A violência está nos jornais, na TV e até nas esquinas. Não dá para negar. E se, para nós, é difícil conviver com tanta agressividade, para as crianças é ainda mais complicado. No meio do fogo cerrado, surgem as dúvidas. Será que entregar uma arma de brinquedo na mão de uma criança pode ser um incentivo à violência? Será que esses brinquedos são realmente prejudiciais para a formação social deles? Proibir a venda de armas de brinquedo diminui atitudes violentas nas crianças? Essas questões, ainda contraditórias, são apenas mais uma preocupação, entre muitas outras, de pais, educadores, psicólogos e sociólogos.
Para a doutora em sociologia Irene Rizzini, vice-presidente da Childwatch International Research Network, a questão do uso de brinquedos agressivos e a exposição da criança a filmes violentos é um debate muito sério. “A arma de brinquedo, por si só, não estimula um comportamento agressivo numa criança. É preciso um conjunto de fatores. Se a criança tiver elos fortes com adultos que realmente se importam com ela, os brinquedos agressivos não provocarão atitudes predominantemente violentas dela perante a vida”, afirma ela, acrescentando que o diálogo é fundamental. “Uma criança precisa também de adultos que conversem sobre a violência a que ela está exposta”, diz Irene.
Pais ou adultos próximos, na opinião da socióloga, são modelos importantes na formação de um ser humano. Os adultos que constantemente incentivam a criança a brincar com brinquedos de conotação agressiva, como revólver e espada, podem estar passando uma mensagem de que a violência é algo aprovado por eles, adultos. “A agressividade, nesse caso, pode não estar na brincadeira em si, mas na forma como a criança é incentivada pelas pessoas à sua volta”, justifica.
Na opinião da professora da faculdade de pedagogia da USP Tizuko Morchida Kishimoto, não é a eliminação das armas de brinquedo que vai acabar com a violência. “A violência não está na arma em si. Quer os pais comprem ou não, ela vai continuar existindo. Se a criança quiser brincar de guerra, nem precisa da arma de plástico. Não é porque o menino brinca com arma ou aponta o dedo que ele vai virar bandido”, comenta. O engenheiro Gustavo Puppi, que sempre se preocupou em não incitar a violência dentro de casa, levou um sustou quando seu filho, de apenas três anos, apontou um graveto como se fosse uma arma. “O André disse que ia me matar e eu me assustei. Na mesma hora ele disse que era de mentirinha, mas como eu nunca havia dado nenhum brinquedo desse tipo para ele, fiquei surpreso”, conta.
O jornalista Ricardo Ribeiro, pai de João, 11 anos, e Rafael, quatro, tem uma visão diferente. “Já dei caminhãozinho de guerra para os meninos e não vejo nada de errado. Eu tive quando era pequeno e nunca matei ninguém”, conta. Ricardo, inclusive, acha normal exercitar a agressividade, sentimento que todo mundo tem. “As crianças sabem diferenciar, elas sabem que são brinquedos”, justifica. Tizuko Morchida Kishimoto, em sua larga experiência como professora e coordenadora do Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos da USP, acha que a brincadeira é sempre uma simulação, uma representação do mundo real, e que a criança sabe distinguir a realidade da fantasia. Para ela, os pequenos aprendem a desafiar e a se confrontar quando brincam. E esse confronto na brincadeira é vital para seu desenvolvimento, já que é uma forma de ajustar o emocional. “As crianças que brincam adquirem uma resistência contra a própria violência do ambiente, na medida em que ficam mais equilibradas. Algumas brincadeiras, que parecem violentas para o adulto, são atraentes para as crianças, principalmente as do sexo masculino, porque são um desafio e exigem maior movimentação”, explica.
Mas o que fazer para conter os espoletinhas, cheios de energia, que vivem inquietos dentro de casa? Para a psicóloga Mara Cardeal, membro do conselho consultivo da Fundação ABRINQ pelos direitos da criança e do adolescente, o esporte é uma ótima opção e funciona justamente como um canalizador para essa necessidade de atividade física e motora. “Os jogos em equipe são fundamentais ensinam as regras sociais, o limite e a liberdade”, sugere. Segundo Mara, essa necessidade de atividade se transforma em agressividade quando ela não é canalizada adequadamente. “Eu acho que o fato dos pais comprarem e incentivarem essas brincadeiras banaliza a arma, transformando-a em algo permitido. As crianças também correm o risco de ver a arma fazendo parte da cultura da vida e não como algo destrutível”, diz.
Melhor do que comprar um brinquedo violento ou não, é sentar no chão ao lado de seu filho e brincar como criança. Além de ser divertido, é o melhor incentivo para o equilíbrio emocional que uma criança pode ter.
Os fabricantes
A norma brasileira de fabricação de brinquedos, criada em 1992, proíbe a industrialização e a comercialização de brinquedos que se pareçam com armas de verdade. “As armas de brinquedos devem ser bem coloridas e emitir sons diferentes como, por exemplo, um que se pareça com barulho espacial”, explica Rafael Marko, assessor de imprensa da ABRINQ, Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos. “Os brinquedos que se parecem com armas de verdade, muito usado em assaltos, entram pelo contrabando, geralmente associados ao tráfico de drogas”, lamenta.
A ABRINQ entende que a utilização desses brinquedos para a expressão da agressividade, principalmente dos meninos em uma determinada faixa etária, pode ter uma função pedagógica desde que isso seja feito dentro de regras bem definidas e com uma atenção especial dos adultos. Esse tipo de brincadeira pode ajudar a criança que expressa a sua agressividade de forma lúdica a canalizar os seus sentimentos e perceber os seus limites. Segundo o assessor de imprensa, há muitos anos que os fabricantes foram deixando, voluntariamente, de produzir qualquer tipo de arma de brinquedo.
A Estrela se posiciona dessa forma desde a década de 80. “Segundo estudos pedagógicos, a arma até os anos 80 era uma forma positiva da criança liberar a agressividade. As crianças eram mais ingênuas e as armas reproduziam os filmes de faroeste e bang-bang. Depois da década de 80, a população começou a se concentrar nos grandes centros urbanos. Começamos a nos confrontar com a violência muito próxima de nós. Como a empresa tem um papel social importante, resolveu abolir todo e qualquer produto que tivesse ligação com a arma”, explica Aires José Leal Fernandes, diretor de marketing da Estrela.
Agradecimentos:
Tizuko Morchida Kishimoto
Professora titular da Faculdade de Educação da USP, docente da pós-graduação e especialização em Educação Pré-escolar, coordenadora do Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos.
Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos – LABRIMP
Telefone: (11) 3818-3351
http://www.fe.usp.br/laboratorios/labrimp/
Irene Rizzini
Graduada em Psicologia, mestre em Serviço Social e doutora em Sociologia. Vice-presidente da Childwatch International Research Network, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Santa Úrsula e coordenadora e pesquisadora da CESPI/USU.
Mara Cardeal
Psicóloga e membro do conselho consultivo da Fundação ABRINQ pelos direitos da criança e do adolescente
Aires José Leal Fernandes
Diretor de Marketing dos Brinquedos Estrela
Rafael Marko
ABRINQ – Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos