Controle remoto em punho, play no vídeo. Surge uma loira, que mais parece ter um talharim escorrido no lugar dos cabelos, com um farto e devorador par de silicones, fazendo biquinho com seu batom rosa. Do outro lado da cena, um sujeito trajando coletinho desfiado, com um sex appeal entre o lenhador e o cantor de pagode, grita, do meio de um amontoado de músculos: “yeah!”. O que pode parecer um espetáculo surrealista é, na verdade, um filme pornô, aquela coisa incompreensivelmente ridícula que se costuma encontrar nas gavetas dos homens encruados e cheios de espinha. Bom, na cabeça de muitas mulheres, era assim até bem pouco tempo. Mais especificamente até que elas vencessem o preconceito e atendessem à curiosidade de subir aquela misteriosa escada para o segundo andar da locadora, sem se inibir com a placa: “erótico”.
É bem verdade, entretanto, que esse caminho, às vezes, esconde figuras não propriamente excitantes. Foi um desses encontros que traumatizaram a produtora cultural Paula Ferreira. “Uma vez, estava em casa num domingo com meu namorado e, pra aplacar o tédio, a gente resolveu alugar um filme pornô. Quando chegamos na locadora, fiquei morta de vergonha e mandei ele pegar o filme enquanto eu fingia que olhava outra seção. Chegamos em casa, botamos a fita pra passar e aí, aparece uma loira de plástico e um cara de rabo de cavalo e calça ‘santropeito’. Quando a mulher começou a abrir o zíper dele e fechou um close, eu percebi que o cara, além de tudo, tinha um pager na cintura! Eu não podia compactuar com aquilo. Achei tudo muito ridículo e parei a fita. Se era pra rir, preferia ter pegado uma comédia. Pelo menos seria mais honesto”, lembra ela.
Mas o que mais torna o filme pornô algo tão interessante para a maior parte das mulheres quanto uma assinatura de “Quatro Rodas” é a falta de criatividade que costuma marcar esse tipo de obra cinematográfica. “O que mais me incomoda nos filmes pornôs é que é sempre a mesma coisa. Sempre uma loira com um peito extraterreno, sem um pêlo no corpo, fazendo aquelas caras de tesão que não convencem nem um garoto de 13 anos, pra, no final, chegar um cara e gozar na cara dela”, comenta a publicitária Cláudia Sá.
A advogada Lilian Passareli, entretanto, sai em defesa desse tipo de pornografia. Para ela, como são os homens os consumidores em potencial dos filmes, é claro que, pelo menos entre os fotogramas, tudo deve ser feito para agradá-los. Mas Lilian garante que, procurando com carinho entre as prateleiras, pode-se encontrar coisas bem mais interessantes do que bundões, peitões e sósias da Pamela Anderson. “O segredo para ver um filme pornô legal é olhar as capas direitinho. Eu tinha o maior preconceito antigamente, mas comecei a ficar curiosa e hoje em dia assisto direto”, garante. Tudo começou, segundo ela, com uma simples mas não muito inocente troca de figurinhas. “Uma amiga me indicou um filme e me surpreendi, gostei. Porque não era aquela coisa que começa e já vem um cara pra transar com a mulher. Rolava uma história, os personagens eram mais bem definidos. Você fica com tesão não só por ver aquela coisa entrando e saindo, é porque tem um contexto”, diz ela. A psicóloga e psicodramatista Ângela Kerber explica que essa simples preferência traduz as diferentes formas com que homens e mulheres vêem o sexo e, consequentemente, os filmes de sacanagem. “Os homens são objetivos em tudo, inclusive no sexo. Para eles, não há problema em ir direto ao ato em si. Já para a maioria das mulheres, a sedução é muito importante porque é a arma que elas têm para atrair o homem. É isso que as faz sentir bem, que contextualiza o sexo”, acredita ela.
Outra imagem que costuma assolar o imaginário feminino quando se fala em filmes de sexo explícito são as famosas cenas pretensiosamente de lesbianismo, que costumam inundar a imaginação dos rapazes com fantasias e a tela, com doses dobradas de silicone. “É surreal isso porque os filmes com mulheres não são feitos para lésbicas. Quem gosta são os homens”, reclama Claudia Sá. Mas uma curiosa inversão, bem parecida com essa, também está acontecendo nesse novo comportamento cinematográfico feminino. “Quando comecei a alugar filme pornô, decidi levar um com temática gay. Agora, só assisto a esses. Adoro ver os caras se pegando. Ainda mais porque a maioria dos atores é bonita, eles fazem carinho um no outro. Acabei, com isso, descobrindo que eu tenho tesão em ver dois caras se beijando”, revela a empresária Viviane Telles. A Dra Ângela Kerber acha essa preferência particularmente interessante. “Eu acredito que seja uma fantasia como qualquer outra, é pela curiosidade de saber como é. Mas o que chama a atenção é que essa é claramente uma postura de se manter fora, porque os filmes gays não mexem com o lado feminino. Neles, existe uma coisa entre o homem mais forte e o menos forte, que é o que pode acabar excitando a mulher”, diz.
Entretanto, a psicóloga acredita que a visão feminina do filme pornô é ainda muito preconceituosa. “Apesar de tantas mudanças, a gente continua vivendo numa sociedade muito machista. A opinião masculina ainda não consegue lidar muito bem com esse tipo de liberdade e de vontade das mulheres. Alguns não conseguem sequer lidar com a erotização delas”, comenta a Dra Angela, acrescentando que, no entanto, os famosos filminhos de tarja preta podem dar uma excelente ajuda no conhecimento da própria sexualidade. “O filme pornô promove um contato com os desejos e as fantasias que é muito saudável. O importante é não escondê-los sob preconceitos e vergonhas. Mesmo usando desse tipo de artifício, explorar a sexualidade é sempre muito válido”, conclui.