Quando tudo parece estar perdido, muita gente procura o divã do analista. E psicólogo serve pra isso mesmo: ouvir as questões do trabalho, do namorado, do pai, da mãe, das contas pra pagar, daqueles indesejados dois quilos a mais. Ele pode ser a pessoa mais indicada para ajudar a entender seus maiores dramas e desejos. A intenção é apenas fazer você lidar melhor com o mundo lá fora. No entanto, alguns pacientes exageram na dose. Passam a enxergar o terapeuta como a solução para todos os problemas e telefonam para pedir a opinião dele antes de tomar qualquer decisão. Análise é que nem remédio: em excesso, pode fazer mal, gerar dependência e, ao invés de ajudar, atrapalhar – e muito.
Para algumas pessoas, fazer análise é questão de vida ou morte. Quando o advogado Celso Gomes conheceu a mulher com quem até hoje divide o cobertor, impôs uma condição, no mínimo, inusitada para que o namoro fosse adiante: ou ela deitava no divã ou terminaria tudo. “Não queria me relacionar com mulheres que não fizessem terapia. Eu mesmo já fazia há mais de cinco anos e sabia dos benefícios. No início, toda relação é igual: muita paixão e sexo. Depois vão surgindo probleminhas que quem é analisado sabe contornar com mais facilidade”, conta. Deu certo: o casal está junto há onze anos e Celso garante que o relacionamento é extremamente saudável, com cuidados de ambas as partes e nada de cobranças – segundo ele, graças à terapia. “Atualmente, me distanciei da psicanálise, mas reconheço a importância que ela teve no nosso relacionamento. Tem muita gente que leva as neuroses do passado para dentro da relação e aí estraga tudo”, acredita ele.
Segundo a psicoterapeuta Olga Maria Watanabe, há muita diferença entre as pessoas que fazem terapia e as que não fazem. “Isso porque as analisadas conseguem enfrentar com mais facilidade um momento crítico como uma demissão, a perda de um ente querido ou uma decepção amorosa. Elas são mais fortes e bem preparadas para lidar com crises inerentes ao cotidiano”, justifica.
Mas nem sempre a terapia é vista com bons olhos e há quem se queixe da cabeça analisada “demais” do parceiro. O economista Sérgio Torres conta que se envolveu com uma mulher viciada em Freud, Lacan e Jung. “Era chato pra caramba, ela questionava tudo o tempo todo. Cada assunto tinha que ser discutido até a exaustão e o relacionamento ficou arrastado”, reclama. A comissária de bordo Beatriz Saldanha também achava um saco a terapia no ex-namorado. “Ele queria entender o que havia por trás de qualquer bobagem que eu falava e isso me tirava do sério. Parecia até que a analista era um oráculo e ele tinha que consultar a mulher antes de fazer qualquer coisa. Teve uma vez que foi o cúmulo: eu perguntei o que ele estava achando do nosso namoro e ele falou que só poderia responder no dia seguinte, depois que conversasse com a tal psicóloga!”, lembra a comissária.
Em geral, o processo de análise demanda uma ou duas sessões de 50 minutos por semana, mas, dependendo da linha do psicólogo ou da necessidade do paciente, esse número pode ser maior. A professora de inglês e artes Ligia Nogueira fez análise por nada mais nada menos que 16 anos. E chegou a precisar de quatro sessões por semana num período em que estava abalada por questões de saúde. “Não considero exagerado e não me arrependo de jeito nenhum. Foi importante para me livrar de alguns problemas, aprender a viver com as incertezas, aceitar os riscos e descobrir meus reais desejos”, lembra. Para Ligia, fazer análise é tão importante como escovar os dentes, tomar banho e passar desodorante. “Faz parte da limpeza pessoal”, compara. Ela garante que sempre bateu ponto no consultório do analista com o claro objetivo de resolver seus problemas e, assim que se sentiu pronta, deu adeus ao divã . “Eu falava com a minha psicanalista que não queria ficar ali pra sempre. Fomos diminuindo o número de sessões aos poucos, até que parei”, conta.
No entender da psicoterapeuta Olga Maria Watanabe, fazer análise todos os dias soa como exagero. “De modo geral, os psicoterapeutas fazem uma ou no máximo duas sessões por semana, enquanto os psicanalistas freudianos costumam estipular até três encontros”, afirma. A terapeuta ressalta que fazer três ou mais consultas semanais fica caro ou até inviável para a classe média brasileira. A terapeuta Vera Risi lembra que o momento da alta é como um desligamento e deve ser trabalhado com cuidado. “O tratamento não deve ser eterno, mas sim focado em determinadas etapas da vida. O processo leva ao autoconhecimento e, com isso, a pessoa passa a entender como ela mesma funciona e a encarar seus problemas da melhor maneira. Em casos patológicos, pode haver necessidade de consultar um psiquiatra”, ressalta Vera.
Tudo que é extremado ou radical toma ares doentios. “Se o paciente se torna dependente do analista, o problema pode ser do profissional e é ele quem deve trabalhar a questão no divã de um colega”, alerta Olga. Ela diz ser simples detectar se uma pessoa se tornou depentende do psicólogo, passando a ter relação de pai e filho com ele. “O paciente solicita mais sessões do que o habitual ou mesmo telefona para perguntar o que fazer”, exemplifica a psicoterapeuta. Procurar um bom profissional é uma postura prudente antes de mergulhar nos assuntos mais difíceis que passam pela sua cabeça. “Na hora de escolher, nada de ir atrás de anúncios de jornal. É melhor procurar a indicação de um médico ou amigo”, sugere Vera Risi. Afinal de contas, o divã não deve tornar ninguém dependente, muito pelo contrário. “O analista não tem que pensar pelo paciente e sim assegurar que o indivíduo pense por si mesmo através do método de auto-observação, tornando-se um indivíduo autônomo. Isso a gente aprende na faculdade: psicólogo não é pai, mãe, grilo falante, muito menos a voz da verdade”, conclui.