Período sabático

O termo hebraico “shabat”, que deu origem ao conceito de período sabático, significa repousar. Se na cultura judaica ele representa um dia de puro descanso durante a semana, em algumas empresas ele significa um período de até um ano de pausa na rotina. Tudo isso para que um profissional, altamente qualificado e responsável pelos rumos da empresa, possa fazer uma profunda reflexão sobre a vida, o seu trabalho e os seus objetivos. É isso mesmo! Não tem nada a ver com férias. É, simplesmente, um momento especial para se realizar um projeto pessoal e atividades bem “mundanas”, como aquele curso de culinária francesa, aquela viagem para o oriente ou mesmo aquelas aulas de pintura em porcelana.

Muito comum em corporações norte-americanas, o período sabático já foi adotado no Brasil em empresas como o McDonald´s, a Nortel e a Natura. Mais do que uma política de benefícios, ele é uma ação estratégica para ajudar os executivos a se adaptarem às novas realidades e a resolverem questões existenciais. O diretor de recursos humanos do McDonald´s, Alcides Terra, garante que aqueles que efetivamente se dedicam à reflexão voltam renovados. “Isso recompensa o funcionário e o torna mais reconhecido frente aos outros”, afirma. A empresa oferece um programa de afastamento, por 60 dias, àqueles que completam 10 anos de casa e atuam em cargos acima de média gerência. Nos 22 anos em que a rede opera no Brasil, já foram beneficiados mais de 60 funcionários.

Mesmo que por pouco tempo, a licença sabática pode trazer transformações surpreendentes. Foi o que aconteceu com o vice-presidente do Banespa e autor do livro “Sabático, Um Tempo para Crescer” (Editora Gente), Herbert Steinberg. O executivo — que foi diretor de RH do McDonald’s e do Citibank e é professor da Business School de São Paulo — passou dois meses, em 1999, percorrendo a pé mais de 800 quilômetros do Caminho de Santiago, na Espanha. A experiência deixou marcas profundas. “Aprendi a colocar energia só naquilo que realmente me interessa, não compactuando nem cedendo às pressões normais do meu meio e do meu grupo de referência. Isto inclui também os ritos destes grupos, alinhando-me somente quando realmente vale a pena. Parei de jogar para a torcida”, conta ele. O tempo, nesse caso, não compromete o objetivo do sabático, que é mesmo ter tempo para pensar. “O tempo ideal é diretamente vinculado ao projeto, ou seja, o que for necessário para o projeto e não um tempo ideal por si só. O mais comum, pela estatística, tem sido de seis meses a um ano, mas há casos de alguns poucos meses, como foi o meu, e de alguns anos, como foi o caso do Antonio Luiz da Cunha Seabra, presidente da Natura”, diz.

A empresa de cosméticos Natura, que tem três presidentes, investiu no sabático deles e teve bons resultados. O projeto começou com o presidente Guilherme Peirão Leal, que foi para os Estados Unidos. Depois, foi a vez de Antonio Seabra, que passou uma boa temporada em Londres. As meditações e observações dos executivos são responsáveis, muitas vezes, por mudanças de linhas estratégicas da empresa e novas percepções a respeito do mercado. Mas não é só isso. Um período de reclusão e descanso também pode evitar que os desgastes se acumulem e tenham conseqüências negativas. “Muitas pessoas só param para pensar na vida quando têm algum problema mais sério ou quando a situação já é insustentável. Todo mundo tem problemas, dúvidas e precisa, às vezes, de um momento para reavaliação. Mas, ao mesmo tempo, ninguém quer perder o emprego. Assim, a licença sabática poderia atuar como um preventivo”, diz a psicóloga Yoná Borges, especializada em transtornos provocados pelo estresse.

Para a consultora de recursos humanos Jaqueline Dornelles, a licença sabática é uma boa forma de evitar que os melhores profissionais queiram experimentar novos ares em outras empresas. Assim, eles fazem vôos solo e retornam renovados e cheios de disposição. O diretor de RH do McDonald´s, Alcides Terra, está com ela e não abre. “É, certamente, um grande diferencial que oferecemos para os funcionários. Eles valorizam muito esse benefício”, afirma. A empresária Mariana Coelho trabalhou durante 15 anos em uma multinacional japonesa e acabou saindo porque não conseguiu tirar licença, depois de uma crise de “identidade”. Mariana estava se sentindo muito distante dos filhos e precisava de um tempo para repensar suas prioridades, mas a empresa não concordou. Triste, ela acabou tendo que pedir demissão. Mariana abriu seu próprio negócio, mas confessa que sente saudades das antigas atribuições. “Se eu pudesse ter tirado uma licença sabática, tudo teria sido diferente. Eu, realmente, gostava da corporação, no entanto, o momento pedia que eu me afastasse um pouco”, conta ela.

Herbert Steinberg, vice-presidente do Banespa, acha que mais empresas deveriam adotar a proposta do período sabático. “Principalmente aquelas cujo produto é lastreado na inteligência e no conteúdo de seus quadros. A questão não é só brasileira, mas do contexto das empresas que competem por uma melhor entrega ao cliente final, quer seja corporativo ou não”, diz. Essa prática já é bastante usual em universidades nos Estados Unidos e na Europa, para que os professores tenham tempo de reciclar seus trabalhos e produzir material intelectual. É preciso lembrar, no entanto, que o objetivo do sabático é dar um tempo do trabalho e de tudo o que se relaciona a ele. Assim, não é apropriado dedicar-se a um curso de especialização, MBA ou coisas do gênero.

Se a sua empresa oferece esse tipo de benefício, procure se informar sobre ele. Em geral, é necessário apresentar um projeto antes, delineando os objetivos, dando uma boa justificativa para o afastamento e mostrando que vai ser uma experiência positiva para ambas as partes. Não existe lei para o sabático, então, tudo é uma questão de negociar com a corporação. O importante é fazer um bom planejamento antes. “Isso é essencial para o sucesso. A renovação já começa durante a programação da viagem ou do curso”, diz Alcides Terra, diretor de RH do McDonald´s. A questão financeira também precisa ser bem discutida e pensada. Algumas empresas pagam o salário do profissional por algum tempo, outras dão só uma ajuda de custo e há as que não pagam nada, mas também não demitem.

“Sempre achei essencial que as pessoas tenham projetos para materializar sonhos. Agora que as mudanças que o Caminho provocou em mim estão mais incorporadas – não há um dia em que eu não me lembre do Caminho de Santiago, sempre encontrando novos pontos de reflexão -, consigo ir mais fundo no tema.” O trecho tirado do livro de Harbert Steinberg, “Sabático, Um Tempo para Crescer”, parece refletir bem o espírito de transformação, tão necessário para o mercado e para o crescimento pessoal de cada um. Até os super-homens precisam refletir um dia…

Agradecimentos:

McDonald´swww.mcdonalds.com.br

Banespawww.banespa.com.br

Editora Gentewww.editoragente.com.br

Naturawww.natura.net

Serviços:

Livro – “Sabático, Um Tempo para Crescer”, de Herbert Steinberg. Editora Gente. 2000.

Projeto Sabático – www.dbmbrasil.com.br/sabatico/