Maria Lúcia o ajudou como pôde, mas deixou claro desde o primeiro momento que não o manteria em sua casa. “Foi extremamente difícil. Ele estava muito deprimido, desesperançado e sem ninguém no mundo. E, ao passo que não queria aquele homem na minha casa, dependente de mim, não tinha como expulsá-lo. Até que chegamos à conclusão de que o melhor seria ele voltar para o Paraguai. Dei a passagem para ele ir”, relata a empresária que, no final do ano, recebeu notícias do rapaz. Conseguiu trabalho no seu país, filmando cirurgias médicas. “Ao que parece, está muito bem”, diz ela.
Para a psicoterapeuta Vera Soumar, um casal pode, sim, sobreviver às agruras das diferenças econômicas, desde que a relação esteja bem estruturada. “Eu tenho um caso no consultório de um casal que vive muito bem, apesar de o marido não ter se estabelecido bem financeiramente. Já ela, é uma superexecutiva. Então, ele, que é profissional liberal e tem um horário mais flexível, cuida da casa, dos filhos. Os papéis estão bem definidos. O que não é bom, claro, são relações parasitárias, em que um dos dois se acomoda”, comenta ela.
Mas, e quando a diferença não é só financeira e há entre o casal um verdadeiro abismo sócio-cultural? A jornalista Ana Kessler, 31, assume as dificuldades, mas considera, por elas mesmas, essa uma boa chance para um relacionamento se fortalecer. Ela conheceu o marinheiro Anderson, 24, numa festa numa escuna, na Marina da Glória, no Rio. “Ficamos de papo, aquela história. Dei meu telefone pra ele e no dia seguinte, ele me ligou me chamando para um programa. Já nesse dia eu senti bem as diferenças porque eu estava esperando que ele me chamasse pra um restaurante, um programa assim, mas ele me convidou para ir pro shopping. Eu achei muito engraçado, perguntei ‘como assim?'”, lembra ela.
Foram cinco meses de relacionamento experimentando mundos diferentes. “Ele mora na zona norte e eu, na zona sul. Então, quando ele vinha para cá, jantar num restaurante, se sentia meio mal, achava tudo meio besta. E eu, quando ia pra lá, também me incomodava com aquela coisa de todo mundo se falar, se conhecer, vizinho que vai entrando em casa”, conta ela. Os abismos culturais já estavam minando o namoro quando Ana se descobriu grávida. “Aí resolvemos juntar os trapinhos e ele veio morar comigo. Não ficava à vontade com a impessoalidade das relações aqui na zona sul e acabou ficando amigo dos porteiros e tal. Foi a forma que ele encontrou para superar isso”, comenta Ana, que também provou do outro lado e há alguns meses, está morando com Anderson na casa da sogra, no Engenho Novo.
A mulher assume a diferença com mais facilidade, tem mais condições de se moldar
No entanto, a jornalista encontra muitos motivos para levar à frente a relação, apesar dos muitos altos e baixos. “Já concluímos que não tínhamos nada a ver, decidimos nos separar, mas depois reconsideramos e voltamos. Ele, até mais do que eu, está correndo atrás para diminuir essa diferença, está na Marinha, voltou para a faculdade, está fazendo Engenharia Ambiental. É um fofo comigo, sinto que ele faz o possível para entrar no meu mundo. E fora que, até por não ser um homem da mesma esfera social que eu, tem ainda uma coisa que eu gosto muito, que é a do macho protetor, de carregar sacola, pregar coisa na parede. A mulher é minha e cuido eu, sabe?”, confessa ela.
Apesar de mais difícil, um relacionamento pode mesmo ultrapassar os abismos culturais. Na opinião de Vera Soumar, o primeiro passo é aceitar o desnível. “Em uma discrepância muito grande, é difícil porque até mesmo a comunicação entre o casal fica comprometida. Mas tudo o que se quer na vida, é possível conseguir. É importante não deixar de lado a vontade de crescer, de correr atrás. Dos dois lados”, comenta. Ela acredita que a mulher tenha mais capacidade disso do que o homem. “Ele ainda é criado para ser mais, para ser o maior. Finge que não está acontecendo nada, que não existe diferença, não corre atrás de cultura e conhecimento para que a diferença diminua. Já a mulher, não, ela assume a diferença com mais facilidade, tem mais condições de se moldar”, conclui.