Quem são e o que pensam os ocupantes do Centro Paula Souza: “Queremos conscientizar”

Na última noite em que os estudantes de escolas técnicas e secundaristas ocuparam o Centro Paula Souza, na madrugada de quinta (5) para sexta (6), o Batanga passou algumas horas vivenciando a mesma experiência de quem estava lá, na unidade Santa Efigênia, manifestando contra a falta de comida e exigindo investigação sobre o escândalo das merendas em São Paulo. Enquanto muito se diz sobre não serem estudantes os que ocupam as Etecs no estado, fomos descobrir, afinal, quem são e o que pensam essas pessoas.

Perdeu o emprego para se manifestar

Marcelo Rocha tem 18 anos e ainda está cursando o Ensino Médio. Ele luta contra o que diz ser um “sistema público falido”. Além de muitas outras críticas, ele diz conhecer bem de perto a rotina de funcionários públicos e chama atenção para a falta de profissionalismo em muitos desses cargos. Também se incomoda com os altos salários que, segundo ele, são gastos por muitos desses funcionários em bebidas. 

“Funcionário público gosta de chapar o coco”, disse, enquanto dançava ao som de um cover ao vivo de Legião Urbana. “Os caras ganham R$ 26 mil por mês, são concursados, e enchem o caneco mesmo”.

Marcelo Rocha, à direita, passou a noite na ocupação do Centro Paula Souza

Marcelo conseguiu um estágio como Jovem Aprendiz na Defensoria Pública da cidade de Mauá, onde mora. Ficou 12 meses, até o contrato vencer, e depois disso seguiu nesse ramo. Começou a cursar a faculdade de Direito e conseguiu um emprego em um banco. Mas acabou saindo de lá.

“Tive que abandonar”, diz. Isso por conta das ocupações que aconteceram em novembro passado, quando estudantes de escolas públicas se manifestaram contra a “reforma do ensino” anunciada pelo governador Geraldo Alckmin.

Perguntado se não se sentia arrependido de ter largado um emprego estável para fazer parte do protesto, não titubeou. “Eu não”, respondeu. “O que importa é a batalha contra o governo, que não está nem aí pra educação”.

Ele acabou sendo demitido por faltar ao trabalho para participar das ocupações. Desde então, continua desempregado.

Jovens que não estudam na escola se juntam à ocupação 

Amigos não estudavam naquela unidade da Etec, mas reforçaram a manifestação

Quando chegamos à ocupação, cinco amigos estavam reunidos próximo à entrada da Etec. Eles tinham acabado de descer do andar superior, porque estavam ajudando a limpar a escola.

Assim como a maioria dos que participavam da ocupação, eles não eram estudantes daquela unidade do Paula Souza. Paulo, de 17 anos, está no Ensino Médio da Escola Estadual João XXIII, na Zona Oeste da capital paulista. Ele é o mais eloquente da turma de amigos e tem um discurso forte sobre o que espera conseguir participando desse movimento: “A gente quer conscientizar os estudantes, mostrar o que está estampado aí”.

Uma de suas maiores revoltas é contra Fernando Capez, político do PSDB que é um dos principais investigados na ” máfia da merenda” e presidente da Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), que também foi ocupada por estudantes nos últimos dias. Paulo afirma que não há como não se revoltar por Capez estar solto e ainda exercendo cargo público, além de acreditar que muitas pessoas não entendem a luta de quem está na ocupação. “O cara sai e fica tudo por isso mesmo? Aí a gente se manifesta e fica aquele ar de ‘estão brigando por causa de comida’. Não é isso. É que tudo é jogado pra gente de qualquer jeito pelo governo”.

Andrews, de 21 anos, era o mais velho dos cinco. Ele chegou a cursar Publicidade e Propaganda na Faculdade Cásper Líbero, mas trancou. Apesar de não estudar mais, quis se juntar aos que estão manifestando. Ele trabalha próximo à região central e disse que na maioria das noites passava por lá, para apoi ar os manifestantes. “Eles estão lutando por uma coisa necessária”, exclamou.Sua principal motivação, segundo ele mesmo, é a educação ser precária demais.

