Como o homo sapiens se tornou a espécie dominante na Terra?

Desde os primeiros sinais da evolução de nossa espécie, há 7 milhões de anos, compartilhamos espaço e alimento com diversas espécies de primatas. O homo sapiens sapiens evoluiu de um tronco que gerou chimpanzés e gorilas, e viveu lado a lado com homos erectus, neandertais, floresienses, denisovanos e possivelmente outros ainda não catalogados. Dentre tantos gêneros de hominídeos, por que chegamos até aqui?

O início do homo

As evidências arqueológicas e genéticas indicam que houve um racha na descendência dos primatas há pelo menos 7 milhões de anos. De um lado, um tronco que resultaria nos gorilas e nos chimpanzés – estes, os animais mais semelhantes aos humanos. De outro lado, desenvolveu-se aquilo que viria a ser chamado de hominídeo; ou seja, os nossos antepassados.

Estima-se que os primeiros símios tenham surgido há aproximadamente 10 milhões de anos. Este teria sido a origem comum que torna homens e macacos primos. Embora tenhamos nos desenvolvido, do ponto de vista cognitivo, mais que os demais primatas, a ciência mostra que não estamos tão longe assim: os estudos mais recentes demonstram que a diferença de DNA entre homens e chimpanzés é de, na pior das hipóteses, apenas 5% – é menor que a diferença entre ratos e camundongos.

“Se olharmos mais para trás, todos os seres vivos vieram do mesmo tronco. De 3,6 ou 4,2 bilhões de anos atrás, nas primeiras bactérias. Vida veio desde lá e não devemos pensar que somos mais evoluídos que outras espécies”, explica Reinaldo Brito, professor do departamento de genética e evolução da Universidade Federal de São Carlos. “Evolução não é progresso, é mudança na descendência”, completa.

Neste processo evolutivo, nosso tronco primata resultou em espécies diversas, entre elas o australopithecus, que teria vivido entre 3,9 milhões até 2,5 milhões de anos, e que aparentemente é o ancestral direto do gênero homo, o nosso.

“Entre esses 7 milhões de anos e os últimos 30 mil, os registros fósseis não são lineares. A evolução não aconteceu como naquela linha evolutiva tão famosa”, afirma Walter Neves, arqueólogo e coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

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Irmãos mais velhos que ficaram pelo caminho

O mais antigo homo que conhecemos bem é o homo erectus, que viveu entre 2 milhões e pouco mais de 300 mil anos atrás. Atingia até 1,70 metro e 70 quilos, e seu volume craniano chegava a 1250 cm³, 50% maior que seus ancestrais. A tese majoritária é que a espécie nasceu na África e se espalhou pela Europa, Ásia e Oceania. Foi com eles que aprendemos a lidar com o fogo e a cozinhar alimentos.

Outras espécies de hominídeos conviveram com nosso antepassados homo sapiens. Mais que isso, houve, inclusive, cruzamento entre eles. Hoje já se sabe que cidadãos europeus têm até 4% de seu DNA provenientes do Homem de Neandertal, e que centro-asiáticos apresentam também entre 2% e 4% de seus genes oriundos de uma espécie ainda sem nome científico, mas conhecida como Homem de Denisova (ou denisovanos).

“Importante entender que outras sub espécies não acabaram apenas por dominação e guerra. O homo sapiens sobreviveu também por ter tecnologia mais avançada. É uma linhagem só, mas com outros materiais genéticos incorporados”, informa professor Reinaldo.

Homem de Neandertal

O Homem de Neandertal era tão parecido conosco que sua nomenclatura científica é também de homo sapiens – ele, sapiens neanderthalensis; nós, sapiens sapiens. A análise do DNA de seus fósseis confirmou que se assemelha ao de nossa espécie em 99,7%.

De todas outras sub espécies de hominídeos, foi a mais próxima de nós geneticamente, fenotipicamente e, também, do ponto de vista cultural. Os neandertais viveram entre 350 mil anos até 30 mil anos, aproximadamente, e tinham, em média, 1,65 metro e corpo bastante musculoso; seu crânio era levemente maior que o nosso.

Ocuparam praticamente toda Europa continental e apresentavam características bastante sofisticadas: cozinhavam alimentos, tinham ferramentas elaboradas, dominavam uso de plantas medicinais e até foram capazes de desenvolver uma linguagem rudimentar (cientistas ainda debatem se, de fato, se comunicavam por linguagem).

As causas de sua extinção não são claras, mas se dividem em duas hipóteses principais. Uma indica que mesmo antes da chegada do homo sapiens africano à Ásia e Europa, já estavam em rota de extinção, causada por uma erupção vulcânica anos antes. A outra é de que foram incorporados e destruídos pela espécie mais eficiente.

