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Um enorme debate sobre relacionamentos e depressão tomou conta das redes sociais após o trágico caso da blogueira Alinne Araújo, que cometeu suicídio um dia após se casar consigo mesma. A decisão de se casar sozinha aconteceu após o então noivo decidir terminar o relacionamento horas antes da cerimônia, que já estava organizada.
Alinne sofria de depressão e detalhou todo o ocorrido em sua conta no Instagram, dedicada a falar sobre o transtorno. Muitas pessoas atacaram a blogueira, condenando a atitude e apontando que ela teria feito tudo por “marketing”. Algumas horas depois, ela se suicidou. O caso ganhou grande repercussão e a morte de Alinne gerou um movimento por menos ódio nas redes sociais, que ganhou coro de muitos famosos.
Mas não foi só esse o debate levantado pelo caso. Na ocasião, Alinne revelou detalhes do rompimento e contou que o noivo, um dia antes do evento, enviou mensagens de texto rompendo o noivado. Foi o suficiente para diversas pessoas apontarem o parceiro como “culpado” por ter terminado dessa forma.
Ataques ao noivo na internet
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Os comentários, recheados de acusações, giravam em torno da famosa “responsabilidade afetiva”. Muitas pessoas condenaram o ex-noivo da jovem, apontando que ele sabia que ela tinha depressão e um vasto histórico de tentativas de suicídio quando optou por desistir do casamento um dia antes da cerimônia.
Orlando Costa, o noivo, decidiu se pronunciar alguns dias depois da morte da blogueira e, em uma entrevista ao “Domingo Espetacular”, da TV Record, deu detalhes de como era sua relação com Alinne, trazendo à tona os distúrbios mentais dos quais a jovem sofria.
Para além do julgamento sobre os certos ou errados da história – que, vale reforçar, é injusto e não cabe a ninguém que estava fora da relação -, a entrevista levantou um debate muito necessário sobre o relacionamento (amoroso ou não) com pessoas que tenham transtornos e doenças mentais.
Ex-noivo de Alinne Araújo detalha relação
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Na entrevista, Orlando contou que, desde o início da relação, tomou conhecimento dos transtornos psicológicos de que a blogueira sofria. Como assuntos relacionados à saúde mental estão apenas começando a ser discutidos com mais naturalidade, as pessoas ainda têm uma ideia muito rasa sobre eles – algo que ele afirma ter percebido somente conforme o relacionamento evoluiu.
“Quando você entra em um relacionamento com alguém que tem depressão, você não sabe o que esperar. Você acha que é uma pessoa triste, que você vai dar todo o seu amor, vai oferecer cuidados médicos e o resultado disso é a cura da pessoa, mas não é”, declarou Orlando.

Visivelmente emocionado, ele lamentou não ter conseguido evitar o pior, mas diz ter tentado seu melhor. “Eu não queria terminar de forma alguma com ela, só que eu já tinha terminado comigo. Eu já não tinha mais vida, era um cuidador dela. Um cuidador, alguém que tentava fazer tudo por ela. Eu não tinha mais o que oferecer”, declarou, explicando também que, mesmo após desistir do matrimônio, permaneceu à disposição a ex-noiva e em contato com quem estava perto dela.
Apesar de ter recebido uma enxurrada de críticas nas redes sociais, Orlando afirma que tem o apoio da família de Alinne e que não culpa a ex por nada. “Ela tentava [melhorar], sofria muito com isso, a culpa não é nem um pouquinho dela, nem minha, nem de ninguém, é dessa doença maldita. […] Eu tentei de tudo, mas não consegui”, afirmou Orlando.
Namorar alguém com depressão: o que dizem os psicólogos?
Ainda que seja relacionada às emoções, a depressão é um distúrbio químico de causas hormonais, sociais e genéticas que, em resumo, faz com que a pessoa seja dominada por angústia e vazio. Muitas vezes, ela deixa de sentir prazer no que antes sentia – e, segundo a psicóloga Livia Marques, isso certamente é capaz de afetar um relacionamento amoroso.
Conforme explica a especialista, quem tem esse ou outros distúrbios psíquicos como o transtorno bipolar ou o transtorno borderline costuma apresentar pessimismo exacerbado, momentos explosivos e certa impulsividade, comportamentos que certamente podem desequilibrar qualquer tipo de relação, especialmente a amorosa.
De acordo com a também psicóloga Ellen Moraes Senra, a vida sexual, por exemplo, pode ser um âmbito bastante afetado do relacionamento. “Alguns transtornos depressivos podem gerar uma diminuição radical da libido e, além disso, também pode haver o oposto. Pessoas com borderline, transtorno de ansiedade ou bipolaridade podem entrar em fase de hiperlibido. Ela fica lá em cima e mesmo assim a pessoa nunca consegue se satisfazer”, afirma a especialista.
Além disso, a psicóloga cita também algo que, dependendo da gravidade do quadro, é inevitável. “A dependência emocional desses pacientes é muito intensa, independente de que transtorno nós estejamos falando”, diz ela, e ambas as terapeutas afirmam que todos esses comportamentos requerem um grande empenho por parte do companheiro ou companheira desta pessoa.
Isso, por sua vez, é tão difícil quanto parece. De acordo com as duas psicólogas, é essencial oferecer apoio e carinho, bem como ser compreensivo com a situação da outra pessoa, mas isso frequentemente “drena” as energias do parceiro ou parceira – caminho que, em boa parte das vezes, leva à culpa.
“Temos uma relação de dependência onde uma pessoa está emocionalmente comprometida e a outra pessoa está sendo sugada, se tornando uma espécie de base para a pessoa que está adoecida naquele momento”, afirma Ellen, frisando que, obviamente, a pessoa não tem culpa por estar sentido o que sente devido à doença.
De acordo com Livia, é essencial oferecer apoio, carinho e buscar tanto entender os sintomas que essa pessoa apresenta quanto garantir que ela receberá auxílio profissional e tratamentos adequados. Porém, além disso, é crucial que o companheiro ou companheira jamais se esqueça de cuidar de si – já que, conforme explica, a situação não é nada fácil para nenhum dos dois.
Terminar o relacionamento com uma pessoa depressiva

