Uma avalanche de lama densa e viscosa, equivalente a 20 mil piscinas olímpicas, desceu montanhas em Minas Gerais na tarde de 5 de novembro de 2015. O rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, provocou o vazamento de 34 milhões de m³ de dejetos de minérios e foi o maior desastre ambiental que o Brasil já teve.
Nove meses após o acidente, parte do barro que soterrou centenas de casas e se espalhou por quilômetros no litoral brasileiro endureceu em terra, e se diluiu na água. Porém, pouco se sabe sobre o destino final dessa lama, e o que ela poderá causar nos próximos meses. Afinal, após chegar ao mar, o que os dejetos causaram? Onde foi parar a mancha? Ela ainda corre risco de se mover e atingir outras partes do litoral brasileiro?
O acidente
A barragem que se rompeu pertence ao complexo de Germano, usina de mineração da empresa Samarco, mantida pela Vale e a anglo-australiana BHP. Por volta das 16h20 daquele dia, um forte abalo na estrutura causou uma enorme correnteza de lama.

O primeiro distrito atingido foi o de Bento Rodrigues. Com cerca de 600 moradores, o local ficou completamente destruído pela lama. Pessoas precisaram largar suas casas às pressas quando a onda se aproximou. Na tragédia, 18 pessoas morreram, sendo 13 trabalhadores (a maioria de empresas terceirizadas da Samarco) e 5 moradores. Em um primeiro momento, a Samarco anunciou o rompimento de duas barragens, a de Fundão e a de Santarém. Porém, logo foi constatado que a última apenas transbordou com os rejeitos provenientes da primeira.
A vazão da enxurrada, após passar por Bento Rodrigues e pela Usina de Candonga, onde grande parte ficou retida no reservatório, caiu consideravelmente, conforme a lama atingiu os rios Gualaxo do Norte, Carmo e Rio Doce.
A Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais barrou as atividades de mineração da Samarco na época do acidente, fato que estava em vigor até o fechamento desta reportagem. A empresa apenas realiza obras emergenciais, acompanhadas de perto pelo órgão estadual. Além disso, o estado aplicou multas à mineradora, que chegam a um valor total de cerca de R$ 280 milhões.
Os rios do Estado de Minas já sofriam reflexos da mineração há tempos, o que significa que o depósito de sedimentos era comum nas águas da região mesmo antes do desastre. Dessa forma, a passagem do barro após o rompimento da barragem carregou outros elementos que estavam depositados no fundo do rio, fenômeno conhecido como ressuspensão, piorando ainda mais a qualidade das águas.
Em pouco tempo, a lama atingiu rios e outros municípios de Minas Gerais, como Belo Oriente, Governador Valadares e Tumiritinga. Todos são parte da bacia do Rio Doce, o maior e mais importante rio da região, que ficou tomado pela enxurrada e a carregou até o mar. Foi quando, em 21 de novembro, 16 dias após o acidente, a lama chegou ao litoral do Espírito Santo, fazendo surgir uma imensa mancha no oceano, próximo à costa.

O especialista em toxicologia aquática Adalto Bianchini, da Universidade Federal do Rio Grande, no Rio Grande do Sul, explica que a lama que vazou da barragem é composta por vários resíduos, principalmente areia e óxido de ferro. “Como é um rejeito de mineração, pode haver substâncias com potencial tóxico de concentração, como ferro e manganês”, conta.
Assim, a primeira consequência nos rios e no mar surgiu na areia, que deixou a água turva e cheia de sedimentos, fenômeno chamado de turbidez. “O primeiro efeito é físico, pois o sedimento atrapalha a respiração dos organismos aquáticos, como peixes e algas”, segundo Bianchini. Ele explica que a parte densa da lama entupiu as brânquias dos peixes, além de soterrar os organismos que vivem no fundo marinho.
Como a turbidez da água impediu a chegada da luz ao solo, os vegetais que realizam fotossíntese ficaram prejudicados. Dessa forma, os fitoplânctons, espécie microscópica que flutua na água e são a base da cadeia alimentar, acabaram morrendo e desequilibrando todo o ecossistema.
Outro problema é a composição da areia, que também se alterou com o depósito de novos sedimentos. Além disso, a presença de metais pesados na água afetou diretamente a vida aquática. Embora a Samarco tenha afirmado em julho deste ano que a qualidade da água do Rio Doce está próxima aos padrões de 2010, laudos do Ibama mostram que as substâncias contaminaram organismos marinhos, tanto no rio quanto no mar, na região próxima à foz.

A enxurrada de sedimentos pode ter trazido outros elementos tóxicos pelo caminho, que contaminaram os peixes que ainda conseguiam respirar na água. Ao longo do curso dos rios, foram encontrados mais de 12 mil peixes mortos em Minas Gerais, e 7.410 peixes no Espírito Santo. Porém, o Ibama estima que esse número seja ainda maior, pois muitos foram soterrados e não puderam ser encontrados.
Além disso, o acidente ocorreu na época da desova, ou seja, muitos animais mortos foram encontrados carregando ovos com filhotes. O instituto não consegue estimar um período de recuperação da fauna aquática afetada, pois o repovoamento do rio é lento e progressivo.
Na foz, a lama causou problemas na desova de tartarugas marinhas. De acordo com Carlos Sangalia, do Projeto TAMAR de Regência, no Espírito Santo, mais de 30 ninhos das espécies da tartaruga cabeçuda e tartaruga-de-couro, ambas ameaçadas de extinção, foram resgatadas às pressas da praia e foram transferidas para áreas por onde a lama não passaria. Essa intervenção pode ter prejudicado o desenvolvimento dos filhotes.

