Em pleno século 21, nos livramos das amarras de um casamento infeliz, dos preconceitos, dos conceitos pseudomoralistas e buscamos, acima de tudo, a felicidade. Seja com quem for e como for! No entanto, novos ventos sopram no território dos relacionamentos modernos, que cada vez são mais enquadrados na nova legislação. Portanto, não adianta berrar, espernear, pregar o amor livre e dizer que é tudo somente sexo e amizade. Hoje, se o juiz entender que houve “intenção” de união estável, há uma união estável consolidada, com todas as implicações que isso venha a ter – pensão, divisão de bens e obrigações.
Com as mudanças na lei da união estável, os casais passam a ter deveres matrimoniais, mesmo sem oficializarem a relação. O lado positivo é que fica claro que o preconceito com o casamento informal diminuiu. O lado negativo fica por conta das obrigações matrimoniais – só a palavra vai contra a idéia das alianças que passam longe dos papéis e documentos. De acordo com o código, essa estabilidade é configurada pela “convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família”. E não há mais tempo ou a necessidade de filhos para isso – não existe mais a imposição de cinco anos de convivência ou o fato de haver filhos do casal.
Compromisso compulsório
Com tantas “regras”, onde fica o amor livre? Segundo a advogada Elena Pereira Rodrigues, autora da tese de mestrado “O excesso de proteção à união estável e a lesão aos direitos fundamentais”, atualmente, deve-se ter em mente que, perante a lei, a união livre – como possibilidade de eleição na vida de um casal heterossexual – não existe mais. “No momento em que toda união informal passou à denominação de “união estável”, esta relação passou a ser regulada pelo Direito de Família. Ocorre que este ramo do direito é composto por normas de ordem pública, normas inflexíveis, ditadas pelo Estado em defesa da sociedade. Neste sistema de normas, não é admitida a união livre, porque, nesta linha de doutrina jurídica, não pode existir autonomia do casal de estabelecer suas próprias regras. Adeus, revolução sexual dos anos 60″, explica Dra. Elena, completando: “Sem dúvidas, estamos diante de um retrocesso jurídico que derruba por terra todas as conquistas acerca da liberdade sexual, com inevitável lesão ao direito fundamental”.
A artista plástica Renata Braga mora há nove anos com Táles Coelho, também artista plástico, e, na sua opinião, a lei não é correta. “Não concordo com a lei. Se a minha opção foi não realizar com um casamento oficial, era justamente pra evitar entraves. A relação é sentimento e ponto”, diz Renata, que não quis casar, porque acredita que “não tem nada a ver você assinar um contrato pra ser feliz.”
Mudanças na lei e fim do preconceito
Hoje, qualquer pessoa a partir de 18 anos pode estabelecer uma união estável, desde que seja solteira, viúva ou separada judicialmente ou de fato. “A primeira lei sobre união estável se deu com o advento da Lei nº 897,1 em 29/12/1994, que foi criada justamente porque vários casais encontravam-se morando juntos, mas não eram amparados por nenhuma norma legal. Em 10/05/1996, foi criada a Lei 9278, que, na sua época, gerou muita confusão, pois colocou fim ao prazo de cinco anos para que fosse caracteriza a união estável. Com o advento no Novo Código Civil, o legislador inseriu um título sobre as uniões estáveis, justamente porque a sociedade deixou de ser preconceituosa com esse tipo de união”, explica a advogada Danielle Mariano de Campos ( www.assistenciajuridica.com).
Dra. Elena Pereira Rodrigues concorda com o fim do preconceito: “A união estável como fato jurídico (previsto pela lei), certamente, veio como reflexo de plena aceitação social da união informal. Conseqüentemente, se pode dizer que a lei dissipou qualquer resquício de preconceito, ainda existente”, afirma ela.
A divisão de bens
Além de formalizar relações informais, a lei também veio estabelecer o regime de comunhão parcial de bens nesses relacionamentos. Isso significa que todos os bens comprados durante a união devem ser partilhados entre os companheiros. Só estão isentos da divisão os bens adquiridos por meio de herança ou de doação.
Mas, em caso de separação, como provar a existência da união estável? “Para a avaliação da união estável, podemos comprovar por provas testemunhais e documentais. Como prova testemunhal, podemos chamar qualquer pessoa que saiba como é o comportamento daquele casal, podendo dizer se eles viveram em união estável. Como provas documentais, podemos utilizar os extratos bancários, caso o casal tenha tido conta conjunta; cartão de clube ou plano de saúde, caso um dos companheiros seja o titular e o outro dependente; contas de luz, gás, telefone, água, a fim de comprovar que ambos moravam no mesmo endereço; fotografias do casal, entre outros documentos”, revela Danielle. Em caso de morte, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativo ao imóvel destinado à residência da família.
A bióloga Flavia Reis já passou pela experiência de morar junto e ter que dividir os bens na separação. “Quando separei, tudo foi dividido de maneira amigável e informal: cada um levou o que comprou ou o que tinha trazido de casa”, diz ela. “Na época, não existia essa lei. Mas, mesmo que existisse, não me valeria dela”, ela afirma.
Uma questão ambígua
Em artigo do advogado Flávio Tartuce, intitulado Novo Código Civil: Possibilidade da pessoa separada de fato constituir União Estável com outrem, uma questão, ainda não muito clara, é levantada: não se pode conceber pela ótica do texto constitucional, que um homem separado de fato, por exemplo, possa constituir união estável, uma vez que a separação judicial termina com a sociedade conjugal, mas permanece o vínculo até que a mesma seja convertida em divórcio. Ele completa: “Em muitos casos, não haverá como apontar se determinado bem foi adquirido na constância do casamento ou da suposta união estável, em situações tais. O caos estará formado, situação que deve ser repudiada pelo Direito de Família que deve trazer soluções para os casos concretos, não mais confusão!”, afirma Flávio. Esse seria, então, um dos itens a ainda serem melhor esclarecidos.
A lei no Brasil e no mundo
A proteção à família informal existe em quase todas as legislações. Na América Latina, a maioria dos países reconheceu a união estável antes mesmo do Brasil, com algumas distinções acerca da sua comprovação. “Como exceção temos a Argentina, que não reconhece ainda a união estável como fato jurídico do Direito de Família, embora reconheça os efeitos jurídicos patrimoniais. Esta questão está sendo discutida no Projeto do novo Código Civil Argentino”, revela Dra. Elena.
Na opinião da advogada Danielle Mariano de Campos, o Brasil, a cada dia, vem ampliando os seus conceitos sobre o Direito de Família. “Claro que sobre determinados assuntos ainda estamos muito atrás de outros países, tais como a criação de leis para os relacionamentos homossexuais, a regulamentação das famílias monoparentais e o fim da separação judicial. O ordenamento jurídico brasileiro em matéria de família não é o pioneiro em umas criações. Mas ele avança na medida que a nossa sociedade reivindica as alterações”, esclarece Danielle.