Mimadas!

Eles não têm lá muita facilidade para ouvir um “não”. Quando se deparam com alguma frustração, não é raro emburrarem a cara, fazerem bico ou até caírem em prantos. Vivem esperando que os outros resolvam seus problemas, ao invés de colocar a mão na massa e ir à luta. Se você ainda não identificou, estamos falando das pessoas mimadas. É claro que nem todas chegam a reunir essas características de uma só vez. Uns mais, outros menos… Mas se tem algo que todos os mimados têm em comum, é o local onde aprenderam a ser assim: dentro de casa. Sem que percebam, filhos mal-acostumados por pais carinhosos, atenciosos e benevolentes demais carregam sua dependência para a vida adulta – e, conseqüentemente, para suas relações afora. Costuma ser doloroso quando um mimado cai em si e percebe que tende a enxergar o mundo como se ele girasse ao seu redor. Por outro lado, esse é o primeiro e mais importante passo para reverter um jeito de ser construído desde tão cedo e aprender a lidar com as dificuldades da vida de maneira mais leve e autônoma.

Não é difícil de identificar alguém que foi – ou ainda é – mimado pelos pais (ou avós, tios e outros responsáveis). Você mesmo deve lembrar de algum amigo, parente, ex-namorado ou conhecido que tenha alguma característica que faça você reconhecer nele um quê de gente mimada. De qualquer jeito, recorremos a um psicólogo para descrever com mais propriedade os traços de alguém que faz jus a esse adjetivo. “Eu diria que são dois os principais traços psicológicos do que se entende normalmente por uma pessoa mimada: a imaturidade emocional e a dependência em coisas banais, sentindo-se no direito de que outras pessoas lhe resolvam as coisas”, enumera Carlos Bein. A imaturidade emocional a que Carlos se refere é evidenciada em situações em que algo não sai da maneira como o sujeito desejava. “Diante de uma frustração, a pessoa se sente transbordada de emoções. Este seria um modo de pressionar quem está ao seu redor, através de birras, pranto e manipulações diversas, para resolverem as coisas, dando fim a seu sentimento de frustração”, esclarece o psicólogo.

Alguns mimados são capazes de desenvolver, mesmo que inconscientemente, estratégias supersedutoras para conquistar a boa vontade de quem está à sua volta. “Normalmente todos atendem aos pedidos dela. Ela tem uma tática bem interessante, pois não faz o tipo mimada chata. Ela interpreta a mimada coitadinha e faz com que todos tenham pena dela”, conta a jornalista Kátia Saldanha, se referindo à irmã – gêmea, por sinal. “Minha mãe é capaz de sair de casa às dez horas da noite, debaixo de chuva, mesmo que já esteja de pijama, só para ela não ter que pegar um ônibus para voltar da faculdade. E olha que não fica longe. É frescura mesmo. Chegou ao ponto de ela nem ter que pedir. A família até se oferece quando a vê numa situação na qual ela não sabe como agir. Essa dependência atrapalha demais a sua vida. Ela não sabe se virar! Nunca quebrou a cara, por isso, quando acontecer – seja no trabalho ou num relacionamento – vai sofrer demais, e quero ver quem consegue segurar a onda”, alerta a irmã, que soube se proteger do mimo dos pais. “Somos gêmeas, mas essas mordomias só acontecem com ela. Até porque eu não peço, acho vergonhoso, e não preciso que ninguém faça nada disso por mim. Prefiro me virar sozinha e me sinto bem percebendo que sou capaz de tocar minha vida sem a ajuda dos outros”, compara.

Se o assunto é gente mimada, não poderíamos deixar de falar daquela estrutura familiar que, segundo muitos dizem, é tiro e queda para dar fruto a crianças – e, posteriormente, adultos – mimadas que só elas: os filhos únicos. O analista de sistemas Marcelo Carvalho, de 26 anos, afirma que namorou uma garota que, por não ter que dividir a atenção – nem o dinheiro! – do papai e da mamãe com ninguém, se tornou uma típica menina mimada.”Tudo que ela quer o pai dá. Sempre foi assim. Ela cresceu achando que o mundo gira ao redor dela, porque nunca ouviu um ‘não’ na vida. Para você ter uma idéia, quando ela fez quinze anos, seu pai perguntou se ela queria fazer uma festa ou ir pra Disney. Ela disse que festa era um saco e que de Disney ela já estava enjoada. Então pediu um carro. E o cara deu! Um carro 0 km pra uma garota de quinze anos, tem noção disso?”, revolta-se Marcelo, que não demorou para dar fim ao namoro. “Ah, a mentalidade dela atrapalhou muito. Assumo que não tenho muita paciência com esse tipo de frescura. Eu acabava sendo grosso com ela, não deu certo. Mulher fresca assim não serve para mim”, categoriza o estudante.

