Pequenos grandes consumidores

Outro dia tive a certeza de que as crianças de hoje estão cada vez mais precoces. Com apenas três anos de idade, o filho de uma amiga pediu um laptop de presente de Dia das Crianças. “Pra quê um laptop Luca, o que vai fazer com isso?”. Sorridente, o menino respondeu: “Para jogar os videogames que eu também vou ganhar, mamãe.”.

Como se não bastasse este episódio, fui ao salão de beleza no fim de semana e me deparei com uma legião de meninas enfileirada diante do espelho ocupando metade dos cabeleireiros e manicures. Exigentes, elas orientavam os profissionais em relação às “escovas” e “unhas francesinhas” que deveriam estar impecáveis no sábado à noite. Como não sou mãe, cheguei a pensar que o problema era comigo, que talvez eu estivesse “por fora” dessa nova geração. Mas não é bem isso.

O consumo por parte de crianças e adolescentes tem sido foco de pesquisas no mundo inteiro. Os jovens, cada vez mais bem informados, desde cedo já demonstram preferências por marcas específicas e um grande poder de influência sobre os pais no momento de decisão. Com isso, a infância está ficando para trás cada vez mais rápido. Algumas etapas tradicionais do amadurecimento – como a puberdade – estão sendo “queimadas”.

O mercado teve que se adaptar a um novo tipo de consumidor – aquele que não é mais criança, mas também ainda não tem idade para ser considerado um adolescente. São os tweens, apaixonados por tecnologia, conectados a tudo e a todos, instantaneamente.

Os investimentos de marketing em produtos específicos para essa faixa etária são crescentes e vão de celulares e games a produtos de beleza e moda. Porém, o maior desafio não é conquistar esses mini-poderosos consumidores. É mantê-los fiéis. Esses grupos são influenciados pelos próprios amigos e totalmente abertos a novas experimentações.

Como não poderia deixar de ser, a indústria da moda esteve atenta às mudanças de comportamento e rapidamente se movimentou para preencher essa lacuna de mercado. As meninas, que antes eram obrigadas a usar vestidinhos e sapatinhos até os 12 anos, hoje já encontram grifes alternativas criadas especialmente para elas.

As gigantes dos cosméticos estão rindo à toa com o aumento no consumo de produtos de beleza para crianças e adolescentes

Anos atrás, a apresentadora Xuxa levou seu fã-clube ao delírio quando lançou a grife O Bicho Comeu. Suas lojas vendiam roupas inspiradas no figurino que a Rainha dos Baixinhos usava em seu programa matinal. As meninas, alucinadas, passaram a desfilar pelas ruas com botas de cano alto e “chucas” no cabelo (que tinha que ser loiro), sonhando em um dia fazer parte do grupo das Paquitas…

Mas o cenário mudou e a indústria entendeu que não adiantava simplesmente adaptar. A moda tinha que ser pesquisada, pensada e desenvolvida para o público em questão. Daí o sucesso de grifes como Whaat? e YEP, que se propõem a fazer uma moda jovem arrojada, dentro das tendências, mas respeitando de alguma forma a essência da idade de quem vai usá-la.

Outra grande sacada é a publicação da Disney chamada Witch. As histórias giram em torno de cinco garotas que descobrem ter superpoderes. As bruxinhas totalmente “fashion” se dividem entre combater o mal e viver o dia-a-dia com a família, escola e amigos. Lá fora, as grandes editoras de moda não perderam tempo e lançaram suas versões teen: Teen Vogue, Cosmo Girl, Elle Girl e Teen People.

Segundo a revista IstoÉ, só a moda infanto-juvenil brasileira movimenta R$ 10 bilhões ao ano, o que corresponde a um terço de toda a roupa consumida no país. E não é só a moda que se beneficia com toda essa precocidade. As gigantes dos cosméticos estão rindo à toa com o aumento no consumo de produtos de beleza para crianças e adolescentes.

Isso tudo nos faz lembrar o filme “De repente 30” (EUA, 2004), com Jennifer Garner, estrela do seriado “ALIAS” (transmitido no Brasil pelo canal fechado AXN) e atual esposa do galã Ben Affleck. A pré-adolescente (ou melhor, tween) Jenna, descontente com sua idade, sonha em ser uma mulher de 30 anos. Acaba conseguindo. Uma típica comédia romântica, com previsível final feliz, mas que retrata bem o desejo coletivo das meninas de hoje de se tornarem adultas antes do tempo. A boa notícia é que, depois de viver tal experiência, Jeena volta aos treze anos certa de que tem muito ainda a aprender.

O fato é que não há como isolar as crianças. Não se pode simplesmente desligar a antena parabólica que elas têm e que parece estar funcionando 24 horas por dia. Infelizmente, a própria sociedade hoje incentiva essa atitude mais madura das crianças. Cabe à família limitar as influências e mostrar um caminho mais saudável.

Ciça Mattos, 35 anos, é publicitária e estudou Moda em Londres e Marketing em Nova York. Trabalhou 15 anos em agência de publicidade e se dedica hoje ao estudo do comportamento de consumo de moda.