Ela trocou de profissão por causa do câncer e achou forma especial de ajudar pacientes

por | out 25, 2018 | Comportamento

Fernanda Muniz é carioca, tem 34 anos, é mãe da pequena Maria Fernanda, de apenas seis anos, e enfermeira de formação, sendo que já trabalhou até em CTI (Centro de Tratamento Intensivo). Para além de todas essas qualidades, ela é realmente uma mulher linda. Em todos os sentidos. E essa beleza se traduz em um ensaio mais do que especial que aceitou fotografar após a descoberta do câncer de mama.

Há dois anos, ela descobriu um tumor hormonal que se iniciou em sua mama direita e mudou de vez a sua vida. O diagnóstico foi apenas o início de uma longa e difícil jornada, de aceitação e tratamento, e também de reinvenção de si mesma.

Os longos cabelos cacheados se foram, um relacionamento ficou pelo caminho, mas Fernanda criou uma nova – e incrível! – profissão, que tem tudo a ver com o ensaio sensual clicado pela Fundação Laço Rosa, que apoia mulheres com câncer de mama.

As fotos fazem parte da campanha #50TonsDeRosa, em parceria com a FQM Ginecologia/Hidrafemme, cuja ideia principal é provar que existe vida, apesar do câncer, abordando a sexualidade da mulher em tratamento ou curada da doença.

Foi a vontade de viver de Fernanda que possibilitou essa história cheia de coragem. Conheça:

Diagnóstico de câncer de mama

Em novembro de 2016, Fernanda descobriu um pequeno nódulo na mama direita durante o banho. “Eu já sabia que era um câncer. Tinha essa intuição. Sempre conheci meu próprio corpo e quando eu senti uma espécie de ‘carocinho’ ali, eu sabia que era um câncer”, conta.

A primeira atitude foi marcar uma consulta com o ginecologista para a mesma semana. Além do exame de toque, o médico pediu ultrassom e tomografia. Os resultados indicavam uma massa cinzenta que poderia ser um tumor. Somente a biópsia confirmaria se o nódulo era cancerígeno ou não.

Quem abriu o envelope com o resultado do exame foi a mãe de Fernanda, Dona Edina, que não entendeu o laudo e acreditou que a filha estava livre da doença.

Metástase

Quando Fernanda foi ao mastologista, ela recebeu o que seria uma boa notícia: “Ele disse que por conta do tamanho do meu nódulo, nós poderíamos operar. Mandou eu ir curtir meu Carnaval, que, na volta, com os exames, marcaríamos a cirurgia”. Mais uma vez, a intuição da enfermeira falava mais alto.

Ela decidiu aceitar a dica de uma amiga e procurou um oncologista. Já na primeira consulta, levou um susto: o tumor que antes tinha 1,5 centímetros cresceu para 4,5 centímetros, entre dezembro e fevereiro.

O crescimento acelerado é justificado pelo tipo de câncer que a acometeu. Em seu caso, o tumor era “alimentado” pelos hormônios que seu próprio corpo produzia e o porquê disso é até hoje desconhecido pela equipe médica, já que ela não atende ao perfil de idade, não possui histórico familiar e nem fazia uso de hormônios – como os da pílula anticoncepcional, que abandonara há cinco anos.

Como o tumor já era muito grande para a cirurgia, a saída foi partir para a quimioterapia. Durante a realização do PET CT – um exame de imagem que avalia o metabolismo das estruturas analisadas, mais especialmente osso, músculo, cérebro, pulmão e fígado, entre outros órgãos – ela recebeu a notícia que realmente a abalou. Foram descobertas metástases em seu quadril e na coluna.

Apesar de todo o apoio de seu médico e da família, ela confessa que esse foi um dos momentos mais difíceis de todo o tratamento. “Medo da doença eu tinha, mas com a metástase veio o temor, a certeza de que eu fosse morrer. É como se eu saísse dessa zona de sobrevivência. Eu achei que tinha dia e hora para morrer”, conta.

O câncer de mama é o segundo câncer mais comum nas mulheres, só perde para os cânceres de pele não melanoma. O número de casos cresce entre 5 a 10% ao ano, mas quando diagnosticado precocemente, a chance de cura é de 95%, de acordo com o Instituto Oncoguia.

Apesar do momento de medo e desespero, a doença trouxe uma nova maneira de enxergar a vida, que começou a fazer sentido no momento seguinte.

“No outro dia, eu parei para pensar em tudo o que estava acontecendo. Pensei que, como enfermeira, eu tinha trabalhado com tantas pessoas em doenças tristes. Aceitei que eu não tinha nada de diferente delas, que se eu tinha que passar por aquilo, eu iria passar e iria vencer, porque eu amava muito a minha vida e tinha a minha filha, que era um dos motivos para eu lutar”, relata.

Quimioterapia

As sessões de quimioterapia começaram. Foram seis ciclos com intervalos de 21 dias. Por conta da pouca idade, Fernanda passou tanto pela quimioterapia vermelha – que leva esse nome por conta da coloração que os medicamentos ganham após sua diluição e devido seus efeitos colaterais, principalmente a queda de cabelo – quanto pela quimioterapia branca – que abrange praticamente todos os demais medicamentos e tem como efeitos colaterais reações alérgicas, alterações nas unhas, dores musculares, formigamento de mãos e pés, diminuição das células do sangue e queda de cabelo.

Foram quase seis meses de sessões. Fernanda teve todos os sintomas comuns dessa fase do tratamento: náuseas, vômitos, diarreia, tonturas e falta de disposição: “A gente não tem controle sobre o nosso próprio corpo. Na primeira quimio, a gente nunca sabe o que vai acontecer e, no terceiro dia, aparecem todas essas reações”, conta.

