O professor de psicologia Stanley Milgram pôs o seguinte anúncio em 1961: “Pagamos US$ 4,50 por uma hora de seu tempo”. Ele procurava 780 voluntários para uma pesquisa para a Universidade Yale (EUA), com o objetivo de descobrir até que ponto o ser humano pode extrapolar ao obedecer ordens.
Apesar de muito famoso, os métodos passaram a ser questionados: cada voluntário ficava fechado em uma sala e ouvia uma voz do ‘professor’. Na condição de ‘aprendizes’, os voluntários tinham que seguir as ordens dadas. A cada erro, uma descarga de energia era disparada contra uma pessoa que, na verdade, não existia (os gritos de dor eram gravados).
A descarga de energia aumentava a cada erro: iniciava com 15 volts (‘choque leve’) e podia chegar a até 450 volts de descarga (‘choque severo’).
Com medo das ações do ‘professor’, os voluntários seguiam as ordens. Uma das principais constatações do estudo foi perceber o quão longe o ser humano pode ir para ‘salvar a sua pele’ – mesmo que, para isso, prejudique o outro. “A pesquisa de Milgram serve como luz para as discussões sobre a escuridão do coração humano”, disse um artigo da “Pacific Standard”, de 2012.
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Método controverso
Com o passar das décadas, o estudo de Milgram passou a ser contestado. Em 2013, a psicóloga australiana Gina Perry dedicou um livro refutando os métodos do outrora tido como pioneiro. No livro “ Behind The Shock Machine: The Untold Story of The Notorious Milgram Psychology Experiment”, ela narra o desespero de Fred Puzi, pseudônimo de um dos voluntários: durante o experimento, ele havia pedido para sair da sala inúmeras vezes, mas foi ‘forçado’ a continuar os testes.
Sua preocupação com a pessoa que tomava choques por suas respostas erradas não foram ponderadas na constatação de Milgram, que dizia que 65% dos voluntários preferia obedecer em vez de recusar o fato de seguir adiante.
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Gina escreveu:
Tal qual aconteceu com Puzi, poderia ter acontecido com os demais 779 voluntários.
Coerção vs. livre escolha
A partir dos anos 2000 passou-se a ter um cuidado extremo em analisar como o ser humano reage às ordens autoritárias. Dezenas de pesquisas foram publicadas, mas a mais recente parece reforçar as constatações de Milgram.
Pesquisadores da Universidade de Bruxelas (Bélgica) e da Universidade Colégio de Londres (UCL, da Inglaterra) compararam o que acontece com o cérebro humano quando recebe ordens de fazer alguma coisa versus escolher fazer alguma coisa.
Eles separaram os indivíduos em grupos que detinham o equivalente a R$ 80. Deixaram três pessoas numa mesma sala: uma delas, considerada a ‘agente’, ficava com três chaves. Outra tinha o ‘poder’ de dar choque à ‘vítima’, que não tinha nenhum poder de decisão. Erros e acertos diante de questões e ordens específicas poderiam fazer com que as pessoas ‘ganhassem’ mais dinheiro que as outras.
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As imagens a seguir ilustram o procedimento:

Condição coercitiva (tradução livre)
*Nesta condição, você não é mais livre. Te ordeno a: Pegar o dinheiro ou não; Infringir dano ou não.

*Condição de livre escolha (tradução livre)
*Nesta condição você é totalmente livre para escolher entre infringir dor para ganhar mais dinheiro, ou não. Apenas faça o que quiser.
As voluntárias eram todas mulheres (60 no total) – uma forma de ‘contrapor’ ao estudo de Milgram, feito apenas com homens, embora os pesquisadores deem crédito à polêmica descoberta dos anos 60.
Segundo a pesquisa recente, o ‘tom’ das ordens foi determinante, porque as pessoas não preveem as consequências do acontecimento quando são ordenadas a fazer algo. Ao receber ordens, as pessoas têm menos controle de suas ações, como se estivessem agindo de forma não intencional.
“A coerção também reduz o processo neural que prevê a ação própria do indivíduo”, diz a pesquisa. “Além do mais, as pessoas que obedecem ordens tendem subjetivamente a experimentar suas ações mais próximas a movimentos passivos que ações completamente voluntárias”.
Essas constatações ampliam o debate sobre como o ser humano pode ser ‘direcionado’ a fazer o mal sem carregar o sentimento de culpa – propósito semelhante que levou Milgram a conduzir os testes há meio século, buscando ‘respostas’ sobre como milhões de alemães apoiaram o nazismo de Hitler, por exemplo.
“Nossos resultados têm implicações profundas sobre responsabilidade social e legal”, conclui o artigo, dizendo que a lei serve como parâmetro para nossas respostas neurais diante de ordens ou de livre escolha. “ A lei deve se comprometer com a capacidade humana de controlar as ações, se é para cumprir sua função de permitir aos indivíduos viver junto em sociedade”.
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