Ele diz que quer, mas não quer. No dia seguinte, manda flores e quando você liga para agradecer, ele é o sujeito mais frio da face da Terra. Antes de dormir, o telefone toca. É ele, “só para dar boa noite”. Então, finalmente, quando você acha que a coisa vai engrenar, ele desaparece e dá um bolo naquele jantar que ele mesmo insistiu em combinar. Pode existir situação mais angustiante do que se apaixonar por alguém que vive em cima do muro? Conviver com a insegurança dessas criaturas mal resolvidas – e com as dificuldades de um relacionamento indefinido – pode transformar a vida de qualquer um num jogo de medos e incertezas.
A administradora financeira Marcela Girão viveu muito mais do que isso. “Foi um estresse emocional muito grande, eu era muito jovem e me senti mergulhando no escuro”, analisa ela, que com 21 anos se apaixonou por um amigo de adolescência. “Tínhamos uma relação puramente de amizade, éramos até muito próximos”, diz. Amizade até a quarta caipirinha. “Uma vez, numa festa, tomamos um porre e acabamos ficando. Depois disso, foi quase um ano e meio de tortura. Ficamos inúmeras vezes e a noite sempre terminava com um ‘não, não tem nada a ver'”, lembra. Hoje, Marcela acredita que o medo maior era de comprometer a amizade em função de algo completamente desconhecido. “Não sabíamos como ia ser se a gente namorasse. Mas eu dizia sempre para ele que se não tentássemos, continuaríamos sem saber. A coisa já tinha acontecido, já estava rolando um outro sentimento entre nós. Seria no mínimo desonesto e ridículo fingir que continuávamos apenas bons amigos”, complementa.
Foi preciso que a situação chegasse ao limite para que fosse resolvida. “Depois do milésimo ‘não tem nada a ver’, tive uma estafa e fiquei doente. Prometi para mim mesma que nunca mais iria procurá-lo, que aquilo já estava fazendo mal para o meu corpo. Mas não resisti quando ele chegou no hospital com flores, me pedindo em namoro. Confesso que tive um pouco de medo, mas aquilo que a gente não sabia o que era já tinha se transformado em paixão”, conta Marcela, que trocou alianças, depois de mais um ano de namoro, dessa vez sem preocupações. “História de cinema!”, conclui.
Mas nem todo filme tem final feliz. Principalmente se o casal protagonizar uma história com jeito de sessão de segunda à tarde, num espaço cultural obscuro, sem legendas. “Não conseguia entender nada”, diz o geógrafo Francisco Muniz, que se apaixonou por uma lésbica. “Ela me dizia que não queria nada comigo, mas vivia correndo atrás. Me chamava para passarmos a noite juntos, rolava um clima muito forte, mas, na hora H, ela sempre dizia que não. Ficamos num relacionamento indefinido durante muito tempo”, conta. Mesmo apaixonado, Francisco não agüentou o pingue-pongue sentimental e decidiu dar um ponto final na história. “Existia alguma coisa que impedia que ela assumisse um relacionamento comigo, mas era claro que ela também estava a fim. Então, passamos a fazer um jogo de ciúmes, o que piorou a coisa ainda mais porque envolveu outras pessoas no caso. Foi um turbilhão nada sadio de sentimentos. Acabei saindo machucado dessa história”, recorda.
Um dos maiores problemas desse tipo de relacionamento é a liberdade, já que viver em cima do muro não é garantia de ter uma relação aberta. “Comecei a ter um rolo com um cara que decidiu não assumir nada. Eu até estava a fim de algo mais sério, mas, apesar de estar gostando dele, abstraí o assunto e acabamos naquele esquema ‘a gente se pega por aí’, deixando o barco correr”, conta a jornalista Luana Magno. Mas a maré não estava pra peixe e a navegação não foi das mais tranqüilas. “Nos falávamos com alguma freqüência, até porque fazíamos parte do mesmo grupo de amigos. Ficávamos de vez em quando, mas o Ricardo vira-e-mexe aparecia com outras mulheres. Embora eu tenha demorado um pouco para me conformar com aquilo, me senti livre para levar outros caras às festas”, lembra. Pouco tempo depois, Luana apresentou aos amigos um novo caso. “O Ricardo ficou transfigurado. Tentou me agarrar, bebeu, deu um chilique. Foi deprimente. Ele não queria assumir nada, mas queria me deixar presa a ele, me fazer de iô-iô. A partir daquele dia, fico sempre com o pé atrás com esses caras que não sabem se vão ou se ficam. Comigo tem que ficar tudo muito bem esclarecido”, afirma.
Segundo a psicóloga Patrícia Madruga, nem sempre o que fala mais alto na hora de assumir um relacionamento são os sentimentos. “O ciúmes já é um sintoma de que se está gostando do outro, mas isso não é o suficiente”, afirma. Para ela, se o medo for maior do que a paixão, as dificuldades são grandes. “A origem disso pode estar em uma família não muito bem estruturada, sem referenciais de relacionamento ou em um trauma de outro caso, em que a pessoa se envolveu e não se sentiu correspondida à altura. Então, acaba-se criando uma bola de neve”, explica.
Por isso, terminar um namoro e engatar num outro relacionamento é garantia de viver uma situação do tipo. E quando os dois estão de ressaca, a carência vira a dor de cabeça. “Tanto eu quanto ele estávamos terminando um relacionamento de quatro anos. E a coisa começou a rolar quando ainda estávamos naquela fase de descongelamento”, lembra a analista de sistemas Lúcia Vieira. “Foi tudo muito confuso no começo, porque trabalhávamos juntos e logo nos identificamos com os problemas do outro. Acabamos confidentes”, conta. Com os relacionamentos terminados, o clima apareceu. “Éramos muito diferentes e eu acabei descobrindo nele tudo o que meu ex-namorado não tinha e vice-versa. Começamos a ficar e eu, que estava muito carente, acabei me apaixonando”, conta.
Entretanto, o rapaz não tinha os mesmos objetivos. “Ele ainda se sentia muito preso à namorada. E como se não bastasse isso, me deixava ainda mais insegura porque não me dava a menor certeza do que estava sentindo”, afirma Lúcia. O tempo foi passando e um cenário de possibilidades foi se abrindo. “Já estávamos juntos, diariamente, há duas semanas. Ele me convidou para almoçar na casa dos pais do melhor amigo, me tratou quase como noiva e até me levou num jogo de futebol, daqueles fechados, tipo Clube do Bolinha”, recorda. Mas, na hora do pênalti, a bola foi fora e o jogo seguiu zero a zero. “Fomos para a cama e, na hora H, ele começou a chorar, dizendo que gostava muito de mim e não queria me magoar. Fiquei em estado de choque e, quando já estava me arrumando para ir embora, o desgraçado me abraça, me beija e não quer desgrudar, dizendo que eu faço ele muito feliz. Vai entender! Dei um chute no cara!”, finaliza Lúcia, mostrando que decidir o campeonato no WO não é tão mal assim. “Antes só do que mal acompanhada!”, conclui.