A mitologia romana é uma das mais ricas da história da humanidade. Seus deuses, rituais e crenças ocuparam quase toda Europa e Oriente Médio durante séculos e, após o período caracterizado pela religião politeísta, a sociedade romana assumiu o cristianismo, fundou a Igreja Católica e a espalhou pelo mundo.
O método, contudo, de constituição cultural da Roma Antiga era bem singular. Militares e sacerdotes, cada um a sua maneira, operavam rituais que tinham como objetivo roubar para Roma deuses das cidades contra as quais guerreavam. Este rito ficou conhecido como evocatio, ou, em alguns casos, devotio.
O que é o evocatio?
“Trata-se da prática, antes de uma batalha, de oferecer aos deuses do inimigo um templo em Roma para que esses deuses o abandonassem e ajudassem os romanos na guerra”, conta o professor de história antiga e arqueologia Fabio Augusto Morales, da PUC-Campinas.
Dessa forma, a cultura e a religião romana se enriqueciam com mitos e rituais característicos de outras civilizações. A principal delas foi a helênica, que compreende a região que entendemos como Grécia. De lá, importaram diversos deuses, casos de Zeus (que virou Júpiter), Poseidon (que virou Netuno) e Apolo (que continuou sendo Apolo), embora nem todos os casos tenham ocorrido pela via do evocatio.
O livro “The Matter of the Gods: Religion and the Roman Empire”, escrito por Clifford Ando, afirma que em três episódios certamente o método foi empregado: em 396 a.C., quando Roma incorporou a deusa Juno (na Grécia, Hera); em 241 a.C., a deusa Minerva (na Grécia, Atena); e em 146 a.C., uma nova versão de Juno, na conquista de Cartágo pelos romanos.
Como era o ritual?
Roma tinha uma cultura e religião muito baseada em rituais, ao contrário dos gregos, que focavam suas crenças nos mitos. Essa tradição ritualística era bastante presente nas batalhas enfrentadas pelo exército: para assegurar uma guerra justa, promoviam rituais em homenagem a seus deuses e também aos deuses adversários.

Geralmente, antes de saírem para a guerra, os líderes militares e sacerdotes puxavam preces específicas para atrair a atenção dos deuses que regiam as cidades oponentes.
Oferecia-se sacrifícios como forma de convencê-los a deixarem o inimigo e receberem adoração ainda maior em Roma; assim, haveria caminho livre para dominar o território rival. Às vezes, o ritual era repetido no território em questão, para garantir a adesão dos deuses a suas preces.
Após a batalha ser vencida, a imagem do deus “convertido” era retirada e levada ao centro da república ou do império – os historiadores dizem que isso explica, em termos, a capacidade centralista de ambos sistemas romanos. Para evitar que seus deuses sofressem o mesmo destino, prendiam suas imagens com correntes e evitavam que seus nomes fossem ditos em vão, pois poderiam ser usados em preces adversárias.
Devotio: necessidade do sacrifício
No livro “History and Religion: Narrating a Religious Past”, a historiadora Gabriella Gustafsson afirma que o devotio é o ritual de sacrifício, enquanto o evocatio é o ato cultural da “adoção de deuses”.
Há três diferentes compreensões para o rito do devotio na Roma Antiga. A mais citada é o auto sacrifício do general Publius Decius Mus, que entregou a vida em troca de proteção para seu exército e povo, mais ou menos em 350 a.C. – tal prática ficou conhecida como devotio decis.

Outra forma de devotio, chamada de hostium, também envolvia sacrifício de um líder militar com a intenção de atrair a força do deus adversário ou de fazer um “acordo” para destruir os votos do juramento sagrado do oponente.
Historiadores divergem sobre a origem e até sobre a existência de fato do devotio iberica. Segundo esta tese, habitantes da região ibérica, Espanha e Portugal, tinham uma tradição moral muito rígida e assumiu pactos de lealdade em tempos de guerra – resultando em auto sacrifícios.
Todos esses elementos, como a romantização do auto sacrifício em prol de seu povo, idolatria às imagens divinas, valorização dos rituais e, sobretudo, alta tolerância para absorver crenças de povos dominados foram determinantes para a conversão, no século 4, de Roma ao cristianismo.
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