De acordo com ambas as terapeutas, é extremamente comum que o parceiro ou parceira de alguém com depressão ou qualquer outro distúrbio do tipo sinta culpa pelos sintomas que o outro apresenta, bem como pela falta de ânimo em permanecer em um relacionamento com ela. Isso, porém, não significa que essa culpa realmente exista.
Segundo Ellen, quando em um relacionamento com alguém que está fragilizado por um distúrbio, é preciso demonstrar parceria, mas a responsabilidade emocional só vai até um ponto. O companheiro ou companheira deve, por exemplo, se mostrar interessado no tratamento e contribuir para que ele funcione, além de acolher a pessoa e suas aflições, mas o restante está fora do alcance.
É preciso também ter em mente que não ter mais vontade de seguir nesse relacionamento pode acontecer (como em qualquer outro). O conselho é para que tudo seja bem pensado. “O local onde vai ser feito, saber se vai ter alguém por perto para dar suporte emocional para essa pessoa após o término são fatores que devem ser considerados”, explica Ellen.
Como viver bem o relacionamento: dicas

Ainda que um relacionamento assim exija muita compreensão, paciência e apoio de ambas as partes, tornar a relação equilibrada e caminhar para um estado emocional positivo tanto para quem não está mentalmente bem quanto para quem não sofre de distúrbios é, sim, possível – e, segundo as psicólogas, alguns hábitos podem contribuir com esse processo:
1. Psicoeducação
Para se relacionar com alguém que está lutando contra um transtorno como a depressão, a ansiedade, a bipolaridade, entre outros, é extremamente importante conhecer as particularidades do problema com o qual a pessoa foi diagnosticada. Segundo ambas as especialistas, buscar esse conhecimento é psicoeducar-se, algo que ajuda a descomplicar o relacionamento.
“Procure entender tudo que envolve o transtorno de que essa pessoa está sofrendo, dessa forma você pode saber o que é ou não natural para o quadro clínico daquela pessoa, pois às vezes é só uma demanda emocional que não tem nada a ver com o quadro”, afirma Ellen, e Livia completa, reforçando a importância de ter fontes confiáveis. “Busque informações com pessoas que possam te dar informações coesas, assertivas, que podem auxiliar”, diz ela.
Segundo Livia, buscando psicoeducar-se com um profissional (ou seja, fazendo terapia), é possível aprender técnicas para identificar quais gatilhos são capazes de disparar certos comportamentos na pessoa que sofre de algum distúrbio mental, fazendo com que situações tensas possam então ser evitadas ou contornadas com mais facilidade.
2. Diálogo aberto

