Filho de três pais: para combater síndrome, bebê tem DNA triplo. É possível no Brasil?

Você já ouviu falar na síndrome de Liegh? Trata-se de uma doença genética rara, porém letal, que afeta os músculos, os nervos e o cérebro de um bebê durante o primeiro ano de vida.

Um casal da Jordânia, porém, encontrou uma maneira de driblar a síndrome. Depois de dois de seus filhos morrerem antes de completar um ano e mais de 20 anos de tentativas para engravidar novamente, uma nova técnica permitiu que eles, finalmente, pudessem desfrutar dos prazeres da paternidade: eles pariram uma criança com três DNAs, conforme reportado pela revista científica New Scientist.

“Essa técnica é uma abertura incrível. Com ela, será possível observar o crescimento desse bebê e ajudar a bloquear o sofrimento familiar de casos como o desse casal, que já tinha perdas anteriores de filhos por causa do problema genético”, explicou ao Vix o Dr. Mauro Bibancos, médico especialista em reprodução humana do Grupo Huntington.

Técnica de fertilização

Especulada já nos anos 90, a ideia surgiu para tentar impedir o nascimento de bebês com doenças genéticas provenientes de mitocôndrias (foto abaixo) problemáticas, transmitidas ao filho pela mãe. Essas tais mitocôndrias problemáticas impedem os nutrientes de se transformarem em energia, resultando em defeitos genéticos, como a distrofia muscular e até problemas cardíacos.

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Naquela época, o procedimento tratava-se de pegar o citoplasma do óvulo com mitocôndrias saudáveis e colocar no óvulo “doente”. Ele chegou a ser proibido pela falta de mais informações e o risco de gerar outras mutações. Mas somente agora, em 2016, a comunidade científica conseguiu desenvolver um método mais evoluído.

Como funciona hoje?

Agora, ela consiste em fertilizar o óvulo da doadora e da mãe, retirando o núcleo da mãe e colocando na doadora. Retira-se também o núcleo dos dois embriões formados, conservando só o da mãe, que é introduzido na doadora, e depois recolocado na mãe. A técnica foi desenvolvida e aprovada em New Castle, Reino Unido, mas ainda não tem licença para ser realizada.

O primeiro bebê com três pais chama-se Abrahim Hasan. O procedimento realizado com ele foi um pouco diferente porque os pais são muçulmanos, da Jordânia, e, pela religião, não queriam que os embriões fossem descartados. Tiraram, então, o núcleo do óvulo da mãe antes de fertilizar, colocaram em um óvulo da doadora sem o núcleo original. Fertilizaram o resultado com o espermatozoide do pai e colocaram de volta na mãe.

Só 0,18% do DNA da doadora foi para o embrião. Então, as características de Abrahim são fruto da combinação do DNA dos “pais principais” e não sofrem influência da doadora. Mas, como nem tudo pode ser perfeito, o bebê não nasce completamente imune.

Parte das mitocôndrias, cerca de 1%, carrega a alteração, pouco para causar algum problema. Mas Abrahim precisará ser monitorado ao longo da vida, porque as mitocôndrias prejudicadas podem se multiplicar. “É um risco que o casal optou por correr. Mas, na área médica, apesar de todo estudo, é preciso saber lidar com o sucesso e o insucesso”, aponta Bibancos.

Onde fazer?

Abrahim Hasan nasceu dia 6 de abril de 2016, no México. O método foi feito pela clínica americana New Hope Fertility Center, de Nova York, fora dos Estados Unidos, já que esse tipo de alteração genética não é permitido por lá, e nem na maior parte dos países por causa de leis que proíbem a engenharia genética em células reprodutivas humanas.

O México não possui nada que regulamente a clonagem nem a reprodução assistida, que fale sobre fecundação in vitro, nem substituição mitocondrial. Diferente de outros locais, como o Brasil, por exemplo, que tem a chamada Lei da Biossegurança, de 2005, que impede esses procedimentos que envolvem o embrião.

“É uma forma de prevenção. A lei tenta normatizar e fiscalizar tudo o que envolva o organismo geneticamente modificado, por não se ter certeza do que pode acontecer”, explica Bibancos.

Mas o caso de Abrahim abre precedentes. Pode ser feito um projeto para aprovação do Comitê Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), por exemplo, “embasado, argumentado, que mostre a incapacidade que uma síndrome como essa causa parar gerar uma criança”, aponta o especialista.

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Outros casos

Os EUA chegaram a realizar a técnica antiga, da transferência de citoplasma. Cerca de 20 bebês nasceram nessa condição, entre 2001 e 2002. A técnica foi utilizada, principalmente, para ajudar mulheres estéreis a engravidarem.

Colocava-se o tecido do citoplasma de uma mulher fértil no óvulo de uma mulher estéril e depois se fecundava o óvulo com o espermatozoide do pai. Mas a prática foi proibida porque começou a apresentar outros problemas de mutação genética e não se tinham tantas garantias de segurança.

Descobertas sobre o DNA