Memes gordofóbicos normalizam, mas comer demais na quarentena pode causar problemas graves

por | abr 9, 2020 | Comportamento

A internet não perdoa e até mesmo o coronavírus virou alvo de memes nas redes sociais. Um deles é sobre as pessoas estarem comendo em excesso durante a quarentena.

Várias piadas que mostram o antes e depois das pessoas após o término da quarentena têm circulado na web. Vídeos fazem chacota com a compulsão e sua consequência: o ganho de peso.

Embora muita gente esteja levando esse assunto na brincadeira, distúrbio alimentar é um assunto muito sério e negligenciá-lo pode acarretar sérios efeitos psicológicos e físicos.

Memes sobre compulsão alimentar na quarentena

A quarentena é uma mudança radical na rotina de muitos brasileiros. O isolamento social pode causar sedentarismo e comportamentos guiados pela ansiedade.

Um deles é o comer em excesso. É claro que não dá para generalizar que todo mundo está tendo essa atitude, mas muitas pessoas estão se identificando com os memes sobre comer mais.

Vários deles viralizaram nas redes sociais, mostrando antes e depois com uma foto de um corpo (magro) antes da quarentena e o depois, de um corpo gordo, tornando a piada gordofóbica.

E além de não ser legal usar o humor se apoiando na forma física de pessoas gordas, esses memes podem acarretar distúrbios alimentares e outros problemas com a alimentação.

Comer mais durante a quarentena é normal?

De fato, com a quarentena por causa do coronavírus, é inevitável que nosso psicológico fique bagunçado. Sem contar a ansiedade, que se manifesta por causa do tédio de ficar a maior parte do tempo em casa.

Muitas pessoas estão descontando essa ansiedade na comida e acabam encontrando nos alimentos o alívio para o estresse e o nervosismo por causa da situação que estamos vivendo.

De acordo com a endocrinologista Andréa Abbud , esse comportamento é normal em situações como esta: “Esse comportamento beliscativo ocorre devido a estarmos mais ociosos em casa, onde há maior disponibilidade de comida, associado a este momento de ansiedade, tristeza, buscamos um conforto, uma recompensa que a comida vai gerar como uma fonte de prazer”, explicou a profissional.

A nutricionista comportamental Inty Davidson, concorda com a médica sobre a normalidade de estarmos ingerindo uma quantidade maior de comida durante a quarentena e diz que essa fase do isolamento social é uma novidade e um desafio para todos nós.

“Esse fase está sendo uma novidade e um desafio para a maioria de nós, isso pode nos levar a entrar em contato com diversas emoções: ansiedade, tensão, preocupação… Essas emoções trazem sensações desconfortáveis, se não estamos prontos ou atentos para saber lidar com esse desconforto, recorremos a comida para ‘compensar’ ou disfarçá-lo, às vezes até sem perceber”.

Inty também reforça que não é só o emocional que nos “motiva” a comer mais, mas a necessidade de movimento também: “Estando em casa, muitas vezes, estamos mais parados e/ou menos estimulados, porém nosso corpo tem necessidade de movimento. Ir até a cozinha abrir portas de geladeira ou armários é aquele movimento que estamos precisando para sair da frente das telas e dar uma esticada no corpo”, explicou.

O comportamento relacionado a comer em excesso pode ser compulsivo ou impulsivo:

A compulsão é um transtorno alimentar e tem a ver com questões psicológicas importantes. O diagnóstico é feito por psiquiatras e o paciente necessita de tratamento, geralmente com nutricionista, psicólogo e psiquiatra, como informa a nutricionista.

Inty ainda listou alguns sinais e sintomas de quem tem compulsão. São eles:

  • Comer uma quantidade definitivamente maior do que a maioria das pessoas comeria na mesma situação (isso é bem diferente de comer uma barra de chocolate quando se está nervoso);
  • Comer em velocidade muito mais rápida que o seu habitual;
  • Comer exageradamente mesmo na ausência de fome;
  • Comer até se sentir extremamente desconfortável;
  • Sensação de perda de controle sobre seu próprio corpo e comer.

