se sentindo carentes da sedução masculina. É preciso muita maturidade para ultrapassar essa sensação de monotonia dentro da própria relação. A mulher costuma se sentir muito culpada, temerosa das conseqüências e acaba ficando muito aflita e ansiosa.
Traição por vaidade
Nos últimos tempos, tenho visto de forma assustadoramente crescente a traição motivada por grau altíssimo de vaidade e dificuldade com o envelhecimento. Em época de tanto culto à jovialidade e da associação dessa característica com sensualidade, algumas mulheres têm muita dificuldade em aceitar as transformações físicas pelas quais estão passando e se tornam vigilantes e atuantes implacáveis das medidas antienvelhecimento. Malham muito, gastam grande parte de seu tempo fazendo tratamentos de beleza e, quando desejadas por homens mais jovens, vêem nisso a confirmação da perpetuação de sua juventude. Essas traições pouco envolvem o romantismo citado anteriormente. Parecem ser um movimento muito individual, um grande restaurador para o ego, quase um antídoto para a baixa auto-estima.
Ouço, com espantosa freqüência, mulheres que reclamam de tédio em suas vidas amorosas. Sentem-se com muito pouco espaço e intimidade para falar de sentimentos com seus maridos e suficientemente fragilizadas para a iniciativa de efetuar mudanças práticas em suas vidas. Muitas vezes essas modificações sequer dizem respeito ao casamento, mas sim a outros segmentos de suas vidas.
Analise
A verdade é que relações longas requerem cuidados e investimento incessante por parte de todos os envolvidos. A traição pode trazer sopros momentâneos de motivação e sensação de se estar vivo e feliz. Mas, quando não se que quer desfazer o casamento, é melhor partir para formas mais eficazes e seguras de enfrentar o problema.
Quando não existe mais amor e desejo, aquele casamento já não faz mais sentido e está sendo mantido quase que exclusivamente pelo medo de rompê-lo. É melhor criar consciência, preparo e coragem para viver o fim e, dessa forma, ficar livre para caminhar em direção a momentos mais felizes e verdadeiros. Às vezes, por medo de ficarmos sozinhos, nós nos mantemos indefinidamente vivendo a famosa e terrível solidão a dois.
Todos merecem outra chance. Sentir-se plena e feliz vale sempre muito a pena. Algumas vezes a nova chance está na reestruturação da própria relação e, outras vezes, no final das mesmas.
Até a próxima!
Eda Fagundes é psicóloga clínica com longa experiência nos tratamentos de casal, família e transtornos da sexualidade.