Por que, eu me pergunto, por que os homens têm tanta resistência a pedir informações quando estão perdidos de carro? Veja só a odisséia na qual me meti por conta disso.
Outro dia, fui chamada para a gravação de um programa-piloto na TV Cultura. Como eu não tenho senso de direção e não havia carro da emissora para me buscar em casa (coisa que normalmente acontece) pedi a um amigo, do tipo que faz trilha sem bússola, que me levasse.
– Você sabe chegar na Rua Cenno Sbrighi?
– Deixa comigo.
Então tá.
Era um tal de viaduto que sobe, viaduto que desce, grandes avenidas, mil entradas e saídas e nós no maior pau para acompanhar o tráfego ao redor.
No meio do caminho começa a chover. Chover pacas. Granizo e folhas de todas as cores empastelando os vidros. Detalhe: aquela região alaga.
Lá fora, mesmo com os faróis ligados e a velocidade reduzida, nós só conseguíamos ver um borrão cinza-claro
– O que é que eu anotei aí no papel depois da Ponte do Jaguaré? – ele me perguntou.
– Está escrito Mofarrej.
– E agora, eu subo ou desço?
– Não é melhor a gente perguntar?
– Não precisa.
Então tá.
Lá fora, mesmo com os faróis ligados e a velocidade reduzida, nós só conseguíamos ver um borrão cinza-claro. De repente caímos num lugar vazio. Carro nenhum. Um ou outro gato pingado em frente a galpões imensos. Abrimos os vidros para enxergar alguma coisa e enxergamos, ou melhor, não enxergamos.
– Eu não estou vendo o chão.
– Nem eu.
O chão estava submerso e a água subindo. Estávamos no Ceasa.
– Vamos perguntar para aquele homem como é que a gente sai daqui?
– Não precisa.
Então tá.
Fugindo das áreas mais alagadas, pegando contramão, errando a esmo, chegamos a uma avenida movimentada.
– Vamos perguntar como se chega na TV Cultura?
– Não precisa.
Então tá.
Rodávamos em círculos. Meia hora depois, eu olhava o relógio e meu amigo me acalmava:
– Gravações sempre atrasam.
– Sei.
– O que diz aquela placa ali?
– Diz “vamos parar e perguntar”!
– Não precisa. Eu me acho.
– Mas eu não tenho tempo para esperar vossa senhoria se achar! Pára no próximo posto de gasolina.
– Não precisa.
– Ou você pára, ou eu vou me jogar desse carro, juro que vou!
Claro que não ia. Exagero cênico.
– Tá bom, tá bom.
Eu desci do carro e fui ligar para o meu contato, avisando que estava a caminho da gravação – perdida no meio de um aguaceiro dos infernos, mas a caminho. De volta ao carro, disse ao meu amigo:
– E aí, perguntou?
– Não precisa, já sei mais ou menos onde a gente está.
– Mais ou menos?
– É.
Com o carro já em movimento, eu abri a porta e ele foi obrigado a frear bruscamente.
– Stella!
– Moço, hei, moço, por favor, como é que a gente faz para chegar na Rua Cenno Sbrighi?
– Você vai na TV Cultura?
– Vou!
– Ah, é fácil.
E era mesmo. Para quem conhece a área. Vinte minutos depois, havíamos chegado. Enquanto caminhávamos sob a chuva, em direção ao estúdio 4, não consegui ficar calada.
– Por que vocês homens não param para perguntar quando estão perdidos? Só pode ser orgulho.
– Não é orgulho, não: é para aprender o caminho. Quando a gente erra, se perde e acha o caminho sozinho, ele fica gravado na cabeça. Se a gente pergunta, além do cara poder dar uma informação errada ou incompleta, a gente acaba não aprendendo a se virar naquela região.
Então tá.
Mas da próxima vez, meu caro, eu vou de táxi.
Stella Florence é escritora, tem uma filha, 20 tatuagens e vive em São Paulo. É autora de seis livros, entre eles “Hoje acordei gorda” e “O diabo que te carregue!”, todos pela Editora Rocco. Para entrar em contato, escreva para stellaflorence@globo.com.