Já o comer impulsivo é diferente do compulsivo. De acordo com a especialista, comer de maneira impulsiva é ingerir alimentos em quantidade maior que a habitual, estimulado por sensações e sentimentos, porém sem perda de controle, mas com muita culpa.

Efeitos da alimentação excessiva

Embora o comer compulsivo e impulsivo sejam diferentes, eles geram efeitos parecidos no organismo, tanto físicos, como emocionalmente.

Distorção da relação com o corpo e a comida

“A maioria das pessoas que come compulsiva ou impulsivamente, acaba sentindo culpa ao comer mais do que precisa ou diferente do que gostaria, porque liga isso diretamente a ideia do ganho de peso excessivo e imediato, o que pode criar uma relação muito ruim com o corpo e a comida, de desejo/amor versus culpa/ódio”, afirmou Inty.

Impulsão pode virar compulsão

Além disso, a nutricionista também diz que é preciso ficar de olho nos comportamentos alimentares durante a quarentena, já que ambos os comportamentos alimentares podem ter como gatilho/estímulo questões emocionais, como a ansiedade, ou seja, existem chances de o comer impulsivo se transformar em compulsivo.

Alimentos que dão prazer imediato X doenças

Também é preciso ficar de olho no tipo de alimentos que ingerimos. Considerando que os alimentos que mais dão prazer, geralmente, são ricos em sódio, açúcares e gorduras, o consumo em excesso e com frequência pode acarretar não só o ganho de peso, como hipertensão, aumento dos níveis de colesterol, triglicérides e açúcar no sangue.

“Claro que esses alimentos não trarão essas consequências se consumidos esporadicamente, mas fazer deles o hábito, a regra na alimentação, consumindo mais eles que os alimentos naturais, pode acarretar nesses distúrbios”, explicou Inty.

Os memes que estão circulando mostram as pessoas engordando bastante, mas para Inty, é improvável que isso aconteça, “a não ser que a pessoa tenha mesmo uma grande perda de controle frequente com a comida, o que é raro”.

Dicas sobre comportamento alimentar na quarentena

Para ela, neste momento, o importante é justamente pensar e entender que é normal estarmos ansiosos e tensos com essa situação e tentar nos acolher e ajudar nesse período.

“Não há alimentos milagrosos em nenhuma ocasião, o que podemos fazer é trabalhar nossos comportamentos para que eles nos ajudem nessa fase”.

Inty listou algumas possibilidades para facilitar o cuidado com esses comportamentos:

  • Aproveitar que estamos em casa e facilitar o consumo de alimentos naturais, tentando incluir verduras e legumes nas refeições, comendo nosso clássico arroz com feijão, deixando frutas a vista
  • Tentar expor-se menos a alimentos ricos em açúcar e gordura (como bolachas, chocolates, salgadinhos), comprando menor quantidade ou deixando-os guardados, fora do seu campo de visão
  • Observar sua fome e tentar alimentar-se antes de estar faminto
  • Perceber sua saciedade, tentando comer com mais calma, sem tantos estímulos externos, sentado à mesa, se possível com assuntos agradáveis (se estiver em família)
  • Permitir-se saborear e gostar dos alimentos que está comendo
  • Notar se você está procurando alimento por motivos físicos (fome) ou por desconfortos (emocionais ou físicos)
  • Procurar incluir ocupações/atividades prazerosos na rotina, para que o alimento não seja sua única fonte de prazer e para ajudar a lidar com a ansiedade
  • Criar oportunidade para se movimentar e praticar atividade física para levar seus pensamentos e atenção para outro lugar e também para liberar endorfina, hormônio que diminui o estresse. A internet oferece lives com aulas de dança, ioga, ginástica, alongamos ao vivo ou vídeos gravados. Aproveite!

Dicas para passar o tempo na quarentena