Grude humano

Conhece uma criatura que em vez de pele parece ter chiclete no lugar? Não! Talvez, você não esteja ligando o revestimento à pessoa. O sujeito em questão é aquele que adere que é uma desgraça nas pessoas, não dando chance de se livrar dele nem para ir tomar um picolé na esquina. Pois bem, agora que o reconhecimento está feito, você sabe de quem se trata e, com certeza, lida com algum “espécime” do gênero. Porque esses seres adesivos têm como estratégia de ataque serem agradáveis e prestativos. Para assim que você se der conta, já ser tarde demais – ele estará devidamente grudado no seu encalço.

Cair na roubada de se aproximar de um grude humano pode acontecer com qualquer um. Afinal, ninguém traz na testa um rótulo escrito “cuidado, cola-tudo” – inclusive você. “Eu arrumei um namorado que era a minha sombra, ninguém concebia como eu conseguia viver assim. No início, eu até achava bonitinho, que ele era apaixonado, essas coisas… mas conforme ele foi evoluindo de “cola Pritt para Araldite”, não foi dando certo”, brinca a produtora de eventos Emília Campana. Diante de alguém tão grudento quanto invasivo, Emília se sentiu obrigada a tomar uma decisão: se livrar do namorado auto-colante. “Terminei de uma forma radical e apareci logo com outro. Se não fosse assim, era capaz de ele continuar no meu pé”, diz ela.

Mas não são apenas os relacionamentos que envolvem total intimidade, que surge o danado do visco. Em alguns casos, basta um pequeno contato para que o tipinho passe habitar sua sombra. “Uma vez fui dar carona para um cara da faculdade e arrumei o maior encosto. O camarada passou a me cercar o tempo todo, para na hora da saída, me abordar. Era horrível, me sentia vigiada. Eu fiz uma gentileza sem o menor compromisso, mas ele achou que virou uma obrigação”, conta a engenheira Vera Salles de Carvalho. Já outras vezes, o dito-cujo nem chegou a ficar ao lado da vítima para grudar com tamanha aderência. “Só vou falar uma profissão: telemarketing de curso de inglês. Pra mim não existe pentelho mais colante que esse. Sempre aquela velha história: a bolsa de estudo, com a qual você foi agraciada, tem tempo limitado, por isso é necessário que sua avaliação seja marcada logo, blá, blá, blá…”, decreta a advogada Lenita Abrantes.

O interesse também costuma unir as pessoas. E o interessado, sem simancol e cheio de goma, pode se tornar uma praga difícil de sumir da área. A jornalista Sabrina Bentes sabe muito bem o que isso significa. “Eu tinha uma amiga que entrou para a Amway, aquela empresa que funciona no estilo pirâmide. O problema é que ela ficou obcecada por isso, queria a todo custo arrebanhar gente para o negócio. Passou a ligar todos os dias, para eu ir a uma reunião. Eu nem queria mais atender o telefone lá de casa. Quando calhava de ser eu, sempre dava uma desculpa. Só que não adiantava, ela não se mancava. Comecei então a fugir, que nem o diabo da cruz, dela. Até hoje me dá raiva quando lembro da sua insistência louca”, lembra Sabrina.

Brincadeiras à parte, existem mesmo aquelas pessoas que sentem uma necessidade fora do comum de dividir a companhia do outro em tempo integral, nem que para isso lance mão da viscosidade sem limites. “Tenho um amigo que se você combinar alguma coisa com ele, pode esperar que ele vai te ligar umas 20 vezes até a hora do compromisso. Eu gosto dele, mas isso é chato, pegajoso. Lá pela sexta vez, já estou atendendo meio iritado, só que ele não percebe ou não quer perceber”, diz o engenheiro Carlo Henrique Nunes. A psicóloga Vera Soumar explica que esse tipo de comportamento, geralmente, expressa insegurança e carência. Funciona, mais ou menos, assim: a pessoa acha que grudando vai ter controle da situação. E quanto mais controla, mais quer controlar porque percebe que não controla nada. Cansativo ser grude, né?

Justamente por isso que essas pessoas sentem muita angústia. “Isso faz com que as pessoas se afastem dela E faz também com que da próxima vez, ela grude mais, para evitar esse afastamento. É um ciclo vicioso. O amigo, namorado, ou o que seja, deve impor limites, mostrar que isso incomoda, que existe uma individualidade que deve ser respeitada”, diz Vera. E o pior, é que o sujeito auto-colante não se dá conta de quanto é aderente. “Tem que haver esses toques, porque ele não percebe mesmo. A necessidade de aceitação é muito grande da parte dele. Normalmente ele é solícito, agradável para manter a pessoa por perto. Em alguns casos, só com terapia mesmo”, sentencia a psicóloga. Bom, se você é vítima de alguém assim, aí vai uma dica: gelo desgruda chiclete. Mas vê direitinho se ele merece isso mesmo.