A vida nada fácil de uma prostituta > De secretária a prostituta

BM – Qual foi teu primeiro trabalho?

GL – Foi de auxiliar de escritório, depois fui secretária na Shell e depois fui para a prostituição.

BM – Por que você abandonou uma multinacional e mudou de profissão radicalmente?

GL – É muito sacal ser secretária. É tudo muito certinho, horários, levantar cinco da manhã em São Paulo, tudo engarrafado. Como secretária eu não podia fazer algumas coisas que gosto muito até hoje que é transar minha boêmia e outras coisas como ler e conviver com pessoas que eu gostava além de gente de escritório. Então, eu resolvi mudar de vida e pedi demissão na Shell. Estava meio difícil achar um emprego do jeito que eu queria. Era época da “revolução sexual”, início da década de 70. Nessa época minha filha mais velha já era nascida.

BM – Você atuava na rua ou era vinculada a uma boite?

GL – Nunca gostei de batalhar na rua porque você fica muito exposta a todo o tipo de coisa, a polícia, a um sujeito paranóico…. No começo, entrei para uma boite na boca do luxo e não gostei. Não gostei porque não gosto do barulhão das boites de lá. Aí alguém me indicou para a boite Michel e fui para a boca do lixo.

BM – Você, ao sair da multinacional, continuou pagando a previdência?

GL – Eu não tenho INAMPS. Até porque agora sou diretora de uma ONG e nunca fiz como autônoma.

BM – Trace um perfil da prostituição nas ruas do Rio.

GL – Algumas áreas são de travestis e outras são de mulheres. A Lapa, na Rua Augusto Severo, é travesti. A Praça Tiradentes é misturada. Você vai para a Avenida Atlântica, agora no verão, é mulher, mulher, mulher. Um monte de mulher. Na Rua Mem de Sá dá mulher e travesti, perto do Bar Brasil e do Capela é travesti e lá para frente é mulher. A Vila Mimosa é só mulher.

BM – Qual sua opinião a respeito da prostituição infantil?

GL – Tem que se colocar essa questão dentro de algo mais amplo que é o trabalho infantil. É terrível você ter criança trabalhando em canavial e plantação de algodão como é terrível você ter crianças trabalhando em prostituição. É tudo a mesma coisa. O que aparece mais é a coisa da prostituição porque é sexo. Na minha opinião, numa sociedade ideal e não injusta como a nossa, não teria criança trabalhando em nada. Criança tem que brincar e estudar. Aqui tem uma coisa que é pior. As meninas estão ficando grávidas e vivendo com os meninos que estão traficando no morro porque é uma forma de poder ser mulher desses meninos e engravidarem deles. Por conta disso, todos morrem cedo. Agora, no interior do Brasil, você encontra esse caras, cafetões, que vão lá e, às vezes, compram a filha da mãe. Eles dão um dinheiro e levam a filha. Isso acontece. A virgem, inclusive, tem mais valor.

BM – Você poderia falar sobre idade e trabalho. A garota de 18 é mais valorizada?

GL – Normalmente, uma garota nova numa área de prostituição ganha mais dinheiro. Ela é bonita porque tem tudo certinho no lugar e é novidade. Se ela não trata bem dos caras, ela vai ficar sem freguês, ele volta para as antigas. Tudo depende do tratamento que é dado.

BM – O que é tratar mal?

GL – Tem menina nova que não sabe nada da profissão e trata mal. Vai embora rápido, fica olhando para o relógio e é fria. Na zona, como a Vila Mimosa, as mulheres mais velhas e experientes são as que ganham mais dinheiro. Tenho uma colega que se aposentou aos 68 anos. Ela tinha freguês de 30 anos, já vira marido (risos). Em termas é diferente, só mulher nova ganha dinheiro. De qualquer forma, tem gosto para tudo: tem homem que só gosta de mulher grávida, tem homem que gosta de mulher gorda. A minha amiga Ângela parece uma figura de Fellini e está cheia de freguês.

BM – Por que o homem procura uma prostituta?

GL – Dois motivos: não existe compromisso e é mais barato que conhecer uma garota num bar e fazer toda uma onda para conseguir levá-la para o motel. Tem uma terceira questão que é uma história de fantasia. Tem homem que gosta de freqüentar prostituta porque acha legal o papo e gosta do ambiente.

BM – Qual o perfil dos clientes?

GL – Os executivos casados vão muito para as termas. Os solteiros e pobres são a maioria na zona.

