Fechada pra balanço

Agora não tem mais jeito, 2004 já abriu a porta para uma saída regressivamente cronometrada, deixando o caminho livre para 2005. Seja uma boa anfitriã: vista sua roupa nova, faça figa, champanhe no gelo, e receba o novo tempo que toca a campainha. É hoje o dia da alegria, e a tristeza fica barrada do lado de fora do baile. Afinal, superstição ou não, o sentimento que você carrega na virada se perpetua ao longo dos 12 meses seguintes. Só que antes de pular sete ondas e se despedir do que passou, você não perde a chance de fazer um balanço do melhor e do pior de você, não é? Então aproveite o embalo para a contabilidade, e confira se o saldo foi positivo ou se você está devendo para si mesma, porque, querendo ou não, depois dos primeiros fogos, a conta zera.

Aniversário, réveillon e demais datas marcantes são a chance de fazer uma retrospectiva digna daquelas de televisão. Um momento propício para pensar nos principais fatos que aconteceram e lembrar o que você estava fazendo nessa hora, no mesmo canal, há exatos 365 dias. “Quando chega essa época eu faço um longo exame de consciência. Olho para dentro, procuro ver meus erros e acertos para poder crescer com eles”, comenta a administradora de empresas Gláucia Esteves, adepta do recordar é viver. O que, segundo ela, consiste na chave para que tudo se realize no ano que vai nascer. “Assim, eu me conheço melhor, entendo minhas mudanças e o principal: dou o primeiro passo para o ano seguinte, com meus planos bem esclarecidos”, defende a administradora.

Para quem já tem o hábito de dialogar com os próprios botões, o clima de renovação convida. “Eu sou de pensar muito sobre tudo. Como fim de ano já sugere naturalmente um balanço, acaba sendo inevitável”, comenta a estudante de jornalismo Renata Agostini. Melhor amiga do travesseiro, ela se sente tentada à reclusão da virada, digna de uma eremita. “Há pontos que você nem se atinou durante o ano, e quando você pára e pensa, vê que algo aparentemente ruim abriu portas”, conforta-se Renata.  A estudante também se apóia no balanço de fim de ano para estipular as metas do que vem adiante. “O que deu certo dá estimulo, e o que deu errado me assessora em como devo agir daqui pra frente, ou no que esta faltando”, resume ela.

A estudante só vê um revés no exame mental: “Se esbarro em algo que não posso mudar, tenho que reunir forças, senão vira uma ansiedade sem fim. Caso aconteça, é bola pra frente!”, ensina Renata. O medo de se deparar com algum ponto imutável assombra também a economista Alessandra Cardoso, fiel praticante do balanço anual. “Autocrítica impulsiona o crescimento e novas posições. O ruim é quando as circunstâncias não estão favoráveis a mudanças. Eu aprendi que para tudo há uma possibilidade, e isso me motiva a não desistir”, revela Alessandra.

Visando garantir um saldo positivo no ano seguinte, muitas apelam para as listas de reflexões com as promessas de um novo mundo. “Enumero por ordem de importância o que eu desejo alcançar ou modificar em mim e assim não esqueço das minhas metas”, diz a professora Patrícia Vaz. E não é que o balanço à “la Bridget Jones” é mesmo popular? “É bom para, posteriormente, conferir o que você conseguiu cumprir. Minhas exigências são sempre as mesmas: emagrecer, estudar mais, arrumar um namorado… No entanto, entra e sai e ano e eu chuto o balde antes mesmo da reta final”, assume a advogada Maria Alice Bellela.

Apesar de pouco empenhada na execução do seu plano nos anos anteriores, Maria Alice defende a estratégia e jura ser mais incisiva em 2005 . “Faço pra me sentir melhor, me dá a esperança para encarar o que está por vir. Assim eu já começo o ano pensando em tudo de bom que virá”, explica a advogada. Já a publicitária Joana Façanha até se esforça para ser condizente com o rol de exigências, mas acredita nunca fechar o caixa em vantagem. “Eu sempre acho que não fiz o suficiente, que deveria ter aproveitado mais, talvez porque as minhas promessas sejam pouco concretas”, lamenta Joana.

Se para umas a melhor alternativa é se reunir com as respectivas idéias e avaliar a quantas anda a vida, outras preferem seguir no melhor estilo “deixa a vida me levar”. É o caso da estudante de administração Juliana Marques, que se recusa a fechar para balanço. “Prefiro deixar as lembranças no lugar delas, não mexer muito. Se eu ficar recordando o que passou corro o risco de me entristecer. Então eu penso que o ano passou e pronto”, explica Juliana. O publicitário Felipe Alves garante que a retrospectiva mental também não compõe suas ações de fim de ano. Porém, diferente de Juliana, ele desatou a tecer seu próprio balanço. “Eu não sou de analisar o que já passou. Vivo um dia após o outro, sem olhar para trás. As mulheres é que têm essa mania”, comenta Felipe, apoiado pelo estudante de jornalismo Thiago Prado. “Nunca fiz retrospectiva. Essa nostalgia é tipicamente feminina”, define o estudante.

Pois é, não precisa ser especialista para deduzir que nós, mulheres – ou, pelo menos, a maioria da espécie – temos a tendência de reclusão analítica. “A mulher está muito mais propensa à análise, porque é algo que ela já faz o ano inteiro. Ela tem essa preocupação com a maneira que leva a vida e é mais sensível a pequenas mudanças”, explica a psicanalista Elizabeth Amaral. Segundo ela, fechar o ano com um balanço é uma ótima forma de iniciar o próximo com o pé direito “A auto-análise representa uma maneira de se conhecer melhor, de ponderar certos aspectos dentro de si mesmo e de buscar meios de mudar o que incomoda. O marco no calendário pode significar um novo ciclo, a chance de iniciar uma fase da vida”, aconselha a psicanalista. A hora é agora. Adeus ano velho! Papel e lápis na mão para a contabilidade, e feliz ano novo!