Diz o Aurélio: Pornografia.[Do grego pornográphos, “autor de escritos pornográficos”. 1. Tratado acerca da prostituição. 2. Figura, fotografia, filme, espetáculo, obra literária ou de arte relativos a assuntos obscenos ou silenciosos, capazes de motivar ou explorar o lado sexual do indivíduo. 3. Devassidão, libidinagem.
Antes restrita a clubes privês e inferninhos de fachadas discretas, a pornografia já foi um assunto polêmico. A partir da revolução sexual dos anos 70, este tema, outrora restrito ao sexo masculino, tem se popularizado e se inserido cada vez mais no universo feminino. Não adianta fingir que não está vendo. São revistas espalhadas pelas bancas de jornal, vídeos com capas picantes expostas na sua locadora, e uma sex shop bem pertinho do seu trabalho, numa das ruas mais movimentadas do centro. E você ali, em meio a todos esses músculos torneados, apreciando a paisagem. Quem é que nunca deu uma espiadinha, só por curiosidade?
Apesar de existirem inúmeros títulos no mercado, ainda são raras as revistas que expõem homens com a mesma naturalidade com que uma Playboy o faz com mulheres. Quando queremos conferir os dotes do ator-modelo-manequim que fez uma ponta na novela das oito, invariavelmente, recorremos a revistas gays. Estes, sim, possuem uma imensa variedade de artigos pornográficos a seu dispor. Mas nada de muita qualidade, claro. Enquanto que algumas revistas masculinas investem em produção, com bons fotógrafos e cenários inspiradores, as revistas gays não saem da mesmice. É mecânico pra lá, bombeiro pra cá, e policial acolá. A cada página, um pouco mais de firmeza ao membro, até o momento do gozo. Foi bom pra você? Não se sinta frustrada! É difícil – quando não impossível – chegar lá com essas imagens.
Criada para agradar ao sexo masculino, a pornografia expandiu seus limites e tem ganho versões mais atraentes para nós, mulheres. Afinal, diferentes em tudo, o apelo pornográfico que nos move é outro, e essa diferença foi estudada pelos psicólogos Donald Symons e Bruce J. Ellis há pouco mais de dez anos. A dupla realizou uma pesquisa entre universitários californianos, na tentativa de desvendar suas fantasias sexuais. As respostas demonstraram que, enquanto os homens respondiam com mais fervor à pornografia gráfica – imagens, as mulheres preferiam os romances eróticos – as palavras. Outro importante fator que não pode ser deixado de lado são as diferenças fisiológicas entre os sexos. A tal testosterona, que eles adoram usar como desculpa para as puladas de cerca, é um fator que não deve ser desmerecido. Symons e Ellis descobriram que mulheres com altos níveis do hormônio tinham uma tendência a se excitar com imagens, assim como os homens.
Mas, se esses dados foram concluídos há mais de dez anos, é só agora que a indústria pornográfica começa a responder a essas informações. As mulheres gostam – e muito – de pornografia, e só não desfrutam mais dela porque não há no mercado produtos adequados ao seu gosto. Karina Furtado, proprietária da sex shop A2 Ella, exclusiva para mulheres, afirma: “Elas adoram! Os homens são mais acomodados. E quando, num relacionamento, alguém quer sugerir uma novidade, a iniciativa sempre parte delas”, diz. Aberta há dois meses, a A2 Ella vem atender a uma demanda antiga. “Em minha primeira loja, 70% dos clientes eram mulheres. Daí surgiu a idéia de criar algo voltado para atender com exclusividade a esse nicho. Aqui, até as vendedoras são mulheres, e homem não entra de jeito nenhum”, sentencia Karina. Localizada no segundo andar de um edifício comercial do Rio, a A2 Ella acabou com o constrangimento de se esbarrar com o chefe enquanto se confere os últimos lançamentos do mercado de vibradores, e, nesses templos de prazer, opções de pornografia não faltam. São filmes, quadrinhos, contos e fotografias picantes, todos para ativar nossa libido, ou aliviar a tensão.
