
Sonhos, ainda que muito estudados pela ciência, seguem cercados de mistérios, e a história de Darrell Champlin mostra que ainda há muito o que se descobrir sobre eles. Durante anos, o antropólogo teve um sonho repetitivo e específico protagonizado por uma mulher desconhecida e chegou até dedicar uma pós-graduação a entendê-lo – mas isso só aconteceu quando, para sua surpresa, ele encontrou a mulher na vida real.
Antes de conhecer a esposa, ele sonhou com ela por mais de dez anos
Por cerca de dez anos, entre a pré-adolescência e a vida adulta, o antropólogo, professor e terapeuta Darrell Champlin teve um sonho intrigante no qual ele conhecia uma mulher em uma festa. Hoje, Darrell não tem mais este sonho, mas ainda o tem presente na vida devido ao fato de que, décadas depois, ele casou-se com a mulher que conhecera em seu subconsciente.
Apesar de algumas mudanças ocasionais, o sonho de Darrell sempre trazia as mesmas cenas. “Eu estava na frente de uma casa e estava tendo uma festa. Eu olhava aquilo e sentia quase um impulso de entrar. Eu ia até a cozinha e, nessa cozinha, encontrava uma pessoa – era sempre uma silhueta. Eu então puxava essa pessoa para a rua pela mão. Na rua, eu dava um abraço nela e sentia a ponta dos cabelos dela úmidos”, conta ele ao VIX.
Conforme explica, ele não sabia que casa era aquela, não conhecia a mulher e também não tinha o costume de ir a festas, mostrando que, até então, nenhum dos elementos do sonho lhe era especialmente familiar – mas isso logo começou a mudar. Nascido nos Estados Unidos, ele foi criado no Brasil mas, eventualmente, voltou ao país para estudar e, lá, durante um passeio com o pai, teve uma surpresa.
“Meu pai falou: ‘Vamos dar uma volta pela cidade pra você ver os lugares onde eu morei, onde a sua avó morou’. Então a gente saiu com o carro e ele foi falando: ‘Aqui acontecia tal coisa’, ‘aqui foi onde eu me formei’. Porém ele me levou para uma casa lá na parte mais rica da cidade, e falou: ‘Vou te mostrar a casa onde sua avó morou depois de separar do seu avô’. Era a casa com que eu sonhava”, afirma ele, que tinha o sonho há oito anos.

Constantemente intrigado por ver as mesmas cenas repetidamente durante anos enquanto dormia, ele admite que a curiosidade influenciou até a escolha que o jovem Darrell fez ao começar uma pós-graduação: o curso em questão envolvia a gestão do sono e dos sonhos para o controle do estresse. “Fui nesse curso para entender aquele sonho, só que foi um tiro na água. Saí dele sem entender”, conta.
Sentindo-se solitário após o término do curso, Darrell decidiu, em 1988, por retornar ao Brasil e ficar próximo da família. Apesar da intenção de ficar apenas alguns meses, o antropólogo conseguiu um bom emprego e começou a criar raízes por aqui – algo que incluía a busca por alguém com quem ele pudesse dividir a vida. Após o término de uma relação sem futuro, Darrell então aceitou, um tanto desconfiado, a dica de um amigo.
Na ausência de apps de relacionamento, Darrell foi aconselhado a se corresponder com alguém pelos classificados de uma revista. Apesar de não estar muito inclinado a seguir a dica, o antropólogo foi à banca de jornais no mesmo dia para comprá-la. “Estava esgotada. Era uma sexta-feira. Falei: ‘Que alívio!’. Mas na segunda-feira estou indo para o trabalho, vejo uma banca e, ali, a revista. De cara, do tipo: ‘Me leva’. Achei o sinal forte demais – era novinha em folha”, conta.
Uma vez com a revista, Darrell folheou os “classificados pessoais” e, neles, apenas uma mensagem lhe chamou atenção. “No antepenúltimo anúncio da última coluna, tinha algo que me impressionou. A pessoa não falava em namoro, não falava em casamento. Não falava nada, exceto que gostaria de trocar correspondência”, diz ele, que prontamente decidiu escrever para aquela pessoa.

