A realidade das cooperativas

Se você é uma daquelas pessoas cuja carteira de trabalho é apenas um documento guardado numa pasta sem muita utilidade prática, não se assuste, pois você não está sozinha. De acordo com um recente levantamento feito pelo IBGE, nada mais nada menos do que 57% da população brasileira economicamente ativa trabalha hoje na informalidade. Isso quer dizer que, no Brasil, mais da metade da força de trabalho – um número bem razoável, do qual hoje é difícil de se escapar – não tem carteira assinada e nem os benefícios garantidos pela CLT (Consolidação nas Leis de Trabalho). É neste cenário de crise de emprego que crescem, de forma bem progressiva, as cooperativas de trabalho. Os profissionais passam a ser chamados de cooperados, e não mais de empregados. O emprego se vai, mas o trabalho existe.

Segundo a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), o setor de cooperativas de trabalho é um dos que mais crescem no país. Hoje já se contabilizam mais de 2 mil e trezentas dessas organizações sem fins lucrativos espalhadas por todos os estados. “Acredito que esse crescimento é explicado justamente pela inflexibilidade das leis trabalhistas brasileiras, que estão desatualizadas e acabam fazendo com que o emprego se torne inviável, por custar muito caro para o empregador. A pior conseqüência disso é o desemprego, que vem ao encontro também desse alto número de informalidade. As pessoas precisam trabalhar para sobreviver, com ou sem carteira assinada, e as cooperativas são facilitadoras na garantia da existência do trabalho”, explica Flodoaldo Alves de Alencar, superintendente da Sescoop (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo), órgão subordinado à OCB.

De cara pode-se então afirmar que as cooperativas de trabalho consistem numa forma de organizar a informalidade, garantindo trabalho, e não emprego. Elas são formadas por um grupo mínimo de 20 pessoas e são regidas pela lei 5.764/71, cujos princípios cooperativistas definem que todos os associados – ou cooperados – tem o mesmo poder de decisão e que tudo relativo à sua administração é analisado e definido conjuntamente em assembléias onde todos os associados são convocados. Ok, ok… É tudo muito bonito e democrático, mas, afinal de contas, qual é a vantagem para um profissional trabalhar como um cooperado em vez de ser um celetista (regido pela CLT)?

“Se você for comparar com a carteira assinada, é claro que não tem vantagens, pois um cooperado não tem nenhum dos direitos trabalhistas previstos na CLT. A comparação deve ser feita entre um autônomo e um cooperado”, diz a advogada Leila Camilo, assessora jurídica da Comprove, uma cooperativa de trabalho multifuncional, que reúne profissionais de várias áreas, do Rio de Janeiro. A advogada explica que a grande vantagem está no fato da cooperativa funcionar como gestora dos negócios para um profissional autônomo associado. Normalmente, quando se trabalha por conta própria, a pessoa tem que dar conta de realizar o trabalho em si e ainda fazer toda a negociação com o seu cliente, ou tomador de serviço. O papel da cooperativa é justamente negociar os contratos e cabe ao cooperado apenas a execução do serviço. Por essa negociação, cada cooperado desconta do que ganha uma porcentagem de taxa administrativa, valor que varia de acordo com a organização interna de cada cooperativa.

Por ser, antes de qualquer coisa, um profissional autônomo, o cooperado é dono de seu próprio nariz, ou seja, não tem chefe, horário fixo de trabalho e nem se submete a qualquer outra subordinação ou habitualidade que justifique vínculo empregatício. “Isso não significa que você não tenha responsabilidades junto ao seu cliente. Não existem obrigações, mas tudo deve ser muito profissional”, conta a designer Katja de Aquino, 29 anos, sócia da cooperativa de informática Uniway. Katja, que já trabalhou tanto com carteira assinada quanto como autônoma, é uma cooperada há três anos e se diz muito satisfeita. “Ganho mais trabalhando através de uma cooperativa, pois recebo diretamente pelo número de horas trabalhadas. Não é um salário fixo”, comenta.

