Meu querido canalha

Canalha, cafajeste, vagabundo, mentiroso, salafrário! Pode xingar à vontade, porque ele não está nem aí. E pelo visto nós também não, afinal, a expressão “mulher de malandro” é tão cotidiana que apenas prova como somos adeptas desse tipinho.

A malandragem brasileira não vem de hoje. Foi cantada em versos por Heitor dos Prazeres já em 1931, e registra o gosto pelo canalha. Intitulada “Mulher de Malandro”, virou samba, e diz sem vergonha: “ Mulher de malandro sabe ser/ Carinhosa de verdade/ Ela vive com tanto prazer/ Quando mais apanha, a ele tem amizade/ Longe dele tem saudades. E emenda: Ela briga com o malandro/ Enraivecida, manda ele andar/ Ele se aborrece, e desaparece/ Ela sente saudades, vai procurar.

A composição mostra o que há de mais safado na alma masculina, e o de mais lamentável na feminina. Ainda atual, é hoje contada por Glória Perez, através dos personagens Glauco (Edson Celulari) e Nina (Ciça Guimarães) na novela das oito. Mas se a história já cansou de nos mostrar que esse tipo de homem não presta, por que cargas d’água continuamos nos metendo nessas furadas?

A socióloga Joana Andrade, 28 anos, passou três anos dividindo um homem com a titular. “No início era só uma paquera, mas, com o tempo, fui me envolvendo e passei a exigir exclusividade. Ficava furiosa quando ele tinha que me largar no meio do jantar porque a esposa estava ligando”, recorda. Grande erro! O psicoterapeuta Paulo Quinet explica: “Um homem que deixa a amante sozinha num restaurante para encontrar a esposa está cometendo uma agressão. A violência física chama mais atenção, mas existem outras violências mais sutis. Isso caracteriza um comportamento masoquista. Ele bate nela, mesmo que não fisicamente, manda flores, e ela volta”, compara. E explica: “Se ela tenta tirar o homem da outra, é porque acha que prova o seu valor conquistando-o. Só que não conquista nunca, e, mesmo se conquistar, provavelmente não dará certo, pois você quebra o sistema dessa relação. Homem que faz isso não é apaixonado por nenhuma das duas”.

Foi exatamente o que aconteceu. “Quando percebi que ele estava em cima do muro, e longe de tomar uma decisão, pus um ponto final na história”, conta Joana. Não é de se estranhar que em questão de semanas o dito-cujo tenha arrumado uma nova (e bota nova nisso) reserva, desta vez menos exigente. “Mas até isso acontecer, sofri demais, pois ele continuava ligando e mandando flores. Como não sou de ferro, caí na lábia do malandro e chegamos a sair para jantar algumas vezes, mas isso só tornou a volta por cima ainda mais dolorosa. Acho que se não tivesse partido de mim, ele nunca teria terminado”, acredita Joana. “O pior de tudo é que nem bonito ele era! Hoje, quando vejo nossas fotos, chego a rir”, releva a socióloga.

Mas então o que um homem pode ter de tão especial para nos manter em uma relação sofrida? Passado o tufão, Joana não sabe dizer, mas a psicoterapeuta Waléria Gonzalez encontra a resposta fora do objeto de desejo, e responsabiliza o turbilhão de emoções que essas situações carregam. “Esse tipo de vida pode estar dando muita gratificação, pois a cada reencontro, a cada promessa, e até mesmo a cada decepção, os afetos são mobilizados de forma muito intensa. Certamente uma vida afetiva estável não proporciona essa intensidade”, explica Waléria.

Historicamente polígamo, o homem era responsável por transmitir seu DNA ao maior número de fêmeas da espécie. Já elas cuidavam da prole e tratavam de preservá-la. “A monogamia se instalou por fatores culturais do nosso tempo, já que hoje em dia seria financeiramente inviável manter um harém”, explica Quinet. “Quando um homem se relaciona com mais de uma mulher, ele está reproduzindo essa necessidade histórica. Além de justificar para si mesmo a traição com mais facilidade, é a própria parceira quem absolve o homem, dizendo o típico Homem é assim mesmo”, completa.

Moral da história: malandros ou não, eles sempre conseguem nos responsabilizar pelos seus erros. E como ainda não inventaram solução para as paixões avassaladoras que nos pegam desprevenidas, fazer o que? Algumas dirão: relaxar e gozar.