Homem de Flores

Não há certeza se o homo floresiensis conviveu com o homo sapiens. Hoje, a hipótese mais aceita é que sua extinção ocorreu há 50 mil anos, na Ilha de Flores, na Indonésia, o que significaria que não houve contato com nossa espécie, que teria chegado lá há apenas 35 mil anos. Antes, acreditava-se que teriam existido ate 13 mil anos atrás.

Suas características físicas renderam o apelido de hobbits: tinham apenas um metro de altura e cérebro minúsculo, de 380 cm³, embora apresentassem capacidade desenvolver ferramentas elaboradas. Mistura elementos encontrados em australophitecus, homo erectus e homo sapiens.

Homem de Denisova

Sua origem e seu fim ainda são misteriosos para a ciência. Não é para menos: foi apenas há sete anos, em 2010, que esta sub espécie hominídea foi descoberta – e nem tem nome científico ainda. Denisova é a caverna na Sibéria, divisa entre China e Mongólia, onde um fóssil encontrado deu origem à descoberta.

Até aqui, a melhor hipótese é de que os denisovanos tenham vivido entre um milhão e 40 mil anos, e certamente houve cruzamento genético entre eles, os neandertais e os homo sapiens. A descoberta de seu genoma foi uma bomba para os estudos da evolução humana, pois foi constatado que, entre todos hominídeos, é o que apresenta mais variações genéticas e também apresentou genes de uma nova espécie homo ainda não catalogada.

Homo sapiens pelo mundo

Cada nova descoberta arqueológica apresenta novos elementos para recompor o quebra-cabeça da história do ser humano. Até 2015, a comunidade científica era praticamente unânime ao afirmar que o homo sapiens como conhecemos surgiu na África Oriental há 190 mil anos e espalhou pelo mundo 60 mil anos atrás. Hoje, as evidências são outras.

Um fóssil recentemente encontrado no Marrocos evidencia que o homo sapiens nasceu há pelo menos 300 mil anos. E uma arcada dentária encontrada na China demonstra que a espécie esteve na região pelo menos 80 mil anos atrás.

A tese mais aceita ainda hoje é que o homo sapiens saiu da África pelo leste do Mediterrâneo, ocupando a região do Cáucaso e do Oriente Médio. De lá, teria se dispersado em três direções: uma para o oeste, na Europa; outra ao leste, para a Ásia central; e mais uma para o sudeste, sentido sudeste asiático e Oceania.

“Há 50 mil anos houve uma mudança no cérebro, um aumento de capacidade criativa em todos os setores da vida. Em 20 mil anos, só havia homo sapiens entre os hominídeos”, relata o professor Walter. “A espécie ocupou toda a Terra, mostrou ter grande adaptabilidade”, completa.

Como sobrevivemos? Da quase extinção até o domínio global

Os sete bilhões de seres humanos que vivem hoje em todo mundo têm um único grupo ancestral, dizem os estudos genéticos. Se juntarmos o material genético de toda população mundial, há menos diversidade genética que um grupo de 10 mil chimpanzés, por exemplo. E o motivo é que sofremos um enorme risco de extinção, 70 mil anos atrás.

A ciência sabe que houve um gargalo populacional no registro histórico de nossos genes. Não há certeza de quando e como isso ocorreu, mas a teoria que melhor explica é a da catástrofe resultante do supervulcão de Toba.

O lago Toba, localizado na Ilha de Sumatra, Indonésia, teria tido uma erupção de escala 8 (a maior de todas) entre 80 e 70 mil anos atrás. As cinzas cobriram parte do céu por anos e dificultavam a entrada da luz do Sol na Terra, o que diminuiu a temperatura média do planeta em 5°C – no terceiro ano após a erupção, a temperatura global foi de 15°C abaixo do padrão à época.

O episódio dizimou grande parte dos homo sapiens. Sobreviveram entre mil e 10 mil casais e o risco de extinção da espécie foi real – qualquer novo acidente natural ou epidemia teria acabado conosco. Por outro lado, pode ter tido efeito fundamental para a evolução que nossos ancestrais tiveram.

O cruzamento entre os mais resistentes e adaptáveis pode ter contribuído para o aparecimento rápido e único de capacidades cognitivas que somente os homo sapiens têm. E, quando se iniciou o movimento expansionista da espécie, cruzamento com neandertais e denisovanos somaram ao DNA elementos de capacidade adaptativa a diferentes ambientes.

Evolução, catástrofe e cruzamentos genéticos fizeram o homo sapiens sapiens chegar até aqui.

Evolução da espécie