Dois bebês

Se a chegada de um bebê já dá trabalho, imagine se houver em casa outro filho que mal largou as fraldas e disputa as atenções com o novo membro da família. Criar irmãos com pouca diferença de idade pode ser tão ou mais difícil do que ter gêmeos. Além de serem praticamente dois bebês, as rotinas são bem diferentes e será preciso lidar com o inevitável ciúme do mais velho, que pode ser explícito ou motivar acessos repentinos de manha, raiva, agressividade e até regressão. Para as mães conseguirem se dividir nos cuidados e multiplicar o amor, fazendo com que o primogênito se sinta seguro, são recomendáveis boas doses de organização, paciência, carinho e firmeza – e uma ajudinha sempre valiosa de pais, vovós e babás.

Para a paz reinar, será fundamental muita organização. “Deve-se estabelecer as rotinas dos dois para se organizar melhor e alternar as funções. Se um dia a mãe deu o banho e a papinha para o bebê, amanhã deve fazer o contrário”, sugere a psicopedagoga Lucíola Agostini, do Apprendere Espaço Psicopedagógico, lembrando a importância de se incluir o filho mais velho na rotina do menor, fazendo com que ele se sinta útil com pequenas ajudas, como pegar uma toalha ou uma fralda. Ela alerta, no entanto, que o discurso de que o outro é o irmãozinho não pode se tornar repetitivo e enfadonho. “É preciso mostrar que o bebê veio para somar afeto, não para dividir, e que a criança terá sempre seu espaço”, completa Lucíola.

Por terem um bebê, que requer muitos cuidados, os pais acabam esquecendo que aquela criança é mais velha, mas ainda é bem pequena

A dentista Flávia Paranhos, mãe de Thomás, que completou três anos, e de Natan, três meses, abusa de jogo-de-cintura e carinho para administrar o ciúme do mais velho desde o nascimento do caçula. “Os dois primeiros meses foram os mais difíceis, pois foi quando o Thomás demonstrou mais ciúme. Ele sempre foi carinhoso com o irmão, mas passou a ficar manhoso e a fazer muita má-criação para chamar minha atenção”, afirma Flávia, que adotou uma estratégia: “Ao invés de primeiro brigar, deixava o Natan com alguém e tentava ficar com o Thomás, sentar para brincar, até ele se acalmar”. Com horário de trabalho flexível, ela conduz o dia-a-dia dos filhos com ajuda de uma empregada, encarregando-se pessoalmente do bebê e assumindo os cuidados com o outro nos fins-de-semana. Embora esteja retomando a rotina com o mais velho, inclusive de passeios, não se dedicar a ele como antes a abala: “Dá uma culpa tremenda”.

Carolina Carmo, mãe de uma menina de dois anos e um menino de dois meses, com diferença de um ano e dez meses nas idades, optou por se dedicar mais à filha, reservando para o bebê os momentos em que o amamenta e o põe para arrotar. Sua decisão foi tomada depois que a babá da criança foi embora, um mês antes de o bebê nascer. “Não quis colocar outra pessoa para cuidar dela, achei que iria estranhar. Contratei uma babá que cuida de recém-nascidos há trinta anos e tenho dado mais atenção a ela, que precisa mais de mim nesse momento”, conta. Mesmo assim, ela tem enfrentado probleminhas com a filha, como ataques “que parecem novelas” na hora de tomar banho ou de vestir a roupa. “Procuro mostrar que ela não vai conseguir nada daquele jeito, mas tem horas que tenho que brigar mesmo”, afirma.

Contra as manhas descabidas, a psicopedagoga Lucíola Agostini aconselha as mães: “Um não deve ser sempre um não, porque se você ceder o ‘piti’ só vai aumentar. Não adianta, num dia em que estiver mais descansada, a mãe dizer não, e depois, quando estiver cansada, acabar cedendo”, exemplifica. Lucíola lembra que os pais devem ser firmes também para coibir qualquer agressão física ao irmãozinho, no exato momento em que ela ocorrer. Em relação à introdução de novos hábitos que estimulem a independência da criança, como o desfralde, a ida para a creche e o abandono do berço, da chupeta e da mamadeira, vale o instinto materno. “As mudanças podem ser feitas na hora certa. Dependerá muito da mãe perceber como o seu filho vai reagir. Se precisar, elas devem ser antecipadas ou adiadas”, opina a psicopedagoga.

Quando seu filho mais novo, Miguel, estava com apenas um mês de vida, três meses atrás, a jornalista Roberta Chies desfraldou o primogênito Eduardo, então com dois anos e sete meses. “Quando o Dudu fez dois anos, ele entrou para a creche, e, como a sua adaptação foi difícil, achei que não era a época certa. Acabei protelando e fui até criticada, mas no fundo foi melhor, pois consegui tirar a fralda de um dia para o outro e ele nunca mais fez xixi na calça”, depõe. Roberta conta que o ciúme de Dudu é brando, presente apenas em manhas ou pedidos de colo, que ela dá sempre que possível. Ainda assim, o cansaço pesou ao amamentar o menor: “Quase não tive leite dessa vez e precisei complementar com leite artificial. Com certeza o estresse contribuiu para isso, pois não tive esse problema com o Eduardo”.

Estresse é algo inevitável quando se tem filhos bem pequenos. Que o diga a dentista Flávia Paranhos. “Já houve vezes, de madrugada, que eu fiquei com o Natan pendurado no peito, mamando, sentada na cama do Thomaz, para fazer ele dormir de novo”, lembra, ressaltando que o mais velho é acordado pelo choro do bebê, o que só não ocorre mais por este dormir no quarto dos pais. Durante a amamentação, segundo a dentista, é quando o seu primogênito tem mais ciúme, chegando a pedir para mamar. Esse é um típico momento de regressão – assim como voltar a engatinhar, usar chupeta e fazer xixi na calça – que exige muita conversa, como salienta a psicanalista Mônica Donetto, do Apprendere Espaço Psicopedagógico:

“É preciso valorizar os ganhos que essa criança teve por já não ser mais um bebê, por ter passado por essa etapa, passando no discurso que, caminhando, ela é tão amada quanto o bebê que engatinha”, afirma Mônica Donetto, lembrando, por outro lado, que não se deve precipitar um processo de autonomia do mais velho para facilitar o trabalho doméstico. Se, por exemplo, a criança nunca comeu nem tomou banho sozinha, não deverá ser pressionada para fazer isso. “Por terem um bebê, que requer muitos cuidados, os pais acabam esquecendo que aquela criança é mais velha, mas ainda é bem pequena”, ressalta. Por essa ótica, ela acrescenta que não se deve negar colo, que simboliza aconchego e segurança.

Segundo a psicanalista do Apprendere, os pais devem procurar auxílio se, apesar dos esforços e do tempo, as alterações de comportamento do primogênito piorarem: “O problema não pode virar uma bola de neve. Tem um ciúme que é natural que aconteça, mas isso pode se transformar em algo doentio. Então, desde que a criança esteja introduzida na linguagem, é importante haver um acompanhamento psicológico”, afirma Mônica, explicando que os pais podem ser chamados a participar. Ela reforça que, a longo prazo, a chegada de um irmão só tem a beneficiar na formação emocional do mais velho: “Essa criança poderá sofrer no início. Mas, se os pais ficarem atentos a ela, saberá lidar melhor com as suas frustrações no futuro e se tornar um adulto mais bem resolvido”, finaliza Mônica Donetto.