Profissões inconstantes

Quando se fala em trabalho remunerado, o que vem inevitavelmente à cabeça é o contracheque no fim do mês, com uma quantia fixa já conhecida, a partir da qual se faz o planejamento financeiro pessoal, certo? Acontece que nem sempre é assim. Existem profissões cujo rendimento é marcado pela inconstância e a imprevisibilidade, exigindo do profissional um senso de organização e planejamento infalíveis, além de muito jogo de cintura para lidar com o vai-e-vem da maré. É o caso de comerciantes, artistas, frilânceres e outros profissionais que não podem concentrar a luta diária apenas em realizar bons trabalhos. A cada mês que se inicia, é uma nova incerteza e batalhar o rendimento mínimo é sempre a ordem do dia.

Para a comerciante Márcia Amaral, lidar tranqüilamente com a inconstância da profissão é talvez a característica mais importante da vocação do vendedor, que sobrevive à base da comissão, variante de acordo com a disposição do consumidor. E, quando ela começou no ramo, por forças circunstâncias, as dificuldades eram ainda maiores. “Eu era professora de inglês e fiquei desempregrada. Consegui um trabalho temporário de seis meses numa loja de roupas, ganhando só comissão. Foi uma escola. Eram aqueles tempos de inflação absurda, de retração da classe média, de pacotes econômicos, tudo isso tornava as coisas no comércio ainda mais difíceis. Com o Plano Real, as coisas melhoraram bastante porque acabou a ciranda financeira e aumentou a quantidade de produtos no comércio. Recentemente, voltamos a viver outra retração, tem-se comprado muito pouco e isso tem tornado a receita bem variante. Mas minha experiência me levou a conseguir um mínimo fixo, que é pouco, mas pelo menos me dá mais segurança. Acho, inclusive, que foi esse risco que me fez apaixonar pela profissão”, acredita ela, que sempre foi boa de gerenciar despesas, por isso não sofre tanto com a variação de rendimento. “Em um mês, dependendo do movimento, você pode ganhar um quinto do que ganhou no mês anterior. Quem não sabe lidar com isso, não consegue viver tranqüilamente como vendedor”, garante Márcia.

Administrar o dia-a-dia para gerar maiores sobras é o segredo para lidar com um rendimento inconstante. Na opinião do analista de mercado Aloísio Lemos, não se deve desprezar nem as menores poupanças. “Existem caminhos para aplicação e lucratividade mesmo com quantias menores”, garante ele. Antes mesmo de começar a procurar esses tais caminhos mais rentáveis para a organização das finanças pessoais, o primeiro passo é visualizar e entender os gastos mensais para aprender a controlá-los. Uma boa maneira de dar esse doloroso mas fundamental pontapé inicial da poupança e, assim, garantir uma espécie de fundo de garantia é dividir as despesas em três grupos: os gastos fixos (aluguel, condomínio, prestação de imóvel próprio, impostos, plano de saúde, colégio, plano de aposentadoria etc), os variáveis (alimentação, luz, água, gás, telefones, cartão de crédito, transporte etc) e os arbitrários (viagens, entretenimento, roupas etc).

Foi dessa forma que, com talento para os palcos, mas pouco para os altos e baixos financeiros da profissão de artista, a atriz e cantora Beth Lima conseguiu organizar sua vida. “No Brasil e em muitos lugares do mundo, é impossível viver apenas de teatro como se vive de qualquer profissão. Aqui, nós só temos a televisão que pode te dar um contrato longo, com salários, garantias e tudo mais. E mesmo assim isso é para um número muito reduzido de profissionais, até porque, no geral, os contratos em TV têm sido por obra certa, ou seja, só para um trabalho, não se extendem além daquilo. Quando ele acaba, você está sem emprego de novo. É como no teatro, no final das contas”, considera Beth. Depois de amargar muitos problemas e dívidas nos primeiros anos de estrada, ela foi à luta e conseguiu formar uma poupança. “Comecei com muito pouquinho, com a ajuda do gerente do banco. Depois, decidi apelar para uma atividade coadjuvante, mas fundamental hoje, que é a de professora e inverti tudo. O fixo fica com o que vem das aulas e as sobras, que vão para a poupança para garantir períodos em que eu tenha menos alunos e não pinte trabalhos no teatro, vem do trabalho de atriz. Só consegui me planejar dessa forma. Mas, nos tempos amargos, cheguei a almoçar pipoca e jantar amendoim, como se diz por aí”, conta ela.

Reduzir os gastos variáveis e arbitrários é, de uma forma geral, a melhor receita para fazer o dinheiro sobrar. Dependendo do tom de vermelho da conta bancária, cortar, mesmo que radicalmente, algumas dessas despesas pode se fazer necessário. É uma mudança de comportamento, mas por uma boa causa. “A regra é cortá-los num primeiro momento, já que não são essenciais para a sobrevivência, e depois que estiver com sua vida financeira reorganizada, voltar a colocá-los aos poucos em seu orçamento”, orienta Aloísio. Já no que diz respeito aos investimentos a escolher, ele explica que tudo depende do objetivo da operação, do perfil do investidor e do montante disponível para aplicar. Um dinheiro planejado para ser usado num momento de baixo rendimento mensal, por exemplo, não deve ficar aplicado em ações, que ficam presas por um período maior. Por outro lado, esquecer na caderneta de poupança um dinheiro que se pretende usar como complementação da aposentadoria num futuro distante pode não ser dos melhores negócios. “Para esse caso, investimentos menos corroídos e que gerem mais lucro são mais eficientes”, sugere ele.