Carlos Bein concorda que, numa família em que o filho é carente de irmãos, a tendência de os pais excederem no mimo é maior. “Em geral, os filhos únicos são mais mimados, sim. Como os pais, ou avós, não precisam repartir as atenções com outras crianças, esses dispõem de mais tempo para satisfazerem os caprichos do filho único”, esclarece o psicólogo, reafirmando que ser mimado é mesmo algo que se aprende e se absorve no ambiente familiar. “Este é um tipo de comportamento que se aprende em casa. Na medida em que a família responde, o comportamento vai se reforçando”, frisa. Entretanto, não são só os pais que contribuem para reforçar o jeito de ser daquele que se comporta como uma pessoa mimada. Do lado de fora, o papel benevolente desempenhado pelos pais pode ser exercido também por amigos ou mesmo pelo parceiro. “Se a pessoa de algum modo repete o que aprendeu em casa, é porque achou uma maneira de fazer com que os outros o mimem. Achou alguém ou até mais de uma pessoa disposta a entrar no jogo”, diz Carlos Bein.

Mimo: delicadeza, gentileza. Meiguice, carinho, afago. Mimado: tratado com mimo, com carinho. Como se pode perceber, no dicionário Aurélio não consta o significado pejorativo do adjetivo “mimado” ao qual viemos nos referindo. Aliás, tem gente, inclusive, que acredita que algumas pessoas confundem mimo com a atenção que os pais podem dar. A estudante de letras Lívia T., de 26 anos, confessa que já foi chamada de mimada diversas vezes por suas primas, mas que não concorda muito com o título que recebeu. “Elas diziam que eu era mimada porque minha mãe preparava o meu café da manhã antes de eu ir pro colégio. Fazia meu sanduíche e meu leite e elas achavam isso um absurdo. Acho que mimado é quem não aprende a dividir as coisas. Eu sempre dividi com a minha irmã, não só brinquedos, mas também carinho e atenção. Minha mãe sempre foi fofa comigo e com minha irmã, e vai continuar sendo. Muitas vezes ela faz o prato de comida pra mim quando vê que estou com pressa. Ela tem esse cuidado, que outros podem considerar um mimo. Eu sei que a pessoa mimada nunca admite que é, mas se mimar é dar atenção, fazer as coisas pelo outro, então eu também faço isso por outras pessoas, como por meu namorado”, compara Lívia, que também prepara para o companheiro o café da manhã. “Seguindo a lógica, eu estaria mimando ele. Mas considero isso uma prova de afeto, um jeito de cuidar de quem se gosta. É claro que, às vezes, também peço para ele fazer o café ou pra tirar a mesa, pra ele não ficar mimado, né?”, revela, em tom de brincadeira, a estudante.

Será, então, que é possível mimar os filhos de uma maneira saudável, sem exceder? Na opinião de Carlos Bein, não só é possível, como… “É necessário. Já foi provada, por exemplo, por um estudo de Harry Harlow com filhotes de macaco, a importância do contato físico da mãe com sua cria. Os filhotes que foram privados do contato materno durante o período de crescimento apresentaram transtornos muito severos depois de adultos. Receber atenção e carinho é imprescindível para a formação de uma pessoa física e psicologicamente saudável”, assegura Carlos Bein, acrescentando que ter sido uma criança mimada não significa ser refém desse comportamento para o resto da vida. “O ser humano tem grande capacidade de aprendizagem e, por assim dizer, de ‘desaprendizagem’. Se o indivíduo chega a perceber que seu modo de agir é inadequado, por ter dificuldade de aceitar e se acomodar aos sentimentos de outras pessoas, e realmente quiser mudar, é bem provável que o consiga”, conclui, otimista, Carlos Bein.