Tanto Andrews como Paulo ainda moram com os pais, que não sabem que eles estavam no Centro Paula Souza participando desse movimento que devem estar acompanhando pela televisão. “Se eu chego na minha mãe e falo que estou participando de uma ocupação, ela diz: ‘ah, é tudo corrupção mesmo, o que você vai fazer lá?’”, conta Paulo, que acredita que pode, sim, mudar alguma coisa se participar da ocupação. Andrews concorda que é preciso de manifestar e enxerga que sua geração tem uma visão diferente, até por isso evita debater o tema com a mãe. “Ela ainda nem sabe que estou aqui. É melhor desse jeito, porque não vai adiantar muito, vou acabar entrando numa discussão desnecessária”.

“Na minha cidade as escolas têm merenda”

Nathalia tem apenas 15 anos, mas argumenta como se tivesse o dobro da idade. Natural de Presidente Prudente, no interior do Estado, ela disse ter ficado chocada com o escândalo das merendas em São Paulo.

“Na minha cidade as escolas têm merenda. Quando cheguei aqui e vi que eles estavam dando bolacha de água e sal, achei muito decepcionante, por aqui é a capital. Querendo ou não, é uma representação do Brasil”.

Seu envolvimento na ocupação foi totalmente acidental; ela veio com alguns amigos para um congresso na Universidade de São Paulo (USP), até que descobriu que escolas técnicas haviam sido paralisadas por manifestantes. Logo decidiu ver isso de perto e se juntar ao movimento.

Ela não conhece o pai, que mora no Japão e nunca a visitou. Não mora com a mãe, porque sempre brigaram muito. Quem a criou foi a avó, que não faz ideia de que a neta participa dos movimentos. “Ela teve problema cardíaco. Ainda não falei nada, depois eu conto pra ela”.

Bem articulada, Nathalia, apesar de não votar e ser bem nova, tem uma visão categórica do futuro: “Eu ligo muito pro Brasil. É o lugar onde quero que meus filhos cresçam. Mas, em termos de política, é uma m*rda total. Tem muito político desnecessário, muito cargo desnecessário. Não é tirar um, mas tirar muitas pessoas. Por mim, tirava todo mundo”.

Aos 34, se impressiona com jovens: “São muito mais politizados”

O que faz um homem de 34 anos em uma manifestação de estudantes? Foi nosso questionamento. “Moro com três crianças. É por eles que eu luto”, essa foi a explicação de Eric, que não é pai de nenhuma das crianças com quem mora, é tio. Na ocupação ele usa uma bandana com a imagem de uma caveira para cobrir o rosto, o que assusta à primeira vista e logo remete ao visual dos  Black Blocs, grupo que utiliza a força contra a investida policial. Ele, inclusive, cita o grupo, mas não afirma e nem nega ser integrante.

Morador do bairro Artur Alvim, na Zona Leste de São Paulo, Eric ajuda os estudantes com a segurança. No portão, ele cuidava para que pessoas “que não são bem-vindas” não entrassem no Centro Paula Souza. Naquela noite, ele sabia que os policiais poderiam usar força durante a reintegração de posse. Um de seus principais objetivos por lá era “proteger os manifestantes”. Mas você conseguiria?, perguntamos. “Ah, consigo sim”.

Eric se impressiona com a articulação dos manifestantes. “Eles são muito mais politizados do que eu. Na minha época, ninguém ligava pra essas coisas”.

Ele disse que se impressiona a cada dia com os alunos. “É verdade que vocês estão impedindo que os funcionários do Paula Souza entrem?”, questionamos. “Não sei”, ele disse. Então, indagou L., uma das secundaristas que também auxiliam na Segurança. Ela respondeu: “Não deixamos não. Por que, era pra deixar entrar?”.

“Tá vendo só? Eles me surpreenderam novamente”, constatou.

Acompanhamos a reintegração de posse: “Não adianta lutar. Eles têm cassetetes e nós só temos cartazes”