Entre a dor e o prazer

Não precisou o funk lançar moda ou a Tiazinha invadir as casas com o chicotinho na mão, para a febre do “tapinha” aflorar a imaginação das pessoas e cair na boca do povo. Entre quatro paredes, o melhor a fazer é se despir, das roupas e dos preconceitos. Ali vale tudo. O limite entre um tapinha e uma boa palmada está no prazer que eles proporcionam. Antes que a discussão caia no que é ou não normal, saiba que, independentemente de preferências, você não está sozinha no mundo. Há quem sinta prazer com a dor e quem prefira apenas carinho. Entre tapas e beijos, o que não pode faltar é, além de segurança e consenso, cumplicidade e respeito acima de tudo.

O tema é polêmico e cercado de preconceito. Mesmo quem gosta de um sexo mais violento, se culpa e não quer assumir a fantasia. Para evitar situações constrangedoras, é essencial que os parceiros tenham intimidade. “Adoro que me peguem com força, segurando meus cabelos. Acho que o ato sexual tem um lado mais exaltado que a maioria das pessoas confunde com agressividade, mas não é. Na minha opinião, isso é apenas um dos ingredientes. É claro que, se misturado com carinhos, beijinhos e abraços, fica mil vezes melhor, ou melhor, aí é que fica bom!”, comenta a vendedora Renata Medeiros, que acha válido todas as formas de prazer, desde que o casal tenha cumplicidade. “Já fui até amarrada, mas existia contexto, foi meu próprio marido e eu é que estava pedindo”, lembra.

Tapinhas à parte, essa história deixa as pessoas de cara feia e cabelo em pé, porque é logo associada à idéia de sadomasoquismo, uma prática que talvez tenha sido mal batizada. A origem é Sade e Masoch, que nada tem a ver com o que encontramos hoje. Sade procurava vítimas. Os “sados” procuram parceiros. “Para dominar ou submeter uma pessoa, existem muitos caminhos. Pode-se torturar uma pessoa de várias maneiras. Pense em você, amarrada numa cama, com lençóis macios de seda branca, com um homem passando uma pena de pavão nas mais escondidas dobrinhas, nas costas, no pescoço. Isso é tortura também. Deliciosa, diga-se de passagem!”, define a Mistress Bárbara Reine, uma adepta da prática e fundadora do grupo SoMos, formado por pessoas que quebraram seus tabus e deram asas às suas fantasias. “Mas por acaso isso tem a ver com o que você pensava sobre o assunto? Todo mundo acha que é sofrimento, dor, maldade e não precisa ser”, esclarece.

Expor desejos é bom e saudável, mas pode gerar as mais diversas reações. “Quando o parceiro não tem os mesmos gostos, pode até fazer o que você pede, mas não vai se sentir confortável nesse papel. Claro que já falei dessas fantasias, mas o resultado não foi dos melhores, faltou espontaneidade”, comenta a artesã Irene Martins, que se considera uma ‘sado-maso’. “Todas as minhas fantasias sexuais incluem algo como um tapinha ou mesmo uma situação, que uma pessoa muito normalzinha consideraria humilhante. Acho excitante, na hora do vamos ver, o macho mostrar quem manda no pedaço, expressando isso naquela famosa pegada, puxando o cabelo, dando tapinhas ou mesmo ordens que ‘devem’ ser cumpridas”, garante.

Além de dar prazer, um tapinha pode apimentar a relação sexual. “Tudo que for acordo do casal e não prejudicar físico e psicologicamente nenhuma das partes é bom, saudável e até necessário. Sexo é maravilhoso, mas subaproveitado. É de graça e as pessoas ficam fazendo burocraticamente, sem nenhuma criatividade e isso prejudica a relação. Eu recomendo essa e outras variações que enriqueçam o casal “, sugere Aílton Amélio da Silva, autor do livro “Mata de Amor”. Ele só ressalta um lado que pode ser negativo nesse jogo. “As cenas de humilhação devem ficar restritas à cama, não podem invadir as outras áreas da relação. Quando essa fantasia invade a realidade pode trazer malefícios psicológicos para uma das partes e aí deixa de ser saudável”, afirma.

De A a Z, um tapinha pode causar diversas sensações. Tudo vai depender da intensidade com que ele é dado e da sensibilidade de quem recebe. A definição é pessoal, mas descobri-la parece ser preferência nacional. “Nunca fui chegado a porrada na transa. É claro que mordidinhas, segurar o cabelo com força, brincar de dominar o outro etc, fazem parte e é gostoso. Mas fico por aí”, revela o webdesigner André Guanabara, que nunca encontrou ninguém que quisesse apanhar de verdade. “Provavelmente seria brochante para mim”, garante. Realmente isso é de cada um. “Se você quer que doa, dói. Se seu limite for a dor, não dói. Não dá pra responder, a não ser que eu bata e pergunte: Doeu? A resposta mais comum: Doeu, mas gostei!”, diverte-se a Mistress Bárbara Reine.

Prazer e culpa muitas vezes caminham juntos. Quando o preconceito existe, essa prática pode fazer mal. “Gosto muito de bater com força, mas faço à medida que pedem. Na hora nada me surpreende, pelo contrário, fico mais excitado, sinto mais prazer quando rola uma violência e o sexo é agressivo. Mas depois fico mal, acho muito irracional, quero mudar esse meu prazer”, confessa o ator Aercio Bloris, que mesmo sem conseguir explicar o motivo, não quer mais repetir a experiência. “Já dei até soco e a mulher ficou amarradaça. Eu respeito as vontades, mas alimento e estimulo quando a pessoa gosta. Outro dia me pediram para algemar. Coloquei as duas mãos para trás, dei tapas na cara, penetrei com força para machucar e humilhei, pois ela queria assim. Adoramos e isso que é importante”, relata.

É a sensibilidade de cada um que define a dor que um tapinha pode – ou não – causar. O objetivo, acima de tudo, é sentir prazer, condição essencial para que o sexo não perca o sentido. Antes de sair por aí aos socos e pontapés, procure conhecer muito bem o seu parceiro, para não correr o risco de causar espanto, em vez de excitação. E lembre-se: abaixo o preconceito. Não é porque as funkeiras dizem que um tapinha não dói que você vai concordar e se privar de um bom tempero para sua relação.