Viver de arte

Nos primeiros anos de vida, quem já é gente grande adora perguntar o que os pequenos serão quando crescer. As crianças não se importam nem um pouco em responder. Nessa época, ainda almejam ser o que a imaginação permitir. E são encorajadas a isso. Afinal, na infância, podemos nos tornar qualquer coisa. Mas o tempo – sim, sempre ele – passa rápido. Esboçamos as primeiras letras no papel, avançamos pelos anos de escola e, quando percebemos, o vestibular já está batendo na porta. Hora em que as bailarinas, astronautas, cantoras, atrizes e tudo mais que sonhávamos nos tornar precisam acordar para o mundo real, ceder espaço à profissão que papai, mamãe ou o resto da sociedade demandam. Só que, para uns, a vontade de seguir carreira artística persiste. Ao invés de serem profissionais diplomados frustrados, eles adentraram o mundo das artes e, apesar dos obstáculos, não pretendem sair.

Dom é dom. Pode-se até tentar abafá-lo, mas, se a vocação existe de fato, certamente falará mais alto. Foi o que aconteceu com a jovem atriz Nathália Dill. Amante da sétima arte desde pequena, ela decidiu transformar a paixão pelo teatro em profissão. Nathália conta que, na época do vestibular, se perguntou o que gostaria de fazer e a mesma resposta insistia em vir à sua mente: teatro! “Atuar era o que eu mais gostava e o que sabia fazer de melhor. Me sinto bem em um palco”, explica ela, que entrou para a faculdade de direção teatral da UFRJ. “Queria continuar estudando, sobretudo a parte teórica do teatro, saber não só de atuação, como também de todos os campos”, comenta. Diferentemente de muitos jovens que vêem a vontade dos pais como um empecilho, Nathália contou com o apoio dos progenitores para apostar no seu talento. “Meus pais me ajudam sempre. Me incentivam, pagam cursos e são orgulhosos do que eu faço”, diz ela.

Dificuldade de arrumar trabalho, de se manter, de divulgar. O caminho da dramaturgia, assim como o de qualquer atividade artística, é cheio de obstáculos e incertezas. Apesar de o talento ser o pré-requisito, existem outros elementos que servem de atalho para chegar lá. “O meio é muito fechado e, por isso, é preciso conhecer as pessoas certas. Mas a maior dificuldade é o dinheiro. Montar um espetáculo e ficar em cartaz exige patrocínio, um financiamento que só quem já é famoso consegue”, lamenta Nathália, que não pensa em desistir tão cedo. Entre as aulas e um bico ali, outro aqui, a jovem atriz conseguiu a sua primeira oportunidade de mostrar que sabe fazer bonito no palco: estreou profissionalmente em um conceituado teatro do Rio de Janeiro, encenando, nada mais, nada menos, do que o mestre Nelson Rodrigues. Só não pensem que está sendo fácil. “Estou praticamente pagando para trabalhar, porém não importa. É muito mais por prazer e vontade de aprender do que por status e dinheiro. A situação é difícil, tem que ter muita persistência, e eu ainda estou no início”, acredita Nathália.

Para quem está começando, não faltarão portas se fechando. E outras se abrindo. O importante é estar atento às oportunidades e, claro, fazê-las acontecer. Buscar as pessoas certas, no lugar e hora certos e, mesmo quando tudo parece perdido, não desistir. Quantas pessoas já abandonaram tudo em busca de um sonho que, muitas vezes, não era compreendido nem bem aceito pelos que estavam à volta e, depois de muito andar sem avistarem uma luz, conseguiram, finalmente, uma recompensa? E por falar em mudanças, a desenhista e pintora Gabriela Rocha está aí para confirmar que, no mercado das artes, muitas vezes elas são necessárias. Nascida em Recife, Pernambuco, ela cansou de desenhar retratos de turistas e expor seus quadros no chão das ruas da cidade e foi ganhar a vida no Rio de Janeiro. “Eu via que lá não tinha muito espaço para crescer. Fazia uns trampos, mas nada se firmava. Queria me aprimorar e entrar no mercado de trabalho, que, no Rio, é maior”, justifica-se Gabriela, que foi estudar Belas Artes e não pára de produzir. “A faculdade me ensina sobre a história da arte, a evolução das técnicas. É uma formação teórica que se aplica na prática. Ainda aproveito meu tempo para aprender técnicas de desenho digital e isso me torna mais criativa, além de expandir minha capacidade”, reconhece.

De acordo com o músico Piero Grandi, a recompensa demora. E só vem com muito treino, busca, persistência e versatilidade. Estudante de música na Universidade do Rio de Janeiro, ele também é guitarrista em duas bandas fixas, freelancer em outras, autor e professor de música. Piero confessa que o mercado da música é injusto, sobretudo para o Jazz, seu estilo preferido. “Quem manda mesmo são as gravadoras, que vão lançar o que tem o potencial de vender. Só que nem sempre a pessoa vende pela qualidade. Tem muita gente ruim por aí que consegue um lugar ao sol porque agrada às massas. Existe uma panela e, para furar o bloqueio, fica complicado, é preciso fazer contatos constantemente”, avalia Piero. Há quase dez anos no meio, ele aponta a obra autoral como uma boa forma de se firmar. “Quando o trabalho vende, ele vira produto. O músico que faz freelancer tem dificuldades porque é pouco valorizado. Todo mundo conhece o artista principal, e ninguém sabe quem é o guitarrista, o baixista. Mas a maior dificuldade vem do eletrônico, que cria uma orquestra digital com teclado, programação de bateria etc. e tira o mercado do músico”, aponta ele.

Por isso, a decisão de seguir o caminho das artes não é para qualquer um. Não basta só ter talento ou conhecer as pessoas certas. A paixão, persistência, o jogo de cintura e, claro, a força para continuar tentando depois alguns fracassos são fundamentais. “Eu só trabalho como musicista porque é o que eu sei fazer de melhor, sem música a minha vida não existe. Hoje em dia, todo o campo tem dificuldades. Se estabelecer é uma questão de insistência”, alega Piero. Como se trata de um mercado inconstante e é difícil arrumar emprego fixo, a criatividade deve se estender para atividades alternativas. “Dentro do incerto, os bicos são fundamentais. Eu dou aulas, toco em bandas, já fiz gravações, trilhas de filmes. São trabalhos como outro qualquer, não tem continuidade, segurança. Tem que correr muito atrás, porque nada vai cair do céu”, atesta o músico, estudante de música por mais da metade de sua vida. “Quem quer entrar para o mercado das artes precisa estudar muito. Eu acho que, mesmo estudando ate o final da minha vida, ainda não vou saber o suficiente”, opina.

Pelo visto, o estudo consiste em um elemento fundamental para a carreira de nossos artistas. Não é à toa que todos os nossos entrevistaram optaram por unir o talento com o conhecimento acadêmico da área. Já o músico Pedro Guedes até tentou aliar outra carreira à sua paixão e foi fazer faculdade de administração junto com a de música. Daí, surgiu uma nova iniciativa: conjugar talento com empreendedorismo. “Eu aliei administração à musica, abri uma produtora de trilha sonora chamada Mangajingle.  Eu estou em um mercado que possui poucos músicos especializados. Acredito que eu tenha encontrado um nicho”, conta Pedro, que faz jingles para campanhas publicitárias, aberturas de programas de televisão, trilhas de espetáculos de dança, novelas. “As pessoas dramatizam muito a condição de artista, mas, sendo competente, tem lugar. Tem muita gente formada que não consegue emprego e muito artista empregado”, conclui ele.