Quem não morre de medo do fantasma (nada camarada) do desemprego? Em tempos de crise, poucas coisas assustam tanto um profissional do que viver com a espada no pescoço. Mas, o que fazer para evitar a instabilidade do mercado? Há alguns anos, a resposta vinha quase de imediato: “faz concurso público, que você não vai ser demitida, minha filha!”. O funcionalismo público ainda dá estabilidade total, benefícios, aposentadoria, salários para lá de razoáveis e possibilidade de crescimento. Em todo o Brasil, são 2 milhões 101 mil e 456 servidores públicos estaduais, com uma remuneração média de R$ 6,2 mil. Mas será que ainda é a melhor opção para aqueles que preferem o certo ao duvidoso?
A diretora da 70ª Junta de Conciliação e Julgamento do TRT, no Rio de Janeiro, Laura Crespo, garante que sim. Ela, com 53 anos, trabalha há 10 no TRT e diz que fazer concurso para a União foi sua melhor decisão, pois o mercado não oferece mais garantia nenhuma, além de a exploração ser intensa. “Eu já trabalhei em escritórios de advocacia, mas o retorno não era certo. Tinha meses em que ganhávamos bem e outros em que era pouquíssimo. Como viúva e mãe de dois filhos, preferi ganhar um pouco menos, mas ter um certo no final do mês. Além disso, depois que entrei para o TRT, meu trabalho foi sendo reconhecido e hoje ocupo o cargo mais alto”, conta ela. Laura não revela seu salário, mas garante que hoje ganha tanto quanto um juiz. É esse o sonho do estudante de Direito Roberto Dias. “Eu estou me formando e vou fazer o concurso para juiz substituto. Imagine começar a carreira ganhando R$ 6.841? É bom demais!”, vibra o futuro advogado.
Como o estudante, não são poucas as pessoas que têm esse objetivo. A advogada Laura Crespo lembra que concorreu com nada mais nada menos do que 89 mil candidatos! E não é só a concorrência que assusta. As provas são difíceis, o selecionado pode não ser chamado para o trabalho e, o que mais preocupa os novos candidatos, é que a tão sonhada estabilidade de algumas funções públicas, regida pela Lei 8.112/90, não vai mais valer para os próximos concursos. Isso porque foi aprovada a emenda constitucional (n o19, de 4/6/1997) que faz com que o servidor público tenha um contrato de trabalho comum, em que pode ser demitido a qualquer momento, tal qual numa empresa privada. “Antes, para ser mandado embora, o funcionário precisava infringir a lei e, depois de instaurado o processo, se ele fosse considerado ‘culpado’, era demitido. Outra opção era a exoneração, em que ele pedia para deixar o cargo e não recebia nenhuma penalização. Os servidores públicos, que vão ser contratados depois de entrar em vigor a nova lei, serão admitidos com base na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]”, explica a diretora da 70 a Junta de Conciliação e Julgamento do TRT, no Rio de Janeiro, Laura Crespo. Segundo a tal emenda constitucional, algumas funções se safam da falta de estabilidade, pois são consideradas “atividades típicas do Estado”. Entre elas estão as carreiras da magistratura, do Ministério Público, da fiscalização, bem como as da área militar e policial militar. Essas carreiras e outras que, eventualmente, sejam reconhecidas como “atividades típicas do Estado”.
Mesmo com o fim da estabilidade para grande parte das funções públicas, parece que a procura pelos concursos não diminuíram. O professor Celso Aragão, do Curso CPCA, no Rio de Janeiro, garante que a instituição continua recebendo inúmeros candidatos e que não sentiu muita preocupação em relação à falta da estabilidade. “No ano passado tivemos um número menor de alunos mas porque quase não houve concurso, devido a essa política do Fernando Henrique. Esse ano, porque vai haver novas vagas nos setores públicos, cresceu muito a procura por nossos cursos”, afirma ele. O coordenador do Curso Gabarito, também no Rio, Humberto Alves, é mais entusiasta: “esse é o momento do serviço público, porque o mercado está desaquecido e em queda. Não há mais lugar no setor privado e as pessoas estão buscando estabilidade e flexibilidade de tempo”. A advogada Iona Bocikis está se preparando para o concurso para técnico judiciário, que vai acontecer no final do ano, e está animada, pois afirma que o que importa é o bom salário. “Onde você poderia ganhar R$ 3 mil no início de carreira?”, pergunta ela. Iona está concorrendo a uma vaga destinada aos portadores de deficiência, pois sofreu um acidente de carro há alguns anos.
O bom salário faz a maior diferença na hora de se optar por uma carreira no Estado, mas certamente não é só isso. Segundo o professor Celso Aragão, o curso em que ele leciona fez, recentemente, uma pesquisa para traçar o perfil dos alunos e concluiu que a maioria deles está empregada, mas quer ascender socialmente. “Há também um grande número de pessoas desempregadas, devido a atual conjuntura, mas há mais gente empregada que procura status. As estatísticas mostram que quem faz o curso é a classe média, que pode pagar caro pelas aulas e pelo material de estudo. Os candidatos daqui procuram mais a área fiscal e os tribunais, pois estes pagam bem e dão alguma visibilidade. Os pobres são sempre excluídos dos cargos públicos”, diz Celso. Embora as classes mais baixas não tenham acesso a uma boa educação para passar nos concorridos concursos, a estudante de Direito Roberta Reis acredita que esse tipo de seleção ainda é a forma mais justa de escolher alguém para uma função pública. “Essa é a única forma de uma pessoa que não é filha de ninguém importante se sobressair. Meu pai não é famoso e eu não sou rica, mas isso não me diminui num concurso. Lá todo mundo é igual. Não é assim numa seleção para um grande escritório de advocacia”, diz Roberta. A estudante, que busca a estabilidade financeira, vai fazer as provas para a procuradoria geral do Estado, mas antes vai tentar entrar como estagiária para ver se gosta mesmo da área.
Foi esse o caminho que a contadora geral do estado, do Rio de Janeiro, Regina Célia Ferreira percorreu e teve sucesso. Ela entrou como estagiária, já que tinha feito o curso técnico de contabilidade, e, um anos depois, acabou passando no concurso e foi efetivada. Fez a graduação em contabilidade, subiu de cargo e, depois de cinco anos de estado, ganhou seu primeiro cargo em comissão. Isso quer dizer: virou chefe. Regina está na chefia há 25 anos e adora o que faz. “Eu acho que ainda vale muito a pena trabalhar no serviço público, principalmente na minha área, pois os contadores são muito valorizados no estado”, diz ela. O médico Ruy Rocha, que trabalha há 23 anos no Hospital dos Servidores Públicos do Rio de Janeiro, aconselha que os que têm interesse em trabalhar para o estado não deixem de investir também numa atividade privada. “Eu tenho um consultório particular, mas também sou funcionário do governo. Hoje em dia, paga-se muito pouco para os médicos e o jeito e é tentar se garantir de todos os lados”, afirma. O cardiologista lembra, também, que mais do que a questão de estabilidade financeira, trabalhar com serviço público permite que o médico se dedique a ajudar às pessoas que precisam, independente da condição financeira. “Isso é essencial para quem escolheu a medicina como profissão”, sentencia Ruy.
Então, vale a pena perder noites de sono estudando contabilidade ou Direito básico? Para algumas categorias profissionais, sim! Talvez não seja interessante para um publicitário virar fiscal do INSS, mas, na hora do aperto, ter um dinheirinho (que nem é tão “inho” assim) certo vem bem a calhar.





