Acabei de ver um programa na MTV que, de tão estapafúrdio, me obrigou a escrever esta crônica. Estava eu zapeando a TV quando topei com uma moça dizendo algo como “sem uma cobra viva não vai ter a menor graça”. Achei a frase tão surreal que parei um instante para ver do que se tratava.
Bem, se tratava de uma garota preparando sua festa de dezoito anos na qual ela faria uma entrada triunfal montada num trono, cercada por guerreiros faraônicos, carregando, enrolada em seu braço, uma cobra viva. Sim, sem a cobra não teria a menor graça.
Em seguida, a moça lançou mais um petardo – dessa vez não um curioso, mas revoltante: “Meu vestido custou três mil dólares, mas eu mandei colocar mais mil dólares de cristais Swarovski para que todo mundo veja o quanto sou rica”. Ao provar o tal vestido, com um
decote abissal que até o diabo condenaria, ela começou a chorar: “Não quero esse lixo: fiquei enorme de gorda!”.
O desejo pode encontrar os mais incríveis obstáculos, mas ele sempre dá um jeito de vir à tona
Mas no dia da festa, lá estava ela, com vestido dourado (cheio de cristais Swarovski), montada no trono, com os guerreiros em volta e a tal cobra viva no braço. Assim o séquito deu uma volta pela casa noturna enquanto a aniversariante recebia os aplausos da multidão. A garota deve ter alcançado o sonho do Roberto Carlos: ter um milhão de amigos – se bem que com cerveja grátis isso não deve ser difícil.
Finalmente, ela desceu do trono. Enquanto dançava, hordas de seguranças protegiam-na de qualquer aproximação masculina: ordens do pai, “nenhum menino toca nela”. Lá pelas tantas, o cantor preferido da moça a brindou com música, coreografias e beijinhos nas mãos. Você acha que acabou? Não! Papai chamou filhinha para ver surpresa lá fora: uma BMW tinindo de nova. “É sua, mas nenhum homem pode entrar nela!”.
Então, uma nota destoou no sonho da falsa Cleópatra: correu a notícia de que um casal de namorados estava transando lá dentro. A garota – atenção, dezoito anos ela fez – surtou. Saiu correndo escada acima, babando de ódio, a fim de acabar com a alegria dos dois: “Que falta de respeito, transando na minha festa, vou botá-los pra fora já!”. Não poderia mandar um segurança fazer isso? Claro que não… Pois eu aposto que ela daria trono, cantor famoso, vestido com cristais Swarovski, guerreiros marombados e BMW só para trocar de lugar com a menina que estava num cantinho transando com o namorado.
O final do programa é o seguinte: “Papai faz tudo o que eu quero. A minha foi a melhor festa do ano, deu tudo certo!”.
Deu tudo certo? Um programa enlatado, com uma moça digna de pena, excitando a idéia já suficientemente inchada entre nós de que você vale o quanto seu cartão de crédito pode comprar? Não acho que programas estúpidos não devam ir ao ar, sou contra a censura, incluindo a censura de programas estúpidos, afinal eles, ao menos, propiciam algum tipo de discussão – contra ou a favor. Portanto, é válido que um programa desse naipe seja veiculado, mas é válido que ninguém o execre? Eu, pelo menos, estou fazendo a minha parte.
O fundamental, porém, se esconde. Quando se varre o escapismo, a ostentação, a futilidade desse programa, o que salta aos olhos é apenas uma única e simbólica frase: “Sem uma cobra viva, não vai ter a menor graça”. Não é preciso ser um Freud para perceber que a proibição do pai para que nenhum (outro) homem se aproxime está deixando aquela garota à beira da histeria. O desejo pode encontrar os mais incríveis obstáculos, mas ele sempre dá um jeito de vir à tona. Através de um ato falho, de um sonho ou de um acessório bizarro numa festa ele mostra sua cara. Realmente, sem uma cobra viva não iria ter a menor graça.