Orgulho feminino

Muitas mulheres guerreiras precisaram se expor, passar por muitos preconceitos e discriminações para, hoje, estarmos inseridas na sociedade e ocupando posições de igualdade com os homens. Ao longo de décadas, levantamos bandeiras do feminismo e lutamos por nossos direitos de cidadãs. Muita coisa mudou, conquistamos nosso espaço, mudamos nossos comportamentos e quebramos diversos paradigmas para provar do que somos capazes. Mas em algum momento esquecemos do nosso lado mulher e começamos a viver comportamentos masculinos. Hoje, disputamos vagas no mercado de trabalho, estudamos, somos mães, azaramos, mas até que ponto mantemos o nosso orgulho de ser mulher?

“Ser mulher é muito pouco”, declara a atriz Elke Maravilha. Para ela, a busca pela igualdade na humanidade não deveria vir do conceito das diferenças entre homem e mulher. “Ser gente é estar num estágio mais evoluído, onde não existem barreiras espirituais e físicas, limites e separações. Eu ainda não sou, estou engatinhando. Por enquanto sou feminina, mas com cabeça de homem”, comenta. No seu ponto de vista, as mulheres são medíocres, fúteis, bobas e indecisas. “Quando vou às compras, por exemplo, entro no shopping, vou direto ao meu objetivo e compro. Não fico olhando vitrines, experimentando roupas. Não uso um monte de creminhos para entrar nessa ditadura da mídia”, desdenha.

Para Elke, as mulheres estão fazendo tudo errado na busca de afirmação. “A mulher está querendo ser o homem e repetir todas as besteiras que eles fizeram. Não está fazendo uma história dela, mas sim repetindo uma que não deu certo. Por isso não têm o respeito deles, não se valorizam. Hoje, vivemos uma animalização. Estamos passando pela fase das cachorras, cadelas, a bunda vale mais do que a cabeça. Acho que vai passar, porque depois não tem mais para onde ir “, afirma. Seu desprezo pelo sexo feminino é tanto, que Elke não entende como os homens, que para ela são tão evoluídos, bonitos e corajosos, gostam tanto do sexo oposto. “Se eu fosse homem seria gay, porque não agüentaria ter uma relação com mulheres, elas são muito pouco. Meu marido fala que é por isso que está casado comigo, pois sou um homem com algo interessante entre as pernas”, diverte-se. Para completar, ela afirma que o mundo é dos gays, que são muito mais glamourosos que as mulheres de hoje em dia.

Eliane Vasconcelos é autora do livro “Mulher na Língua do Povo”, um estudo feito na década de 70, mas ainda atual, sobre como a linguagem mostra a desigualdade dos papéis masculinos e femininos em nossa sociedade. “Uma forma de desvalorização da mulher por nossa cultura está na ênfase dada à aparência física em detrimento de sua capacidade intelectual. Basta ser bonita para ter um lugar assegurado dentro da sociedade, mesmo sem precisar ser culta, nem inteligente”, explica. Eliane ressalta que metáforas femininas sempre têm um lado pejorativo sexual. Para isso, basta olhar no Dicionário Aurélio os significados das palavras mulher e homem. “Homem vagabundo é que não tem trabalho. Mulher vagabunda é uma meretriz. Como esses exemplos, infelizmente temos vários”, comenta. Eliane concorda que as mulheres perderam o glamour, mas não o orgulho feminino. “Com a revolução feminista, nos masculinizamos muito, mas hoje isso está mais equilibrado. Elas perceberam que para lutar pelos seus direitos não precisam deixar de ser femininas. É claro que com a dupla jornada de trabalho fica difícil ter tempo para ir ao salão se cuidar, mas as mulheres estão cada vez mais femininas”, completa.

