Aluga-se

Depois do terceiro, quinto, décimo-quarto apartamento, os corretores não me dão pelota e já descobri o motivo: são meros assalariados e ganham comissão apenas nas vendas. Ou seja, ignoram minhas economias na tentativa até aqui em vão de alugar um teto razoável, onde possa fixar morada, dormir pelada, ver final de novela, ter meia dúzia de boas idéias por semana e bater um prato de bife com salada de tomate.

Passo o dedo no jornal sujo e leio 2 quartos, 3, suíte, vista livre, silencioso, vaga, armários, pintura nova, sintecado, ótimo estado, mobiliado com bom gosto, condomínio barato, sem elevador, lindo, todo reformado, prédio mais charmoso do bairro, é só entrar. Meu Deus, qual será o prédio mais charmoso do bairro? Balela.

O que mais tem influenciado o meu torcer ou não torcer de nariz porta adentro do imóvel, quando estou eu paralisada diante de tanta falta de capricho e até perna de barata, como ia dizendo, o que mais influencia o meu parecer é coisa simples, para não dizer boba: o nome do prédio

Depois de algumas semanas de procura, ou duas dúzias de apartamentos revistados, o que mais chama a atenção diante de um novo pretendente não é o piso, a bancada do banheiro ou a vista para o apartamento em frente, colado, entrando pela sala de visita sem pedir licença. O que mais tem influenciado o meu torcer ou não torcer de nariz porta adentro do imóvel, quando estou eu paralisada diante de tanta falta de capricho e até perna de barata, como ia dizendo, o que mais influencia o meu parecer é coisa simples, para não dizer boba: o nome do prédio, o nome do prédio me influencia. É Rosane, Rosane, quase Rosana, quase. Me chamaram a vida inteira de Rosane e eu tive que corrigir um a um, enfezada, meu nome é Rosana, com “a”. E a vida toda ouvi a réplica: ah, sim, senhora, Dona Rosane. E enfim encontro esse apartamento, no prédio Rosane, Rosane, há de ser esse, deve ser um sinal – ou por que outro motivo prédios teriam nome?

Por favor, não me chame de maluca, não, não sou infantil, muito menos desequilibrada, não estou forçando a barra, não me lê assim. Mas agora que comecei vou até o fim e adianto que além do nome Rosane, outros nomes queridos também são capazes de colocar um apartamento como meu número 1 antes mesmo de abrir a porta de entrada. Basta pegar a chaves na vizinha, e a vizinha, olha lá quem é, Dona Edith, mesmo nome, exatamente o mesmo, agora sim, da minha mãe, com agá e tudo no final. Comento a coincidência com Dona Edith, não a minha mãe mas a vizinha, a vizinha que dá um riso amarelo, reluta em me entregar a chave, franze a testa, olha do meu tênis colorido até a minha franjinha nova e deve me achar maluca, infantil ou até uma desequilibrada.

São tantos motivos aleatórios que determinam uma escolha – o adesivo colado na janela, o hálito do corretor, o vizinho no corredor -, que até me consolo pelas vezes que não fui eu a escolhida – paquera na boate, entrevista de emprego, time de queimado na hora do recreio. Diante de tantos quartos, salas, cozinhas e lavabos preteridos por mim, paredes brancas e cubas sujas ficam para trás e nem digo adeus. Imagino quantos fantasmas fazem por lá residência, sacodem a poeira da sala, de certo mancomunados com os corretores que lhes dão guarida. O resultado é um leve tremor de mãos antes de abrir a porta do armário embutido, tamanho o medo de encontrar um corpo em avançado estágio de decomposição em alguns apartamentos que tive o desprazer de conhecer.

Fato é que ainda não achei o tal e talvez ele não esteja perdido. Continuo procurando até encontrar, nonstop. Chega essa hora, o relógio chega perto da meia-noite, e penso nos apartamentos sozinhos, sem luz, TV desligada. E eu aqui. Podia estar com um deles, cotovelos no parapeito da janela indiscreta, poeira grudada nos meus pés descalços. Amanhã, até amanhã parece uma eternidade (incrível como o tempo passa a cada hora num compasso), amanhã tem mais visita: três candidatos marcados. Com sorte, um deles é o bilhete premiado e serei feliz para sempre.