“Eu mandei um ‘currículo’ para ela. Quase que literalmente. Peguei um papel especial e, com as minhas canetas tinteiro, escrevi uma carta de cinco páginas. Ela respondeu. Eu respondi. Ela respondeu. Um belo dia, ela me liga e fala: ‘Vamos nos encontrar?’”, narra o terapeuta, lembrando que o primeiro encontro que teve com Rosângela, em 12 de janeiro de 1990, foi um momento extremamente revelador.
Como os dois se falavam apenas por cartas, o primeiro encontro seria praticamente às cegas e, por isso, eles marcaram em uma estação de metrô de São Paulo. No horário combinado, no entanto, Rosângela não estava no local – e, sem saber onde ela poderia estar, ele acabou esperando-a durante horas. “Quando deu nove horas da noite, falei: ‘Vou só esperar mais um trem e vou embora’”, diz.
Neste momento, porém, Rosângela chegou – e apesar de aquela ter sido a primeira vez que os dois se viam ao vivo, o momento lhe pareceu estranhamente familiar desde o início. “Eram nove da noite, sexta-feira, a estação vazia e eu ouvi um barulho que reconheci, um toque. E no fundo, no corredor, eu vejo a silhueta. A silhueta de dez anos de sonho. Quando ela chegou, eu sabia, mas absolutamente, quem era”, afirma.
Além do som e da silhueta, o antropólogo conta que houve ainda mais um detalhe que tornou tudo específico demais para ser uma coincidência. “Quando a gente começou a subir a escadaria da estação para pegar a Avenida Paulista, começou a garoar. E os cabelos dela, como no sonho, ficaram molhados”, afirma, lembrando que o encontro iniciado naquela sexta-feira só terminou dois dias depois, no domingo.

Desde então, os dois não se separaram mais. Logo, Darrell e Rosângela começaram a morar juntos e, apenas dois meses depois, a união dos dois foi oficializada. “É coisa de destino, de outras vidas, não sei. E, dali em diante, eu não sonhei mais com aquilo”, afirma Darrell, explicando que a decisão de contar à esposa sobre o sonho veio apenas meses depois do casamento.
“Seria imprudente da minha parte falar de cara. Primeiro, eu tinha de me apresentar, apresentar o fato de que eu estudava isso, que era pesquisador, esse tipo de coisa. Contei pelo menos meio ano mais tarde e ela falou que achava curioso”, diz o antropólogo, afirmando ter, então, descoberto algo muito interessante sobre as aspirações que Rosângela tinha antes de conhecê-lo.
Ao saber sobre o sonho premonitório e repetitivo do marido, Rosângela contou que, até pouco tempo antes de encontrar Darrell, ela tinha certeza de que encontraria o homem de sua vida fora do Brasil – mais especificamente nos Estados Unidos, onde o antropólogo vivera até um ano antes de passar a se corresponder com ela (e para onde pretendia voltar).
“A ideia era a de que ela sairia do emprego naquele ano. Ela ia deixar um emprego de longa data e se mudar para os Estados Unidos porque achava que o futuro marido dela, a cara-metade, estaria lá”, diz. Atualmente, Darrell e Rosângela estão juntos há 31 anos e vivem em Santos, litoral de São Paulo.

Sonhos premonitórios: como lembrar e interpretar?
Darrell afirma que nem todos os sonhos são premonitórios, mas os que são podem ser de grande valia para quem souber interpretá-los. Raros, eles costumam, segundo o terapeuta, acontecer bem próximo à hora que o organismo geralmente desperta. “Os sonhos que estão envolvidos com o futuro acontecem, geralmente, no último ciclo”, diz ele, afirmando que é possível fazer um treino para lembrar-se deles.
Conforme explica, é possível, por exemplo, configurar o despertador para tocar ao menos dez minutos antes do horário normal. “Quando o relógio tocar, você vai estar no meio de um sonho”, afirma, ressaltando a importância do hábito de registrar a lembrança, seja como for. “Se não anotar, não vai lembrar. Ele desaparece em questão de minutos. Ou você pega o celular e grava”, explica o antropólogo.
Quanto à interpretação, ele não recomenda o uso de “dicionários” de sonhos, disponíveis tanto em livros voltados para o assunto quanto na internet, em sites que reúnem significados populares. Isso porque, fora certos elementos mais “gerais”, há aspectos que devem ser interpretados levando em consideração a relação entre eles e a pessoa que sonhou.
“O idioma do sonho é pré-verbal, baseado frequentemente em imagens, e a gente entende o que cada imagem significa para a gente. Te dou um exemplo: se eu sonho que estou tentando fisgar um peixe no rio. Eu fisgo e é um peixe grande. Eu sei que tem trabalho para entrar porque, desde criança, eu criava peixinhos para vender. Isso sempre significou projeto para mim. O mundo dos sonhos acompanha a realidade”, diz.