A historiadora e escritora Mary Del Priore, em um de seus trabalhos, procura analisar a trajetória das representações femininas na sociedade. Ela não gosta de falar em mulheres, num plural diluidor de identidades. “Penso que se fosse possível escolher, todas as mulheres gostariam de ser belas e bem-cuidadas, pois vivemos numa cultura que valoriza muito os aspectos externos de uma pessoa. A vida, todavia, maltrata tanto as mulheres que é difícil pensar em ser glamourosas quando foram abandonadas, não têm recursos e nem educação,” explica. Mary tem uma vida profissional reconhecida, mas para chegar onde está, nunca desvalorizou seu lado feminino. “Sempre gostei de ser mulher naquilo que temos de mais característico: nosso potencial como mães e companheiras. Nossa capacidade de cuidar e ajudar os outros são traços de uma feminilidade que procuro aperfeiçoar. Se falamos de vaidade física, acho que, querendo ou não, somos hoje empurradas a assumir uma imagem ideal de boa aparência para garantirmos um espaço profissional. Se falarmos de conquistas íntimas, subjetivas, acho que esse prazer, mais do que vaidade, nunca perderemos”, completa.

Características femininas, que antes eram desvalorizadas no mercado de trabalho, estão sendo muito bem vistas pelos responsáveis de RH. Hoje, a mulher é cultuada justamente por tudo que é de sua própria natureza. “Penso que o mercado de trabalho, nos anos 70 e 80, exigia que a mulher fosse um homem de saias. Hoje, qualquer especialista de RH espera que a mulher trabalhe, não sob o modelo masculino, sendo invasiva, autoritária e excludente, mas por sua solidariedade, carisma e pelo dom de ser mediadora de soluções. Por outro lado, a vida cotidiana exige que cada vez mais mulheres assumam papéis masculinos na chefia de suas famílias, nas decisões práticas, na administração das finanças familiares etc. Estamos vendo nascer um novo modelo que corresponde ao estilhaçamento do antigo modelo familiar”, conclui Mary Del Priore.

Mas para quem viveu outras épocas, como Laura Paes Barreto, 60 anos, as mulheres perderam o bom senso. “Perderam totalmente o orgulho e o requinte. A mulher não sabe usar o que ganhou com a revolução feminista. Abusaram da liberdade, perderam a noção do limite. Se desvalorizam, estão totalmente masculinizadas, agem como homens. Os homens não gostam disso, ainda querem recato. Eu sei disso porque tenho um filho e ele comenta que se sente afrontado. Elas banalizaram o sexo, viraram vagabundas, estão vulgares”, revolta-se. Mas Laura não generaliza e diz que muitas ainda andam em cima do salto alto. “Eu represento uma empresa de móveis italianos aqui no Brasil e eles me exigiram que eu só contratasse mulheres e não me arrependo. Elas são supercapazes, profissionais, responsáveis, boas administradoras, sensíveis, intuitivas, dedicadas, cuidadosas. Eu tiro meu chapéu para as mulheres que se respeitam. Se eu pudesse optar, queria vir mulher na próxima encarnação e casaria com uma”, declara.

O economista Carlos Perdigão, 53 anos, é um nostálgico confesso e morre de saudades das mulheres da sua juventude. “Elas não tem mais o glamour da minha época. Era tudo mais difícil, misterioso e mais atrativo. Elas eram mais caseiras, românticas. Estão mais masculinas, mais mandonas, mais donas de si. É uma opinião machista minha. Tudo mudou muito rápido, ainda não me acostumei com a revolução feminina. Mas essa é a realidade e preciso me adaptar”, lamenta. Para Carlos, esse comportamento masculino intimida os homens e cria situações embaraçosas na relação. “Elas estão querendo superar os homens e não acho que seja por aí. Igualdade para os sexos. Essa coisa de querer suplantar o homem faz as mulheres ficarem mais agressivas, passando por cima de conceitos básicos de relacionamento. Hoje, tenho medo de azarar, chegar junto. Elas olham de cima a baixo, julgam a aparência, avaliam. Me sinto supermal”, conclui.

Da submissão à liberdade, tudo passou muito rápido. Em poucas décadas, as mulheres mudaram completamente suas funções na sociedade ocidental. Vivemos uma época confusa. Não estamos seguras em relação ao nosso papel. Dentro de cada uma de nós existem muitas dúvidas e conflitos, que no dia-a-dia não são respondidas. Precisamos lutar pela igualdade dos sexos, mas antes de mais nada, precisamos respeitar e ter orgulho do nosso sexo e de todas as características femininas que nos fazem ser diferentes, competentes e belas.