Técnica emocionante permitiu que violinista voltasse a “tocar” após 30 anos paralisada

Rosemary Johnson era uma jovem e talentosa violinista da Ópera Nacional de Gales, sediada em Cardiff, capital do país britânico. Aos 22 anos, em 1988, ela sofreu um acidente de carro que a deixou sequelas irreversíveis: nunca mais pode movimentar os membros ou mesmo usar a boca para falar.

Depois de quase 30 anos longe da música, Rosemary foi capaz de “tocar” violino em uma composição criada parcialmente por ela e parcialmente pelo compositor brasileiro Eduardo Miranda. Eduardo é o criador e desenvolvedor do projeto Activating Memory, que envolve neurociência e música erudita.

A história de Rosemary

A história de Rosemary ficou famosa no mundo inteiro graças ao mini documentário Music of the Mind, quinto episódio de uma série online chamada Human Made Stories.

O filme usa interpretação de atrizes para simular a juventude da violinista e, depois, mostra o processo de domínio da técnica de uso do Activating Memory até o momento no qual Rosemary se apresenta ao vivo com a Ópera Nacional de Gales, três décadas depois.

Na verdade, a artista não toca, mas compõe ao vivo sua obra. No palco, ela observa uma tela na qual há quatro módulos, cada um com uma frequência diferente e escritura musical distinta. A cada frase musical escolhida, novas quatro escrituras aparecem na tela e novamente ela precisa decidir qual a frase musical que deseja.

A cada nova decisão feita pela violinista, o equipamento lê suas atividades neurais e sabe qual das quatro linhas musicais ela deseja. A máquina manda as informações para outro músico ou música de fato tocar a partitura. Quem tocou a música criada por Rosemary foi sua ex-colega de 30 anos atrás, Alison Balfour-Paul.

Como funciona o Activating Memory

Eduardo Miranda, que é professor na Universidade de Plymouth (Inglaterra), explicou ao VIX como o Activating Memory funciona. O projeto é uma criação sua com componentes tecnológicos construídos pelo cientista Joel Eaton.

Decisões do paciente fazem a música acontecer

“Esta peça é uma composição minha. Mas, digamos assim, uma composição que está em aberto”, explica Eduardo. Para exemplificar o processo de execução da peça, ele diz que “funciona como uma espécie de dominó multidimensional”.

Quando o paciente observa a tela, há quatro módulos, cada um com uma frase musical curta e “pisca-pisca” em determinada frequência. Ele então escolhe um desses módulos, que representa aquela frase musical.

A cada frase musical escolhida, surgem mais quatro opções de prosseguimento para a música e assim por diante. São milhares de combinações possíveis, coordenadas por quem está ali, de frente ao computador, mesmo sem mover um dedo.

A apresentação com Rosemary não foi a primeira. Ela, inclusive, foi uma das quatro co-compositoras da apresentação realizada em 2015 no Hospital Royall para doenças neurológicas, em Londres

Medição da frequência cerebral gera música

Eduardo explica que, quanto mais ativos os neurônios, mais alta fica a eletricidade. Portanto, de maneira genérica, é possível estimular certas reações com tarefas cognitivas e captar pistas do funcionamento do cérebro. E o equipamento acoplado ao crânio pode captar esses impulsos elétricos.

Para colocar o Activating Memory em atividade, é preciso detectar nas ondas cerebrais os padrões de sinais elétricos produzidos quando uma pessoa percebe algum estímulo externo – que são, neste caso, os tais “pisca-pisca” que aparecem na tela.

“No programa, nós desenvolvemos tecnologia que detecta a frequência do pisca-pisca luminoso na parte traseira do cérebro, responsável pelo processamento da visão (córtex visual). Por exemplo, temos como dizer se você está olhando para um pisca-pisca a 10Hz ou 8Hz etc.”, esclarece o brasileiro. Ele ressalta que no filme de Rosemary, foram usadas frequências mais eficientes, com resultado acima de 90% de precisão.

Software poderá gerar música automaticamente

São quase 20 anos para chegar à tecnologia empregada para levar Rosemary de volta aos palcos. Eduardo explica que, em 1998, descobriu que cientistas estavam começando a investigar a possibilidade de criar interfaces que ligassem sinais cerebrais a computadores e percebeu que poderia usar a música.

Dois anos depois de criar o Computer Music and Head of the Interdisciplinary Centre for Computer Music Research (ICCMR) na universidade em que trabalha, em 2003, conheceu uma terapeuta musical do Hospital Royal e desde então trabalha em parceria com a instituição, dedicado a pacientes com quadro de paralisia. Foi assim que ele conheceu a história da violinista.

O compositor, contudo, esclarece que o sistema não detecta sons ou pensamentos musicais. “Isso é impossível, pelo menos com o conhecimento e tecnologia que temos hoje”, alerta. Mas ele e sua equipe em Plymouth agora trabalham em um protótipo que consegue definir se o indivíduo cujo cérebro está sendo medido está relaxado, agitado, nervoso, feliz, em estado de meditação, entre outras sensações.

“Nós desenvolvemos um sistema de inteligência artificial para compor a música em tempo real. Nessa nova versão não se trata de uma obra pré-composta, mas de um software que gera música automaticamente”, adianta o compositor. Ainda não há previsão para que o novo equipamento comece a ser usado.

Avanços da neurociência