Mas nem todo cooperado está tão satisfeito assim. Na verdade, muitas empresas montam uma cooperativa e tratam os cooperados como se fossem funcionários. “Eu só vejo vantagem para empresa, que diminuiu sua carga tributária. Assino ponto na entrada e na saída e tenho horário para cumprir todos os dias”, reclama a engenheira Roberta Machado, apesar de trabalhar numa empresa onde há possibilidade de negociar férias e receber 13º salário. “Na prática, sou uma simples empregada, que se for demitida não terá direito algum”, afirma.

Se no mundo das cooperativas você chamar os ganhos com os serviços de salário, levará um belo puxão de orelha. O cooperado é remunerado de acordo com sua produção, ou seja, a remuneração está estritamente ligada à produtividade. Quanto mais produz, mais ganha. E os ganhos podem ser calculados por hora de trabalho ou empreitada, de acordo com a natureza e características do trabalho a ser feito. Hoje, calcula-se que um cooperado ganhe, em média, 30% a mais do que um celetista. Uma outra questão importante em relação aos rendimentos da produção é que essa deve ser paga ao cooperado pela cooperativa, e nunca diretamente pelo tomador de serviço. Do contrário, foge aos princípios cooperativistas.

Você deve então estar pensando: para ficar bom mesmo, bem que as elas poderiam oferecer os benefícios da carteira assinada. “Cada cooperativa tem o seu estatuto e a lei permite que ela decida a melhor maneira de gerir seus fundos. Algumas assinam convênios para oferecimento de vale transporte e refeição, plano de saúde e previdência privada. Outras oferecem remuneração média quando o cooperado, por algum motivo, fica um período sem trabalhar. Um cooperativa séria sempre procura os melhores meios de estar beneficiando os cooperados, que fazem livremente suas opções”, afirma a assessora jurídica da Comprove, que ressalta já estarem estudando um plano que garanta à mulher um rendimento no período de licença pós-parto.

Em relação a férias e 13º salário, eles não existem de fato no cooperativismo e cabe ao próprio cooperado a administração de seus recursos e a negociação para ter um período de descanso. Segundo Katja, que está satisfeita em ser uma cooperada, isso é possível pelo fato de ganhar mais e ter autonomia e liberdade junto ao cliente. O problema maior, para ela, é a possibilidade de um contrato de serviço terminar a e cooperativa não conseguir recolocar o profissional em outro de imediato. “Por isso é importante que o cooperado se mantenha sempre atualizado na sua área profissional, para não ficar restrito a um número pequeno de serviços”, opina.

Como qualquer profissional autônomo, o cooperado deve recolher o INSS para ter direito a aposentadoria por tempo de serviço. Além disso, paga, normalmente, imposto de renda, que é descontado pela própria cooperativa quando esta lhe repassa a produção. Daí em diante é o mesmo procedimento: o cooperado faz a declaração e pede a restituição do que lhe for de direito. Segundo a advogada da Comprove, aí está mais uma vantagem das cooperativas, mas nesse caso, para o Governo, por estar regido por uma legislação e não constituir informalidade, o cooperativismo garante o recolhimento mais regular de impostos sobre os serviços prestados de forma autônoma, o que é bom para a economia do país.

Para trabalhar como um cooperado basta se juntar com mais 19 profissionais e formar uma cooperativa na sua área profissional ou procurar uma que tenha contratos dentro dos quais você possa estar executando serviços e se associar. E vale lembrar que uma vez associado, você passa a ter o mesmo poder de decisão e direitos de um cooperado-fundador, sem qualquer diferenciação. “Pedimos que qualquer cooperado que perceba irregularidades, principalmente aquelas ligadas a vínculos empregatícios, faça uma denúncia junto ao órgão representativo das cooperativas no seu estado”, alerta o superintendente da Sescoop. “Trabalhamos para colocar em prática os princípios cooperativistas do trabalho em equipe para benefícios de todos os envolvidos e não admitimos que empresários inescrupulosos tenham vantagens em ter empregados com a fachada de cooperados”, finaliza.

Para saber mais:

Organização das Cooperativas Brasileiras