No solo, o barro pode ter impactado a fertilidade. O laudo do Ibama aponta que a composição dos rejeitos de minério é inorgânica, o que causa uma desestruturação química do solo que prejudica a regeneração das espécies vegetais. Dados levantados pela BBC Brasil mostram que 379,73 km² de área de vegetação foi afetada, até 2 km além da margem dos rios.
O que se espera, com muita preocupação, é que a temporada de chuvas do segundo semestre deste ano possa agravar ainda mais essa situação, arrastando mais sedimentos ao longo do rio e provocando ainda mais ressuspensão na água, além da erosão das margens.
Para a população, os níveis acima do normal de metais lançados nas águas podem causar problemas à saúde de quem se alimentar dos animais marinhos. Por conta disso, foi determinada uma extensa área de proibição de pesca no Espírito Santo, principal atividade de subsistência da região. Essa proibição se estende até hoje. A reportagem tentou contato com a Secretaria do Meio Ambiente do Estado, mas não obteve resposta sobre a previsão de quando será possível a população voltar a buscar sustento naquelas águas.
Situação atual
Desde que chegou à foz do Rio Doce, a lama se espalhou em uma grande pluma de sedimentos, termo técnico para designar a mancha no litoral capixaba. Não se sabe quanta lama acabou chegando no mar, e até o fechamento dessa reportagem, ela continuava escorrendo na foz do rio.

Segundo a Samarco, 80% dos rejeitos ficou retido nos 100 primeiros quilômetros do caminho. Mesmo assim, a lama no mar se espalhou pelo litoral do Espírito Santo, e sua extensão muda todos os dias. “A pluma teve uma boa dispersão, longe do que poderíamos imaginar”, conta Bianchini. Ele também explica que o monitoramento deve ir além da parte de sedimentos e a atenção deve ser total não apenas à mancha visível no mar. “Deveríamos nos preocupar com o que não estamos vendo. Os compostos estão dissolvidos na água, e podem contaminar organismos longe da região de sedimentos”.
Em janeiro surgiu a suspeita de que a lama teria chegado a Abrolhos, no sul da Bahia, região rica em corais raros. Porém, a Samarco e o Ibama atestam que os sedimentos que surgiram lá não vieram da barragem rompida. Porém, não se descarta a possibilidade de que os sedimentos de Fundão ainda cheguem lá.
“Ventos e correntes movimentam a lama, o que faz a sua localização muito inconstante”, explica Bianchini. “(Caso se mova) para o norte, a preocupação é Abrolhos, pois as frentes frias vindas do sul invertem as correntes e pode ser que isso aconteça. Mas a tendência é se mover para o sul, atingindo a Costa das Algas, no sul do Espírito Santo”.
A lama não fica totalmente no fundo do mar. A mudança das correntes provoca a ressuspensão dos sedimentos que estão no fundo, além da parte da pluma que não chega a afundar. Isso faz com que a extensão da lama no oceano varie constantemente, como confirma o superintendente do Ibama no Espírito Santo, Guanadir Sobrinho. “Os movimentos de ressurgência e das marés acabam aumentando ou diminuindo a pluma, o que torna difícil a definição de seu tamanho”, disse.
Procurada pela reportagem, a Samarco afirma que está tomando uma série de medidas para recuperar os danos causados pelo desastre em Mariana. Por outro lado, relatórios do Ibama mostram que 96,74% dos pontos vistoriados pelo instituto não tiveram os dejetos removidos pela mineradora. Em nota, a empresa divulgou uma série de medidas sociais, e mostrou que 95% dos programas socioeconômicos já foram iniciados.
Apesar de tanta destruição, Bianchini não considera que o Rio Doce está morto. “Ele sofreu por muito tempo, já estava fortemente impactado, mas hoje está adormecido. Contudo, os afluentes são capazes de repovoá-lo com o passar dos anos”.
Outras barragens podem se romper?
Um dos problemas recentes apontados pelo Ibama é a Usina de Candonga, que acabou retendo 80% da lama que saiu de Mariana e que pode correr o risco de se romper e tornar o desastre ambiental ainda maior. A Samarco informou que a dragagem no local, processo de remoção dos resíduos, está sendo feita desde novembro do ano passado, mas foi intensificada no início de julho. Porém, o Ministério Público alega que o processo só começou agora, e acusou a empresa de negligência.
A temporada de chuvas, que começa em outubro, pode piorar ainda mais a situação. O Consórcio Candonga, que administra a usina informou que a barragem está sendo monitorada, e permanece estável. Porém, eles não souberam informar o período em que a Samarco iniciou a dragagem.
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