E se a loja é só para elas, o que será que faz sucesso entre as quatro paredes escondidas sob o discreto letreiro? “As revistas não são muito procuradas, mas temos quadrinhos do Zéfiro e uma linha de filmes alemães do jeitinho que elas gostam”, conta a proprietária. Nesses filmes, sexo grupal não tem vez, mas nem por isso são menos eróticos. “Elas querem ver o sexo no contexto de um relacionamento. O filme precisa ter enredo, e, diferentemente da maioria, não há duas ou mais mulheres com o cara na cama”, explica Karina, que comemora a entrada de diretoras na cena. Afinal, ninguém melhor do que as próprias para levarem para as telas suas preferências.
Elas estão caindo de boca na pornografia e este está longe de ser o início de uma tendência. Já no século VII a.C. há registros de poesias eróticas escritas por e para mulheres. Safo, poetisa nascida na ilha de Lesbos, declamava em versos seu amor ao sexo frágil. Conhecida como a primeira lésbica da história, foi condenada pela moralidade da época, chegou a ter seus livros queimados pela Igreja no século XI. Já mais recentemente, a brasileira Cassandra Rios, pseudônimo de Odete Rios, foi uma das autoras mais vendidas nos anos 60. Perseguida pela censura, teve 36 de seus livros proibidos, e foi tachada de pervertida. Em um de seus últimos escritos, Cassandra descreveu a perseguição: “Me batizaram de Demônio das Letras, Papisa do Homossexualismo, uma dama de capa e espada, seduzindo e corrompendo”.
Nem a censura calou essas mulheres, seus livros continuam aí, disponíveis para quem se interessar. A publicitária Alessandra Orrico, 30 anos, começou a ler pornografia aos 13 anos. “Minha mãe tinha alguns livros da Cassandra Rios, e quando encontrei, li um atrás do outro. Ela não gostou nada quando descobriu, jogou tudo fora”, recorda Alessandra. Este foi só o começo. De Cassandra, a publicitária passou para as páginas de Gilka Machado, Florbela Espanca e Adelaide Carraro, todas conhecidas por suas escritas polêmicas. “Essas escritoras descrevem cenas de sexo, e isso para mim é pornografia”, avalia Alessandra, fã de carteirinha do filme Lua de Fel, expressão máxima da pornografia que agrada moças comportadas, mas nem tanto. “Mulher não fantasia com foto de homem pelado, precisamos ter outros sentidos, além da visão, despertados”, acredita. O terapeuta sexual Arnaldo Risman concorda. “Para a mulher, a fantasia tem que estar inserida numa história, pois ela vê o homem por inteiro. Já eles transam com o peito ou com a bunda. Se a pornografia for genitalizada, não excita a mulher”, diferencia.
Proprietária da sexshop paulista Diandra, a terapeuta sexual Silvia Cavicchioli propõe levar erotismo ao relacionamento dos casais que a procuram, mas não acredita que a pornografia possa fazer muito pelas mulheres. Em meio aos mais de 5 mil itens que a Diandra oferece, pode-se encontrar alguns vídeos, mas todos bem diferentes do que se vê por aí. “Tudo começa na pornografia, mas ela não ensina. Os vídeos estimulam visualmente, o que agrada a todos, mas devem ter enredo. O pornográfico, por ser explícito demais, perde a graça. Tanto que filmes que exploram a sexualidade de forma velada são muito mais interessantes para as mulheres. Quando um casal resolve explorar a pornografia, ela acaba invariavelmente no 9 ½ semanas de amor”, acredita a terapeuta.
Se a pornografia tem se modificado para agradar às mulheres, mais uma prova de que elas gostam, e muito, de sexo. Aos poucos, o mercado vai se adaptando, e nos livra de termos que nos adaptar às preferências masculinas. No fundo, somos todos pornográficos. Se pudermos utilizar esses estímulos a nosso favor, melhor ainda.