Quem diria que, logo na terra da tão aclamada “liberdade, igualdade e fraternidade” os consumidores seriam tratados como qualquer outra coisa, menos consumidores? Se você costuma reclamar quando compra uma TV que não funciona (ai, que trabalhão ter que ir até a loja para trocar o aparelho), aqui, querida, você corre o risco de ficar sem. No meio de tanta burocracia, as lojas, bancos e afins só enxergam o próprio umbigo, porque do nosso, bom, a gente que cuide! Se você é daquelas que costumam reclamar do péssimo serviço brasileiro aos consumidores, bom, você não viu nada ainda… Andei tendo algumas boas aventuras por aqui! Na França, amiga, “consumidor” é grego.
Marinheira de primeira viagem, eu não sabia que poderia trazer meu celular desbloqueado do Brasil e, então, comprar apenas um chip francês por aqui. Por isso, me aventurei na compra de um aparelho – paguei 30 euros num pré-pago meio fajutinho (90 reais – não consigo não fazer a conversão mental, seja comprando uma balinha de 20 centavos de euro – 60 centavos de real – ou um celular), mas, fala sério, telefone só precisa tocar, ligar, passar e receber mensagem. Uma amiga fez a mesma coisa, no entanto… não teve a mesma sorte que eu (que estou com o aparelho funcionando até hoje, graças a Deus!). O dela pifou com menos de uma semana de uso.
Eu não sei se eles conhecem a expressão “com defeito de fábrica”, mas francês é que nem homem: orgulhoso. Não, o problema nunca é com eles
Aí você pensa: “O.K., agora ela vai até a loja e troca”, certo? Sim, claro, não existe lógica maior no mundo do que essa, mas os franceses não têm lógica – ou pelo menos a canalizam para outros assuntos (não os amorosos – esses com certeza também não, mas essa é uma outra história…), porque, em se tratando de consumidor, nada aqui tem lógica. O que você pode esperar, afinal, de um país onde não existe ligação 0800? Eles têm até um tal de numéro vert (número verde) à disposição dos consumidores, mas a ligação só é gratuita se for feita de um telefone fixo.
No mais, se você tem algum problema, alguma dúvida, vai colocando a mão no bolso, como tive que fazer quando a minha internet deu pau. Fiquei uns 20 minutos (pagos, muito bem pagos!) no telefone para tentar restabelecer o meu sinal wireless. E ainda chamam isso de ligação “à coût partagé” (com custo dividido). Dividido com quem, cara pálida? Ótimo eufemismo de marketing. Mas aqui é assim: pagou, levou. Deu problema, também! E é aí que entra a história do celular.
Como eu ia dizendo, uma amiga e eu compramos um pré-pago e o dela parou de funcionar misteriosamente. O aparelho simplesmente não carregava, era como se estivesse com mau contato – sabe quando você dá aquele azar de pegar a leva de produtos ruins da fábrica? Então, foi certamente o que aconteceu com ela e, solidária, a acompanhei até a loja para trocarmos o aparelho. “Não trocamos esse tipo de aparelho” foi o que ouvimos do vendedor. “Como assim?” (minha amiga devia estar pensando: “sou gringa, mas nem tanto! Vai me explicando isso direitinho, seu vendedor maluco!”). O homem respondeu dizendo que os aparelhos pré-pagos são uma merde (sim, usando esse palavreado mesmo), que ela deveria ter feito um plano pós-pago e que ele não poderia fazer nada por ela, porque nenhuma loja na França troca um aparelho pré-pago. “Mesmo com defeito de fábrica?”, ela perguntou. “Na nossa loja não existem produtos defeituosos, mas o máximo que podemos fazer é averiguar o que aconteceu e ver se tem conserto”.
Eu não sei se eles conhecem a expressão “com defeito de fábrica”, mas francês é que nem homem: orgulhoso. Não, o problema nunca é com eles. Foi a brasileira que, provavelmente, jogou o aparelho dentro da água, oxidando uma das peças. Sim, quando o relatório da revisão chegou (três meses depois), constava que o celular estava oxidado por dentro e o vendedor sugeriu exatamente isso: “Você deve ter colocado o aparelho dentro da água”. “Ah, sim, esqueci de dizer que dei uma passadinha no Brasil e resolvi levá-lo para um mergulho na praia”. Ela não respondeu isso, mas deveria, não deveria?
Bom, eles venceram. Minha amiga não conseguiu trocar o aparelho, porque “na França não se trocam aparelhos pré-pagos”, mesmo se ele pára de funcionar no mesmo dia ou semana da compra. Tá, tá, agora todo mundo já sabe. Mas ela também não deixou barato! Conhece algum brasileiro que não sabe se defender? Quando ela deixou o aparelho na revisão, emprestaram para ela um celular da loja (isso, é claro, depois de muito tempo de insistência, porque queriam que ela deixasse um cheque caução de 120 euros – 360 reais). Quando ela voltasse para pegar o celular antigo, ela devolveria o da loja, mas, como o vendedor era outro e como ela não tinha deixado nenhum cheque, então o celular da loja virou o dela. Ninguém cobrou, ela não devolveu. Não que ela tenha saído ganhando, porque o aparelho já está todo usado, desgastado, riscado, mas pelo menos ela não precisou comprar um novo!
Outros dramas nessa linha envolvem malandragens de banco (que diz que não vai cobrar por tal serviço, mas, no extrato, você vê que cobrou), contratos que não dizem o quanto você vai pagar pelo seguro do apartamento, por exemplo (o homem do outro lado do balcão diz: “Então, são X euros. Assine aqui”. Você lê, vê que está tudo legal, sabe que aquele é o preço, porque o vendedor te mostrou na brochura, mas, quando vai ver seu extrato – tudo aqui é debitado diretamente da sua conta – você vê que teve taxa disso, daquilo… E nem uma alma viva te avisou – e muito menos estava escrito em algum lugar! “Valores não costumam vir no contrato”, me disseram uma vez). Em tempo: um amigo que cursa Direito acabou de me informar que na França não existe Código de Defesa do Consumidor (!!!). Ahhh, agora está tudo está explicado!
Enfim, é por isso que ser consumidor aqui é uma verdadeira aventura, um jogo de esconde-esconde, de pega-pega, de gato e rato. Ontem mesmo fui à caça (ao mercado) e dei de cara com a porta fechada. Primeiro de maio, dia do trabalho. Tudo bem, a gente perdoa. Mas você já viu supermercado que não abre nem no domingo? Pois é, o aqui perto de casa! Não sei por que baiano é quem leva a fama de preguiçoso! É, deixo a lista de compras para hoje – torçam para que não resolvam emendar!