Delação premiada: o que acontece com quem faz? Dá para confiar no que dizem?

por | ago 5, 2016 | Notícias

Em meio aos desdobramentos da operação Lava Jato, maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro na história do Brasil, os delatores aparecem no papel principal. São eles que fornecem informações preciosas sobre esquemas e entregam os envolvidos nos crimes. Mas eles também são criminosos, e tão envolvidos quanto as pessoas que estão entregando aos investigadores. E então, dá para confiar no que eles dizem? Como um criminoso pode se tornar um delator e o que acontece com ele após esse acordo? A pena dele é amenizada? Entenda.

O que é delação premiada?

Quando alguém é acusado de um crime cometido por uma organização criminosa, tem a possibilidade de fechar um acordo de delação premiada com o Ministério Público ou com o delegado que comanda as investigações. Nesse acordo, o réu recebe alguns benefícios em troca de confessar sua participação, dar detalhes da ação do grupo, apontar outros nomes envolvidos e revelar onde está o produto do crime. “Ele faz uma confissão ampla, não só relativa à parte dele, mas à parte dos outros também”, explica o advogado Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro.

Como acontece?

O réu que fecha esse acordo abre mão do direito ao silêncio e se compromete a falar tudo o que sabe. Ele não tem a possibilidade, por exemplo, de negociar que entregará uma parte do esquema, mas que outra parte não. Ele precisa se comprometer a dizer tudo o que sabe e não mentir sobre isso. Em troca de delatar tudo o que sabe, ele negocia um benefício, que não é definido, mas pode ser, por exemplo, a diminuição da pena em até dois terços, substituição por penas alternativas, ou até o perdão judicial, deixando de ser punido pelo crime que cometeu. “É um acordo entre a defesa do réu e o Ministério Público, que é o acusador ou, em alguns casos, o delegado. É uma negociação absolutamente livre, mas precisa passar pelo crivo do juiz, que irá ou não aprovar os termos em que a delação será feita”, diz o advogado.

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Se durante a negociação, o futuro delator e seu advogado de defesa não considerarem vantajosos os benefícios oferecidos pela polícia ou o Ministério Público, podem se recusar e desistir. “Ninguém é obrigado a fazer acordo de delação e sempre caberá ampla negociação entre as partes dentro dos limites da lei. De outro lado, pode ocorrer que, mesmo convidado a fazer a delação, o acusado e seu advogado de defesa se recusem a fazer qualquer acordo de delação, alegando que estão certos e convictos de que o réu é inocente e será plenamente absolvido. A delação terá valor somente se ela for voluntária e seu resultado efetivo”.

Todos os casos de delação premiada precisam ser feitos na presença do Ministério Público e do advogado de defesa. “São legalmente e obrigatoriamente imprescindíveis”, diz. Já o juiz não deve estar presente no momento. Ele apenas aprova e, no final, recebe o texto do acordo, verifica se foi tudo cumprido e, se for o caso, pode convocar a pessoa para ouvir a delação de novo. “Se os termos do acordo feito pelas partes não estiverem dentro das regras exigidas e limites da lei, o juiz tem obrigação de não homologar a delação. Vendo alguma ilegalidade no texto do acordo, este não pode ser homologado. Se por acaso foi acordado algo que a lei não autoriza, trata-se de uma tratativa nula”, explica Melaragno.

Quando o delator é alguém que já está preso, assim que a delação começa, ele é transferido para o regime de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico (tornozeleira), sem poder sair de casa. Mas é possível ingressar no programa de proteção à testemunha, com proteção física, mudança de endereço ou de identidade e uma série de outras medidas previstas na lei que garantam a segurança do delator.

Dá para confiar em uma delação? É preciso apresentar provas?

O delator não pode mentir, caso contrário, romperá o acordo. Por isso, precisa apresentar provas que podem ser documentais, periciais ou mesmo outras testemunhas que não somente ele. Caso ele não tenha provas, a investigação policial ou o processo judicial têm de obtê-las a partir desse depoimento. Porém, se não houverem provas além da palavra do delator, o juiz não pode condenar ninguém que tenha sido apontado pelo delator em depoimento.

Se for descoberto que o réu mentiu em juízo, ele será processado como autor de um delito e também verá anulado o seu acordo de delação. “No Direito brasileiro, o réu tem direito de não dizer a verdade e de até ficar calado em juízo sem qualquer prejuízo no processo. Porém, ao fazer o acordo de delação, ele automaticamente se compromete a dizer a verdade sob pena de ser processado, perdendo portanto o direito de ficar calado ou de faltar com a verdade. Mas não existe uma investigação específica para verificar se houve mentira por parte do delator. Evidentemente que, havendo mentiras, elas poderão surgir nas investigações, nas provas e até mesmo durante a defesa produzida por aqueles que foram delatados”, detalha desembargador Doorgal Gustavo Borges de Andrada, da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

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Delação premiada é boa ou ruim?

Para o advogado Breno Melaragno, o principal ponto positivo da delação premiada é que ela estimula a pessoa a cooperar, já que irá receber um benefício. E o depoimento ajuda na investigação, fazendo com que os crimes sejam descobertos mais a fundo. “O acusado tem possibilidade não de se redimir, mas de ter uma reprimenda menor, já que colaborou voluntariamente”, diz.

Já o lado negativo é que, se a pessoa já estiver presa preventivamente, terá uma pressão grande para confessar e “se livrar” da culpa. E, pela lei, a delação deve ser voluntária, sendo proibido haver qualquer tipo de pressão. “O sistema penal percebeu isso e, vendo que a pessoa poderia fazer uma delação, passou a decretar a prisão preventiva como forma de coagir o réu. Isso acabou virando uma prática comum em muitos casos em que a pessoa não seria presa preventivamente, mas acaba sendo como forma de pressionar para fazer a delação premiada. Esta é hoje a grande polêmica jurídica, algo muito discutido no meio e no Congresso também, inclusive já existe projeto de lei para impedir a delação de quem está preso preventivamente sob argumentos de que jamais vai ser voluntário”, explica.

Sobre a mídia ou a população, especialmente em casos políticos, colocarem o delator como um herói quando, na verdade, é um criminoso, o desembargador Borges de Andrada diz que essa visão pode ser fruto de mal entendimento ou distorção. “Um delator não pode se passar por eventual herói. Antes de tudo, ele confessa ser criminoso para, depois, delatar os demais envolvidos. Ele apenas fez um acordo e quer um benefício em troca disso”, diz.

Já o advogado acredita que um delator é um “meio herói”. E cita um exemplo. “Se não houvesse o depoimento dado pelo Roberto Jefferson sobre o Mensalão, dificilmente as investigações sobre o caso chegariam aonde chegaram. Na época não existia a lei de 2013, e com base na lei de 2009, o Supremo não o reconheceu como delator, mas na prática ele foi. E a operação Lava Jato hoje também não chegaria aonde chegou se não houvesse a delação premiada. Porque dentro de uma orgarnização criminosa, por mais que a investigação policial tenha melhorado no Brasil, aquele que está de dentro, quando fornece caminhos e detalhes, torna possível desvendar toda a verdade e punir. Por isso a delação premiada é essencial”.

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