O visceral Marcelo Rubens Paiva > Retrato do autor

BM – Você costuma ser fiel?

MRP – Ah….. (risos) Depende de com quem eu estou. Eu sou de uma geração que morou em comunidade hippie, trocava as namoradas naturalmente, fazia amor livre, mulher transava com mulher e homem com homem. Tudo era muito mais solto. Minha educação sexual nasceu neste ambiente. As coisas começaram a mudar, não sei se foi a Aids ou uma moralização que o mundo trouxe, pois sempre que há uma revolução há posteriormente um caminho inverso. Nos Estados Unidos, veio a era Bush e a era Reagan e passaram a proibir o consumo de maconha, a plataforma de direita passou a ser a plataforma dominante. Na minha época, a plataforma libertária era a dominante. As pessoas adoravam falar publicamente que fumavam maconha. Havia uma coisa que se chamava “amizade colorida”, você lembra?

BM – Lembro.

MRP – Eu tenho 42 anos e você é um pouco mais nova. Então, por ter nascido nesse ambiente, é muito careta essa coisa de traição, a palavra é muito violenta.

BM – O assunto apareceu em função dos livros que você recomendou. Gostaria de saber se você é volúvel. Você se apaixona com facilidade?

MRP – Depende da época, depende do que essa pessoa faz. Tem pessoas que não esqueço pro resto da minha vida, outras esqueço em cinco minutos. Eu tenho casos mal resolvidos da minha adolescência que até hoje ainda pairam no ar. Já fui fiel a uma mulher por nove anos.

BM – Você se casou com essa mulher?

MRP – Casei no papel.

BM – Você foi casado duas vezes?

MRP – Uma vez só. Muita gente acha que eu fui casado duas vezes mas foi só uma, não sei o porquê dessa confusão.

BM – Você pensa em casar de novo?

MRP – Penso, eu quase casei de novo agora. Eu gostei de ter casado, meu casamento foi legal.

BM – Você gosta de crianças?

MRP – Gosto, teria filhos também.

BM – Qual o tipo de mulher que te atrai?

MRP – Essa pergunta é difícil. Olha, me atrai de tudo. Já tive todos os tipos de experiências. Já tive experiência com japonesas, coreanas, francesas, argentinas, cariocas, mineiras… Morenas, loiras e ruivas. Ainda não tive uma negra. A regra número um pra mim é inteligência e humor. Só tem humor quem é inteligente, porque ele é uma extensão da inteligência.

BM – É importante para você a beleza na mulher?

MRP – É e não é. As definições são muito complexas. O que é inteligência? O que é beleza? O importante é química, pele. Eu já fui cortejado por uma mulher lindíssima e que está na moda, e eu saí fora, não ataquei como todo homem faz. Ela era plástica demais. Eu gosto de coisas estranhas, gosto de mulheres narigudas.

BM – O que você acha das mulheres siliconizadas, plastificadas e lipoaspiradas?

MRP – “Deixa o peito cair…” (cantarola Marcelo). Eu tive umas relações com mulheres com silicone, eu acho um absurdo. Deixa umas cicatrizes horríveis, é horrível de pegar e você não sabe se dói ou não dói e se pode morder ou não. Algumas mulheres perdem até a sensibilidade. Na minha peça “E aí, comeu?” falo da perda da sensibilidade em nome da estética. Sou totalmente contra ao silicone, acho uma violência colocar borracha dentro do corpo. Ninguém sabe os danos que isso pode causar.

BM – Você é tímido na hora de abordar uma mulher?

MRP – Depende da mulher e das circunstâncias. Eu me acho super tímido, mas elas falam que eu não sou tímido porra nenhuma. Eu não sou daquele tipo de cara que já vai pegando, sou meio verbal, falo e ouço bastante. Algumas mulheres me deixam tímido, outras me deixam à vontade. Eu fico tímido quando gosto muito da mulher.

BM – O que te atraí mais numa mulher?

MRP – O cheiro é importante, mas tem mulher que usa muito perfume e eu não gosto. Tive um caso com uma mulher que usava um perfume horroroso e eu não sabia como falar isso pra ela. Não conseguia dormir com ela por causa disso. Já parei de sair com uma mulher que fumava muito, eu tinha parado de fumar naquela época. Isso parece até sacanagem porque fumo muito hoje em dia.

BM – Qual teu maior defeito?

MRP – Fumar, fumo meio maço por dia. Sou também muito paranóico, tenho uma completa aversão a invasão. Acho que isso acontece por eu ter me aberto muito em “Feliz Ano Velho”, quando eu era um absoluto desconhecido. É muito difícil eu dar entrevistas, só falo quando é importante para meu trabalho ou quando é para amigos. Olha, eu detesto falar do Marcelo porque nem eu mesmo sei direito quem é o Marcelo. Não posso falar do Marcelo como um personagem estático, é um personagem de transformação. Aí, você pergunta: “o Marcelo traí?”. Hoje, talvez sim.

BM – Você tem alguma superstição?

Eliana – Casar de novo.

MRP – Olha, estou ferrado se minha irmã falar todos os meus segredos.

BM – Da próxima vez, entrevisto as tuas quatro irmãs.