Todos os dias uma injeção era aplicada para que a imunidade de Fernanda não ficasse muito baixa – o que é comum em pacientes com câncer.

Para a queda de cabelo, Fernanda se preparou, comprando perucas e lenços. Os longos cabelos cacheados de Fernanda, que eram sua marca registrada, começaram a cair exatamente 15 dias após o primeiro ciclo.

“Eu sai do banho, fui pentear o cabelo e quando comecei a passar o pente, o cabelo começou a cair”. Depois de cumprir todos os compromissos do dia, ela procurou um salão e cortou os fios bem curtinhos. Todos os dias, Fernanda perdia maços de cabelo no travesseiro, no banho, a cada vez que passava as mãos nos fios. Isso fez com que ela se decidisse por raspar totalmente e se assumisse careca.

“Foi a pior semana que eu passei. Quando eu tinha o cabelo curtinho, eu não sabia me arrumar, usava lenço, óculos, peruca. Quando eu raspei, comecei a me olhar no espelho e me via, me sentia bem”, diz.

Para contornar a situação inevitável, ela se empoderou e mostrou que, apesar de estar doente, estava bem. “Comecei a usar brincão, uma maquiagem mais ousada, umas roupas diferentes e as pessoas achavam que eu estava estilosa e não doente. Eu ‘estava’ doente naquele momento, eu não ‘era’ doente e, então, assumi a minha careca e encarei todo o processo da minha doença cheia de atitude”, conta.

Sexualidade e o câncer

Por conta do tumor hormonal, Fernanda precisou induzir a própria menopausa. Ela começou um tratamento que será para toda a vida com medicamentos e injeção. Os efeitos disso foram a piora de sua vida sexual.

Apesar de viver um relacionamento na época, ela conta que durante o tratamento não havia percebido os sintomas que começaram a surgir com a menopausa antecipada.

“Com a quimio você nem pensa em sexo. Parece que você é uma bateria: todo dia após a sessão, você vai descarregando até chegar a 0”, fala.

Depois de cumpridos todos os ciclos, sinais como queda da libido e falta de lubrificação começaram a surgir. “Eu fiquei sem entender o porquê daquilo, ninguém me explicou que eu teria um ressecamento vaginal. Existe todo um tabu dentro do ser humano – e na medicina também – em falar sobre sexualidade, eles não falam sobre o mais profundo da relação humana, eles tratam o câncer e não o interior do paciente, então você fica sem informação do que que realmente está acontecendo”, pondera.

Fernanda conta que começou a fugir do namorado e que a verdadeira percepção do que estava acontecendo com seu corpo, só veio com o término da relação, que ela afirma não ter sido motivada por isso.

“Uma vez tivemos relação e eu senti dor. Acabei ficando com medo de sentir de novo. Esperava ele dormir, não queria que ele ficasse muito perto. Cheguei a me afastar do meu parceiro dessa maneira sexual. Depois percebi que precisava ter isso do afeto. Não era só o fato de sexo em si. Quando falamos de prazer, relaxamento, tudo isso envolve o sexo e isso estava me fazendo mal em relação à autoestima”, relata.

Voltar a trabalhar

Em meio a um momento de incertezas pessoais, Fernanda procurava ainda por um novo caminho profissional. Por causa da doença e da mastectomia total da mama direita, em setembro de 2017, o trabalho bastante braçal como enfermeira de CTI não seria mais possível.

Durante um encontro mensal com pacientes com câncer, uma palestra sobre sexualidade a fez tirar diversas dúvidas sobre o momento pelo qual vivia e descobrir uma nova caminhada profissional.

A especialização em tecnologia sexual na saúde e educação tem trazido um novo significado para a sua vida. “Tive muitas respostas às minhas perguntas. Redescobri o prazer e que é possível ter, sim, prazer de uma forma diferente. Passei a abrir o leque de outras maneiras e encontrar a potência que a sexualidade tem”, reflete.

Fernanda afirma que o sexo é um tabu ainda maior para as mulheres, principalmente as que estão em tratamento. “A mulher quando está doente acha que não tem o direito de ter relação sexual, porque ela tem que lutar para viver, mas o sexo faz parte do funcionamento do corpo humano e é importante para a saúde e bem-estar”, explica.

Seu ativismo em relação à saúde sexual e bem-estar da mulher a fez participar também do ensaio sensual que ilustra essa entrevista. “Eu precisava me ajudar e ajudar outras mulheres com os mesmos sintomas. Tendo conhecimento eu poderia propagar as informações do meu aprendizado. A campanha da Fundação Laço Rosa falando sobre a sexualidade é a nossa voz gritando por informações”, fala.

Novos desafios

Depois de uma primeira batalha vencida, Fernanda terá que tomar remédios para o resto da vida, pensando em evitar que um novo câncer hormonal surja. Além da retirada completa da mama direita, ela também precisou retirar os ovários que produziam um número elevado de hormônios perigosos para seu tipo tumoral.

Hoje, sua rotina de saúde envolve exames de sangue com rotina e alguns sustos, como o de agosto de 2018, quando ela começou a sentir dores abdominais e seu primeiro pensamento logo foi um novo tumor. As suspeitas fizeram com que um novo PET CT fosse solicitado e com ele uma boa notícia: não existem mais focos de tumor na mama, coluna ou bacia e nem em qualquer outro lugar de seu corpo.

Até completar cinco anos de seu diagnóstico, exames de sangue serão colhidos para marcadores tumorais. De toda a vivência com a doença, Fernanda tirou um aprendizado.

Outubro Rosa