
Em entrevista recente ao “Em Ponto” (GloboNews), o médico Drauzio Varella expressou suas preocupações quanto às previsões feitas sobre as vacinas contra COVID-19 em desenvolvimento atualmente.
Segundo o especialista, mesmo havendo resultados otimistas relacionados a elas, a produção e aplicação de qualquer um dos compostos serão desafiadoras – e que o melhor a se fazer agora é focar nas medidas de prevenção.
Drauzio expõe desafios das vacinas e enfatiza prevenção
Em sua fala, Drauzio se mostrou preocupado com o fato de que, conforme diversas vacinas avançam para a terceira e última fase de testes clínicos, autoridades têm especulado prazos bastante curtos para o lançamento destes compostos.
Enquanto algumas projetam a circulação da vacina a partir de junho de 2021, outras afirmam que isso pode ocorrer já em janeiro – e o médico pede cautela ao avaliar a situação.
“Se você pegar as histórias das vacinas, não teve nenhuma produzida em meses. As vacinas levaram anos para ser produzidas. Você prepara uma vacina, faz os estudos laboratoriais, vê se ela produz anticorpos, uma imunidade bem eficaz contra o vírus. Aí você testa a vacina em seres humanos. […] Isso leva tempo, e esse tempo é o tempo que as vacinas têm levado para serem colocadas no comércio”, disse ele.
Segundo Drauzio, devido à seriedade da situação, há muita pressão sobre os órgãos que estão estudando e desenvolvendo vacinas – e isso pode gerar resultados incompletos. “A pressão é tão grande que nós vamos ter estudos mais ou menos completos. Serão estudos iniciais ainda”, afirma o especialista, ressaltando que os desafios de uma vacina não se resumem aos estudos finais de segurança e eficácia.
Além de ser necessário um trabalho cauteloso para liberar a vacina, também é preciso tempo para produzir as doses necessárias para imunizar toda a população, bem como organizar as campanhas de vacinação.
“Quem é que tem que ser vacinado no Brasil? 210 milhões de pessoas. Nós não temos experiência anterior com uma vacina administrada para esse número de pessoas”, disse ele, fazendo questionamentos sobre a situação.
“Aqui, você vacina criança, vacina determinados grupos. Agora, vacinar todos? Como é que vai ser preparada essa vacina? Como é que terão que ser as instalações que produzam essa quantidade de vacinas? Nós vamos ter frascos para embalar essas vacinas? 210 milhões… São desafios enormes”, esclarece o médico. Além disso, ele lembra também que, chegando só em 2021, a vacina não resolverá o problema atual.
Segundo ele, a vacina será importante contra a pandemia, mas o momento atual segue sério. “Vamos dizer que tudo correu maravilhosamente bem e na metade de 2021 nós vamos estar vacinando a população. Nós teremos resolvido o problema desta fase da disseminação da doença? A vacina não vai resolver o problema atual”, disse ele, enfatizando que é possível a epidemia estar em uma fase já mais branda em 2021.
“Pode ser que quando chegue essa vacina, ela não vá ser tão necessária quanto é agora. Pode ser que, até metade do ano que vem, você vá ter já uma epidemia mais arrefecida do que tem hoje, né? Vai ser importante a vacina para futuras epidemias do mesmo coronavírus, mas para esta é discutível se ela vai ter grande utilidade”, esclareceu o especialista.
O que é possível fazer no momento?
Para Drauzio, em vez de focar tanto na chegada da vacina, é muito importante que, até isso acontecer, a população adote todas as medidas de prevenção cuja eficácia já é comprovada. Entre elas, estão o distanciamento social, a boa higiene das mãos, o isolamento de pessoas doentes e a testagem de pessoas que apresentam sintomas da infecção pelo SARS-CoV-2, como febre, tosse, perda de olfato e falta de ar.
“Agora é hora de evitar aglomeração, de usar máscaras… Eu acho que não usar máscara na rua é um absurdo tão grande que eu fico olhando essas pessoas e digo: o que leva um cidadão a andar sem máscara? Que estupidez do comportamento humano é esse? Uma pessoa, no auge de uma epidemia, morrendo gente, se negar a por a máscara por questões… Sei lá que raio de estupidez pensa uma pessoa dessas”, concluiu o médico.
Vacinas: órgãos de saúde preveem rapidez e cautela

Conforme explicou Soumya Swaminathan, principal cientista da Organização Mundial da Saúde (OMS), em uma sessão de perguntas e respostas transmitida online pelo órgão em julho, há esforços tanto por parte da OMS quanto de outras autoridades em saúde e empresas ao redor do mundo para que as vacinas sejam disponibilizadas o mais rápido possível – mas sem comprometer os testes de eficácia e segurança.
“Rapidez é importante, mas não pode comprometer a segurança. Não é que a primeira vacina vai ser prontamente aplicada em milhões de pessoas sem termos estabelecido o fato de que ela realmente protege e de que é realmente seguro usá-la em larga escala. As pessoas podem confiar que, quando os reguladores e a OMS disserem que uma vacina pode ser usada em pessoas, nós teremos visto dados suficientes para ter confiança de que é este o caso”, disse ela.

Na ocasião, ela também afirmou que, devido à gravidade da situação, é, sim, esperado que a atuação dos órgãos reguladores (como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, no Brasil) acelerem o processo de análise de estudos e registro da vacina. Segundo a cientista, é possível que o que geralmente leva cerca de um ano aconteça em cerca de seis meses, mas sem abrir mão da segurança.
Além disso, ela expressou as mesmas preocupações de Drauzio quanto a produção e a aplicação das vacinas em larga escala, e lembrou também que, mesmo quando a fase 3 de testes é concluída, há efeitos colaterais que podem aparecer só quando a vacina é aplicada em milhões de pessoas. Sendo assim, mesmo que alguma das iniciativas seja liberada, o acompanhamento continuará durante vários anos.

Ela afirmou ainda que é comum que vacinas se mostrem ineficazes na fase 3, e que é positivo (além de inédito), ter tantas iniciativas avançadas em um espaço de tempo tão curto. Caso alguma das iniciativas se mostre segura e eficaz para uso da população, o evento será, assim como explicado por Drauzio, sem precedentes.
Conforme afirmou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan (que já está produzindo a CoronaVac, vacina chinesa em testes no Brasil), em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, o órgão está passando por reformas para atender a demanda de produção, mas já domina a técnica (usada anteriormente em outras vacinas) e prevê 30 milhões de doses prontas ainda em 2020 – metade feita em território nacional, e metade importada da China.