BM – O que você acha que os homens adoram? O que faz mais sucesso?

GL – Na minha experiência, acho que vai depender da fantasia do homem. Mas, por incrível que pareça, você sabe que atenção é o que os homens mais procuram. É impressionante, eles gostam muito de conversar. Eles falam da própria vida pessoal, dos problemas que eles têm com a mulher… Para eles, essas coisas são muito legais porque se ele encontrar na rua, ela faz de conta que nem conhece ele. Então, eles podem se abrir e os homens são muito fechados. Eles são sempre ótimos, maravilhosos, o pau levanta 30 vezes… Isso tudo é mentira. Na zona, o homem pode ser o que ele é e pode fazer tudo o que ele quer fazer. Se ele quiser vestir uma calcinha e um sutiã e ficar andando pela sala e pedir para a mulher falar “você é linda”, a mulher vai falar e não vai contar para ninguém.

BM – Qual o conselho que você daria para uma jovem que está começando na profissão?

GL – Acho que as pessoas têm que seguir todos os caminhos normais da vida. Na minha época, éramos muito “porra louca” e tal. Ganhava-se muito e não se pensava no futuro. Acho que se deve pagar plano de saúde, o dinheiro que se ganha na prostituição dá para pagar, declarar o INSS como autônoma, apesar que nós estamos brigando para que a profissão seja reconhecida na questão do INSS e porque o ministro andou falando sobre essa possibilidade. Para mim, férias é fundamental.

BM – As prostitutas têm empregador?

GL – Tem empregador, está tudo dentro de casa e se chama cafetina e cafetão. Como está fora da lei, fica essa coisa marginal, a exploração é maior. Aqui no Rio nem tanto, mas em São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, as meninas pagam uma diária para trabalhar e tal. Aqui, é porcentagem. Na Vila Mimosa, onde o programa é baratinho, é 10%. O programa é R$ 40,00 ou R$ 50,00. Lá é chamada a baixa prostituição.

BM – O seu companheiro apoiou a tua decisão de ir para a prostituição?

GL – Não tinha companheiro na época . Agora é que eu tenho um companheiro há algum tempo… estou com o Flávio há dez anos. Antes, já tive companheiros de dois anos, três anos.

BM – Essa profissão é lucrativa?

GL – As meninas no verão em Copacabana estão cobrando US$ 100,00. Na vila cobramos R$ 40,00 ou R$ 50,00.

BM – Fora a compensação financeira, existe uma vocação para prostituição? Suas colegas gostam do que fazem?

GL – Tem de tudo. Tem gente que não gosta e que se acha pecadora. Toda dia elas falam “eu vou sair dessa vida”. Para falar a verdade, nunca saem. Uma colega minha de Belém do Pará disse que isso é muito ineficiente, uma mulher que fica falando isso a vida toda e não junta dinheiro pra sair. Tem mulher que tem vocação mesmo, que gosta mesmo do que faz e acha o maior barato conhecer tanta gente. Eu sempre gostei da atividade.

BM – Você fazia de tudo na época em que você atuava como prostituta?

GL – Não. Não fazia de tudo. Fazia transas e fantasias de homem porque não é assim tão pragmático: sexo vaginal, sexo oral… Existe a fantasia e é imensa.

BM – Qual a fantasia mais estranha?

GL – Vou falar uma para você imaginar a que ponto chega a fantasia dos homens. Tem um que ia para a zona uma vez por semana e esperava a mulher sair depois de atender um cliente. Ele gostava de fazer sexo oral antes de ela se lavar. Ele pagava para fazer isso com o esperma de outros homens. Isso na época pré-AIDS. Eu tinha nojo disso. Terrível, né? Eu conheci um cara em São Paulo que tinha uma transa com mulher de sapato de salto fino. Então, no dia que ele subia, as mulheres corriam para o quarto para vestir seus sapato de salto. Ele adorava o pé da mulher dentro do sapato de salto. Ele não fazia nada, só ficava admirando seu pé.

BM – Você gostava do contato sexual ou do contato pessoal?

GL – Gostava do contato pessoal, do dinheiro e da liberdade dos horários. Esse horário livre é o mais importante e atualmente eu não tenho isso. Gostava de poder fazer meu horário, de poder sair na noite, dançar, tomar minha cerveja e ter dinheiro todo o dia. Tem que ser organizada porque o dinheiro voa e eu nunca fui de juntar dinheiro. Tenho colegas que conseguem comprar vários carros. Têm outras que não conseguem nada. O meu caso.