Em qualquer relacionamento, manter uma boa comunicação é essencial, mas para uma relação em que uma das partes não está mentalmente sã, isso é mais importante ainda. Em um impasse gerado pela diferença de desejo sexual entre os parceiros, por exemplo, a única solução é conversar para que as duas pessoas entendam a situação uma da outra e decidam juntas qual caminho seguir.
Livia afirma também que é necessário entender o que o outro procura na relação. “Entenda o que essa pessoa espera de um relacionamento. O que é um relacionamento para essa pessoa? Amoroso? De pai para mãe? De pai para filha? O que ela está esperando? Às vezes, ela só transfere o cuidado”, afirma a psicóloga, ressaltando que este é outro ponto que deve ser esclarecido por meio de conversas francas.
3. Incentivar e acompanhar o tratamento
Conforme explica Ellen, ter empatia e apoiar o parceiro ou parceira é essencial em qualquer relacionamento – especialmente para os desse tipo. Nesse caso, incentivar compreende estimular o companheiro ou companheira a buscar um tratamento adequado, tomar a medicação de forma regular (quando ela for receitada por um especialista), oferecer companhia para ir à terapia e perguntar sobre a situação de maneira não invasiva, por exemplo.
Fazendo isso, é possível entender melhor o quadro da outra pessoa (bem como sua evolução), algo que ajuda o parceiro ou parceira a saber como se comportar com ela.
4. Terapia para ambos
Assim como a situação não é fácil para a pessoa que sofre de um distúrbio, ela também não é simples para quem está em torno dessa pessoa – e isso faz com que ambas possam precisar de ajuda profissional.
“Um pode estar caindo por estar segurando e o outro pode estar caindo por estar sofrendo ou tentando esconder esse sofrimento para não magoar o outro”, explica Livia.
Para ela, é essencial que quem se relaciona com alguém que sofre de distúrbios como depressão e ansiedade possa desabafar e encontre acolhimento. “Essas pessoas precisam ser vistas, cuidadas, ouvidas e validadas”, afirma ela, ressaltando que é imprescindível que elas não descuidem do autocuidado na hora de se dedicar ao outro.
5. Válvula de escape
Conforme explica Ellen, estar em um relacionamento assim é, sem dúvidas, desgastante, então é essencial que o parceiro ou parceira de alguém com distúrbios psíquicos busque válvulas de escape.
“Procure se resguardar. Realmente, pessoas com transtornos mentais e emocionais tendem a sugar em demasia o parceiro, então é importante que essa pessoa reserve um tempo para si, para fazer atividades que não tenham uma carga emocional muito elevada e então ter as energias renovadas quando vir o parceiro novamente”, explica a psicóloga.
6. Saber se retirar

A transparência que é necessária no diálogo entre essas pessoas deve, segundo as psicólogas, se manifestar inclusive em momentos mais tensos. Em discussões, por exemplo, Livia aconselha exercitar o autocontrole, retirando-se da situação ao perceber que a conversa está fugindo do controle e retomando-a em um momento mais propício.
Isso, porém, precisa ser feito com cuidado. “Quando achar que não está dando conta, [é preciso] ser franco e dizer: ‘Olha, nesse momento eu preciso me retirar porque está sendo demais para mim e agora eu não vou conseguir lidar’. Sempre, é claro, se certificando de que tem alguém que fique por perto dessa pessoa”, acrescenta Ellen.
7. Falar sobre saúde mental
Tanto dentro quanto fora do relacionamento, discutir um tema que ainda é tão cercado de estigmas é, para Livia, uma forma de ajudar essas pessoas. Segundo ela, se abrir sobre essas doenças e seus sintomas em uma relação é algo que requer muita coragem, e retirar o tabu que as envolve pode tornar tudo mais fácil.
“O tabu em relação à depressão precisa ser quebrado para que a rede de apoio – pais, responsáveis, etc – possa ajudar essas pessoas. É preciso saber cuidar de si e do outro, com responsabilidade afetiva de ambos os lados”, explica a psicóloga.
8. Entender que é possível ter uma relação feliz

De acordo com Livia, a doença pode fazer com que as pessoas não tenham desejo de ter um relacionamento amoroso, mas, caso elas manifestem esta vontade, é, sim, possível que ele dê certo – sempre com o cuidado de não ver o namoro como um “bote salva-vidas”. Para estar bem com alguém, é importante estar bem consigo, então a terapia para quem está doente neste caso é fundamental para assegurar a viabilidade do relacionamento.
Para ela, com o apoio tanto de profissionais quanto de um parceiro ou parceira que se empenhe em entender a situação, se interesse pelo bem-estar do outro e de fato o ame, é plenamente possível ter um bom relacionamento e até uma melhora no quadro clínico do paciente.