MRP – Vai ficar completamente diferente da entrevista que você está fazendo comigo, é lógico (risos). Voltando às superstições, tenho um monte. Por exemplo, se eu estou com o telefone de uma menina pra ligar e cai o papel no chão, eu desisto de ligar. Se eu saio de casa e o elevador demora muito, eu começo a achar que não vai ser legal. Por outro lado, se o elevador já está no andar, eu acho que vai ser “do caralho”. Penso muito em números atualmente. Cento e onze pessoas morreram no massacre do Carandiru e há um mês entrevistei o major Mascarenhas que é um dos acusados. Sabia que em todo lugar que eu olho está escrito 111? Olho pro relógio e é 1h11, vejo a placa de carro e está o 111. Tudo é mau presságio pra mim. Eu acendo incenso em casa todo dia. Não deixo algumas pessoas entrarem lá, nem jornalista fotografar ou filmar. Prefiro dar entrevistas no hall do meu prédio. Faço isso porque sinto como se alguma coisa estivesse sendo roubada de mim, a minha privacidade. Mas a maior superstição que eu tenho é que eu sou filho de Xangô, eu uso toda a parafernália e vou pra Bahia todo ano com uma amiga que é mãe-de-santo. Vira e mexe eu ligo pra ela. Ah, me lembrei de outra: nunca saio em fotos se estou namorando alguém. Fiquei nove anos com minha ex-mulher e nunca publicaram uma foto dela comigo. Eu não fico cultivando este tipo de fofoca “Caras”. Eu já namorei pessoas públicas que ninguém imagina. Nunca falo dos meus relacionamentos. Uma vez, a “Revista Veja” me ligou e perguntou se eu estava namorando fulana e eu estava, mas neguei tudinho.

BM – Você já fez análise?

BM – Os teus amigos são de longa data? Você mantém as amizades?

MRP – Não, são amigos novos. Minhas amizades são muito recicladas. Eu tenho 42 anos, conheci meu amigo mais antigo há 18 anos.

BM – Você acredita em pura amizade entre um homem e uma mulher?

MRP – Eu tenho muitas amigas, mais que amigos. Com algumas eu nunca tive nada e outras são minhas ex. Eu acho as mulheres mais divertidas e ricas que os homens. Eles são muito chatos e óbvios. Eu acho engraçado as crises das mulheres, sempre rio. Elas são cheias de conflitos e mudam a cada semana, eu acho isso muito divertido. O fato de ter muitas amigas me atrapalha um pouco, muita gente me acha mulherengo porque estou rodeado de mulheres. Eu tenho fama de mulherengo, mas não sou.

Bolsa de Mulher – Você acha que o Rio e São Paulo estão preparados para receber os deficientes físicos?

Marcelo Rubens Paiva – Acho que são duas cidades diferentes. A qualidade do Rio está no passeio público, nas calçadas e na orla. Por outro lado, as coisas privadas (cinema, teatro, restaurantes) estão muito mal adaptadas. Acontece o oposto em São Paulo, o passeio público é uma porcaria, é muito ruim aquilo que a prefeitura tinha que fazer, e o que é privado é sensacional.

BM – Você parece bastante independente. O teu carro é adaptado?

MRP – Tenho uma vã que tem um elevadorzinho. Esse carro é muito comum nos Estados Unidos. Mas não sou totalmente independente.

BM – Você é católico?

MRP – Eu acho que sou cristão, não sei se eu sou católico. Acho que isso começou tarde, não é uma coisa da adolescência, porque quem teve a vida que eu tive sempre coloca na balança a justiça divina. Eu nunca fiz mal a ninguém, pelo contrário, sempre batalhei pela justiça social. Por que essas coisas acontecem comigo? Por que não acontecem com um filho da puta de um torturador ou de um ladrão? O ladrão que eu digo é um político ladrão. Então, é meio chocante pensar em religião, em justiça e em Deus com todas as injustiças que aconteceram comigo e com a minha família. Por outro lado, existe uma ética cristã que é maravilhosa, tão maravilhosa que tem dois mil anos, atravessou as fronteiras do Oriente Médio e está em todas as partes.

BM – O que você faz na tua hora de lazer?

MRP – Sou uma pessoa igual a todo mundo. Gosto de cinema, teatro, vou pra piscina, vou pra praia, nado, faço yoga, vou muito a restaurantes. Você sabia que restaurante é a praia paulistana? Saio quase todas as noites porque sou um cara meio boêmio e trabalho em casa, chega uma hora do dia que eu preciso sair pra desligar um pouco do trabalho, entendeu? Tem épocas que eu estou mergulhado no trabalho e é muito difícil sair. Prefiro ficar debruçado numa idéia.

BM – Quais os Cds que você costuma escutar?

MRP – Eu escuto de tudo, depende da época. Estou muito roqueiro ultimamente.

BM – Qual o perfume que você usa?

MRP – Eu uso um do Hugo Boss.

BM – O que você está lendo?

MRP – Por trabalhar na Folha e estar mais ou menos ligado ao mercado de livros, leio de um a dois livros por semana. Sou um dos que fazem crítica literária do jornal. Eu leio isso pra poder escolher o que vai ser resenhado ou não. Os livros que estou lendo não são os que me dão prazer, são os livros com os quais eu ganho dinheiro. O sonho da minha vida é ser preso numa cela boa, tipo prisão especial, e levar uma série de livros.

BM – Dos muitos livros que você já leu, qual você recomenda?

MRP – Olha, eu gostei muito de um livro, mas ele é muito masculino. Não sei se a tua leitora vai gostar.

BM – Qual é o nome?

MRP – O “Estação Carandiru”, do Drauzio Varella (Companhia das Letras, R$ 24,23). Já faz um tempinho que eu li. Dos antigos, recomendaria “Quincas Borba”, de Machado de Assis, e “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert. Não que eu queira que as tuas leitoras virem mulheres adúlteras, mas eu quero que elas vejam que essas crises que elas têm hoje já têm mais de 100 anos. Quincas Borba é de 1884.